Decisão da Presidência nº 6113 de STF. Supremo Tribunal Federal, 3 de Enero de 2014

Número do processo6113
Data03 Janeiro 2014

DECISÃO MANDADO DE INJUNÇÃO.

REGULAMENTAÇÃO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL.

INEXISTÊNCIA DO PRESSUPOSTO DE INVIABILIDADE DE EXERCÍCIO DE PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL.

PRECEDENTES.

MANDADO DE INJUNÇÃO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatório Mandado de injunção impetrado pelo Sindicato dos Empregadores e Profissionais Liberais em Estética e Cosmetologia do Estado do Rio de Janeiro, em 17.12.2013, contra pretensa omissão legislativa imputada ao Presidente da República, ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao Presidente do Senado Federal. 2.

O Impetrante alega que a ação constitucional ora proposta perante essa Suprema Corte Constitucional tem o condão em sanar a omissão regulamentadora da Lei n. 12.592/12 que, depois de sancionada, tão somente reconheceu a profissão dos Esteticistas, sem, contudo, regulamentar o seu exercício (fl. 2).

Sustenta que, mesmo com o reconhecimento da profissão levado a efeito por força da Lei n. 12.592/12, ainda caminha na esteira da lacuna e da mora a devida regulamentação da profissão dos Esteticistas, pois não se vê no texto da citada lei dispositivo que regulamente a profissão, o que, a bem da verdade, inviabiliza o exercício pleno, livre e regulamentado das atividades laborais específicas dos Profissionais em Estética e Cosmetologia (fl. 2).

Salienta pretender na exordial deste remédio constitucional é sanar a omissão da norma regulamentadora visivelmente ausente no texto da Lei n. 12.592/12, e tão logo garantir, resguardar e viabilizar os direitos sensíveis constitucionais inerentes ao exercício pleno do direito laboral dos profissionais portadores de diplomas de Cursos Técnicos e Superiores em Estética e Cosmética (fl. 2).

Ressalta que os profissionais que representa estão sendo tolhidos do pleno exercício de direito constitucionalmente prescrito (direito ao livre exercício da profissão), em função da omissão das autoridades impetradas em regulamentar a profissão de Estética e Cosmética, profissão essa que já foi reconhecida por força da Lei n. 12.592/2012, mas ainda não foi regulamentada (fl. 8).

Assevera que o art. 5º, inc.

XIII, da Constituição dispõe que ’é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’.

Assim, sem que a lei estabeleça as qualificações profissionais exigíveis de quem for exercer funções ligadas aos tratamentos estéticos e cosméticos, o exercício regular de tal profissão (já reconhecida legalmente) fica vulnerabilizado face à ‘confusão’ e/ou ‘conflito’ com outras profissões, resultando no exercício leigo da estética e da cosmética (fl. 11).

Pede Seja o presente mandado de injunção julgado procedente, em todos os seus termos, concedendo-se a injunção pleiteada neste feito e reconhecendo-se a ausência de norma regulamentadora da profissão de Estética e Cosmética, para que tal atividade seja exercida sob regulamentação específica, removendo-se o obstáculo criado pela omissão legislativa em relação à viabilização, no caso concreto, do direito constitucionalmente prescrito; Seja a vindoura regulamentação definidora das atribuições inerentes às competências exclusivas dessa Categoria Profissional, definindo as suas competências laborais privativas, observando-se, para tanto, as habilidades adquiridas ao longo dos cursos, em observância ao que consta na CBO respectiva (ANEXO 19) e nas estruturas curriculares dos cursos técnicos, e superiores, tecnólogos e bacharéis em Estética e Cosmética (ANEXO 18); Seja suprida à lacuna da lei, mediante a regulamentação provisória da profissão Estética e Cosmética, aplicando-se, no que couber, os termos do anteprojeto de lei ora sugerido (ANEXO 26), até que seja enfim editada lei complementar e definitiva sobre a matéria; Seja afastada a inércia das autoridades impetradas e dos respectivos entes políticos, que devem ser provocados a atuar imediatamente no sentido de viabilizar a aplicação do direito ao caso concreto; Sejam autorizados os Exmos.

Ministros dessa Corte a decidirem monocraticamente e definitivamente em casos similares; Seja criado o Conselho Federal de Estética e Cosmética, órgão regulamentador e fiscalizador da profissão; Seja sancionado o Estatuto de Ética da Profissão Estética e Cosmética (fls. 25-26).

Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 3.

O mandado de injunção é garantia constitucional prestante, exclusivamente, a viabilizar direitos ou liberdades constitucionais, bem como a soberania, a cidadania e a nacionalidade, quando não puderem ser exercidos por ausência de norma regulamentadora (art. 5º, inc.

LXXI, da Constituição da República).

Pressupõe, portanto, a existência de preceito constitucional dependente da regulamentação por regra de categoria inferior na hierarquia dos tipos normativos. 4.

O art. 5º, inc.

XIII, da Constituição da República é norma de aplicação imediata e eficácia contida que pode ser restringida pela legislação infraconstitucional.

Inexistindo lei regulamentando o exercício da atividade profissional dos substituídos nesta impetração, qualquer um pode exercê-la.

É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, inc.

XIII, da Constituição, grifos nossos).

A regra constitucional é a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Confira-se excerto do voto do Ministro Celso de Mello proferido nos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário n. 635.023: A vigente Constituição da República, observando tradição inaugurada com a Carta Política do Império do Brasil (art. 179, n. 24), que foi reafirmada pelos sucessivos estatutos constitucionais (CF/1891, art. 72, § 24; CF/1934, art. 113, n. 13; CF/1937, art. 122, n. 8; CF/1946, art. 141, § 14; CF/1967, art. 150, § 23; CF/1969, art. 153, § 23), proclama e assegura a liberdade de profissão, dispondo, em seu art. 5º, inciso XIII, ser ‘livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’.

Tratando-se de norma revestida de eficácia contida (ou restringível), mostra-se constitucionalmente lícito, ao Estado, impor exigências, que, veiculando requisitos mínimos de capacidade e estabelecendo o atendimento de certas qualificações profissionais, condicionem o regular exercício de determinado trabalho, ofício ou profissão.

Essa competência constitucional, no entanto, não confere ao Estado poder absoluto para legislar sobre o exercício de qualquer atividade profissional, pois essa especial prerrogativa de ordem jurídico-institucional só se legitima quando o Poder Público, ao regulamentar o desempenho de certa atividade profissional, toma em consideração parâmetros fundados em razões de interesse público, como aquelas que concernem à segurança, à proteção e à saúde das pessoas em geral.

Vê-se, portanto, que apenas razões de interesse público podem legitimar a regulação normativa, por parte do Estado, de qualquer ofício, trabalho ou profissão.

Isso significa que, se é certo que o cidadão é livre para escolher qualquer profissão, não é menos exato que essa escolha individual, para concretizar-se, deve observar as condições de capacidade técnica e os requisitos de qualificação profissional ditados por exigências que objetivem atender e proteger o interesse geral da coletividade.

Torna-se evidente, pois, que não é qualquer atividade profissional que poderá ser validamente submetida a restrições impostas pelo Estado, eis que profissões, empregos ou ofícios cujo exercício não faça instaurar situações impregnadas de potencialidade lesiva constituem atividades insuscetíveis de regulação normativa por parte do Poder Público, porque desnecessário, quanto a tais profissões, o atendimento de requisitos mínimos de caráter técnico-científico ou de determinadas condições de capacidade.

Resulta claro que a regulamentação, por lei, de atividades profissionais implica, sempre, o estabelecimento de restrições normativas que interferem no plano da liberdade de ofício ou de profissão.

É por tal motivo que a intervenção normativa do Estado na esfera da liberdade profissional somente se legitima quando presentes razões impostas pela necessidade social de preservação e proteção do interesse público, sob pena de essa atividade do Congresso Nacional configurar abuso do poder de legislar, que tem por consequência o reconhecimento da inconstitucionalidade do próprio diploma legislativo.

Vale rememorar, no ponto, no sentido que venho de expor, julgado do Supremo Tribunal Federal que reputou incompatível, com o texto da Constituição, a edição de diploma legislativo que restringia, de modo indevido, a liberdade constitucional de profissão: ‘(...) É inconstitucional a lei que atenta contra a liberdade consagrada na Constituição Federal, regulamentando e, consequentemente, restringindo o exercício de profissão que não pressupõe condições de capacidade’ (RTJ 89/367, Rel.

p/ o acórdão Min.

DÉCIO MIRANDA).

Impende advertir, neste ponto, que o Poder Público, especialmente em sede de legislação restritiva de direitos e liberdades, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.

O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ‘Curso de Direito Administrativo’, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, Curso de Direito Administrativo, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

A validade das manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu conteúdo intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como a liberdade) -, passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações materiais à ação normativa do Poder Legislativo, como enfatiza, de maneira bastante clara, o magistério da doutrina (RAQUEL DENIZE STUMM, ‘Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro’, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, ‘Direitos Humanos Fundamentais’, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, ‘Curso de Direito Constitucional’, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).

Isso significa, portanto, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.

Daí a advertência de CAIO TÁCITO (RDP 100/11-12), que, ao relembrar a lição pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a figura do desvio de poder legislativo impõe o reconhecimento de que a atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de harmonia com padrões de razoabilidade.

Essa cláusula tutelar dos direitos, garantias e liberdades, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador, como esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 176/578-579, Rel.

Min.

CELSO DE MELLO, v.

g.).

Na realidade, e tal como foi destacado em importante precedente firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 58/279-283, Rel.

Min.

THOMPSON FLORES), mesmo nos casos em que se estabeleçam condições de capacidade para o desempenho de atividade profissional, a estipulação normativa de tais requisitos não pode revelar-se arbitrária nem discriminatória, sob pena de injusta frustração da liberdade de exercício de ofício, profissão ou emprego.

Daí a advertência de SAMPAIO DÓRIA (‘Comentários à Constituição de 1946, vol. 4/637, 1960, Max Limonad) sobre os limites constitucionais que incidem sobre o poder normativo do Estado em tema de liberdade profissional: ‘A lei, para fixar as condições de capacidade, terá de inspirar-se em critério de defesa social, e não em puro arbítrio.

Nem todas as profissões exigem condições legais de exercício.

Outras, ao contrário, o exigem.

A defesa social decide.

Profissões há que, mesmo exercidas por ineptos, jamais prejudicam diretamente direito de terceiro, como a de lavrador.

Se carece de técnica, só a si mesmo se prejudica.

Outras profissões há, porém, cujo exercício por quem não tenha capacidade técnica, como a de condutor de automóveis, pilotos de navios ou aviões, prejudica diretamente direito alheio.

Se mero carroceiro se arvora em médico-operador, enganando o público, sua falta de assepsia matará o paciente.

Se um pedreiro se mete a construir arranha-céus, sua ignorância em resistência de materiais pode preparar desabamento do prédio e morte dos inquilinos.

Daí, em defesa social, exigir a lei condições de capacidade técnica para as profissões cujo exercício possa prejudicar diretamente direitos alheios, sem culpa das vítimas.’ É importante salientar, bem por isso, que esse entendimento já fora anteriormente manifestado, sob a égide da Carta Imperial de 1824, por JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO, Marquês de São Vicente (‘Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império’, p. 391, itens ns. 550 e 551, 1978, Senado Federal/Editora UnB), em passagem na qual discorreu sobre a liberdade de escolha e de exercício de trabalho, indústria ou profissão, havendo expendido, então, as seguintes (e pertinentes) considerações: ‘A livre escolha e exercício do trabalho, indústria ou profissão, sua livre mudança, ou substituição, a espontânea ocupação das faculdades do homem, tem por base não só o seu direito de liberdade, mas também o de sua propriedade. ...................................................

Ele é o senhor exclusivo delas, assim como dos seus capitais que o trabalho anterior tem produzido e economizado; tem pois o livre arbítrio, o direito incontestável de empregar estas forças e recursos como julgar melhor, segundo sua inclinação ou aptidão.

Impedir o livre uso desse direito, sua escolha espontânea ou querer forçá-lo a alguma ocupação industrial determinada, seria violar a mais sagrada das propriedades, o domínio de si próprio. ...................................................

As únicas restrições que o nosso artigo constitucional estabelece são que o trabalho ou indústria não se oponha aos costumes públicos, ou à segurança ou saúde dos cidadãos. (...).’ Torna-se possível extrair, dos precedentes e lições doutrinárias anteriormente referidos, a constatação, tantas vezes destacada e reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos proferidos sob a égide da Constituição de 1891 (art. 72, § 24), de que ‘A liberdade profissional, garantida pela Constituição Federal, de nenhum modo significa que o nacional e o estrangeiro possam exercer profissões liberais para as quais não estejam habilitados de acordo com o que estatuir a lei ordinária’ (HC 3.347/MG, Rel.

Min.

ENÉAS GALVÃO ).

É que, segundo sempre acentuou esta própria Suprema Corte, traduziria verdadeiro contra-senso ‘reputar inconstitucionais os atos do poder público tendentes a conciliar o interesse do profissional com o da sociedade, protegendo, eficazmente, a vida, a saúde e a propriedade dos habitantes do país’ (HC 3.347/MG).

Note-se, portanto, que o Estado só pode regulamentar (e, em consequência, restringir) o exercício de atividade profissional, fixando-lhe requisitos mínimos de capacidade e de qualificação, se o desempenho de determinada profissão importar em dano efetivo ou em risco potencial para a vida, a saúde, a propriedade ou a segurança das pessoas em geral (IVES GANDRA MARTINS/CELSO RIBEIRO BASTOS, ‘Comentários à Constituição do Brasil’, vol. 2/77-78, 1989, Saraiva), a significar, desse modo, que ofícios ou profissões cuja prática não se revista de potencialidade lesiva ao interesse coletivo mostrar-se-ão insuscetíveis de qualquer disciplinação normativa.

Também se revela incompatível com o texto da Constituição - sob pena de reeditar-se a prática medieval das corporações de ofício, abolidas pela Carta Imperial de 1824 (art. 179, XXV) - a exigência de que alguém, para desempenhar, validamente, atividade profissional, tenha que se inscrever em associação ou em sindicato para poder exercer, sem qualquer restrição legal, determinada profissão.

Se se revisitar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada já sob a égide da Constituição de 1891, constatar-se-á que, embora possível a regulamentação profissional, não pode o legislador, contudo, discipliná-la com apoio em critérios arbitrários, destituídos de razoabilidade e evidenciadores, por isso mesmo, de transgressão ao postulado do livre exercício de profissão ou ofício.

Expressivo dessa orientação é o julgamento que esta Corte proferiu na Representação n. 930/DF, Rel.

p/ o acórdão Min.

RODRIGUES ALCKIMIN, em decisão assim ementada: ‘Lei n. 4.116, de 27.8.62. – Inconstitucionalidade.

Exercício livre de qualquer trabalho, ofício ou profissão (C.

F., art. 153, § 23).

É inconstitucional a lei que atenta contra a liberdade consagrada na Constituição Federal, regulamentando e consequentemente restringindo exercício de profissão que não pressupõe ‘condições de capacidade’.

Representação procedente ‘in totum’.’ Extremamente significativo, por sua densidade e fundamentação, o voto então proferido pelo saudoso Ministro RODRIGUES ALCKIMIN, de que extraio o seguinte fragmento: ‘Assegura a Constituição, portanto, a liberdade do exercício de profissão.

Essa liberdade, dentro do regime constitucional vigente, não é absoluta, excludente de qualquer limitação por via de lei ordinária.

Tanto assim é que a cláusula final (‘observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer’) já revela, de maneira insofismável, a possibilidade de restrições ao exercício de certas atividades.

Mas também não ficou ao livre critério do legislador ordinário estabelecer as restrições que entenda ao exercício de qualquer gênero de atividade lícita.

Se assim fosse, a garantia constitucional seria ilusória e despida de qualquer sentido.

Que adiantaria afirmar ‘livre’ o exercício de qualquer profissão, se a lei ordinária tivesse o poder de restringir tal exercício, a seu critério e alvitre, por meio de requisitos e condições que estipulasse, aos casos e pessoas que entendesse? ...................................................

E ainda que, por força do poder de polícia, se possa cuidar, sem ofensa aos direitos e garantias individuais, da regulamentação de certas atividades ou profissões, vale frisar, ainda, que essa regulamentação não pode ser arbitrária ou desarrazoada, cabendo ao Judiciário a apreciação de sua legitimidade. ...................................................

Quais os limites que se justificam, nas restrições ao exercício de profissão? Primeiro, os limites decorrentes da exigência de capacidade técnica. (...). ................................................... (...) São legítimas, consequentemente, as restrições que imponham demonstração de capacidade técnica, para o exercício de determinadas profissões.

De profissões que, realmente, exijam conhecimentos técnicos para o seu exercício. (...). ...................................................

Tais condições (de capacidade técnica, moral, física, ou outras) hão de ser sempre exigidas pelo interesse público, jamais pelos interesses de grupos profissionais ou de determinados indivíduos. (...). ...................................................

No Brasil, a Constituição do Império, depois de assegurar a liberdade de trabalho ‘que não se oponha aos costumes públicos, à segurança e saúde dos cidadãos’, declarou abolidas ‘as corporações de ofícios, seus juízes, escrivães e mestres’.

E o princípio constitucional assegurador da liberdade do exercício de profissão foi mantido nas Constituições de 1891, de 1934, de 1946. (...). ...................................................

O direito constitucional brasileiro, portanto, assegura a liberdade do exercício profissional, com o que exclui a existência de corporações monopolísticas ou de outorga de privilégios a sociedades ou grupos.

Permite que se condicione o exercício profissional ao preenchimento de requisitos de capacidade (...), requisitos ditados pelo interesse público, unicamente. (...). ...................................................

Do exposto se pode concluir: a) A Constituição Federal assegura a liberdade de exercício de profissão.

O legislador ordinário não pode nulificar ou desconhecer esse direito ao livre exercício profissional (...).

Pode somente limitar ou disciplinar esse exercício pela exigência de condições de capacidade, pressupostos subjetivos referentes a conhecimentos técnicos ou a requisitos especiais, morais ou físicos.

  1. Ainda no tocante a essas condições de capacidade, não as pode estabelecer o legislador ordinário, em seu poder de polícia das profissões, sem atender ao critério da razoabilidade, cabendo ao Poder Judiciário apreciar se as restrições são adequadas e justificadas pelo interesse público, para julgá-las legítimas ou não.

  2. A liberdade do exercício de profissão se opõe à restauração de corporações de ofício, que se reservem privilégios e tenham o monopólio de determinadas atividades.

    Se não se impede a associação para defesa dos interesses dos grupos profissionais, a ninguém se pode exigir que ingresse em associação ou que se faça registrar em sindicato para poder exercer a profissão. (...).’ Essa mesma diretriz foi reafirmada, já agora sob a vigente Constituição, no julgamento plenário do RE 511.961/SP, Rel.

    Min.

    GILMAR MENDES, em decisão que restou consubstanciada, no ponto, em acórdão assim ementado: ‘(...) A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional (art. 5º, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das ‘condições de capacidade’ como condicionantes para o exercício profissional.

    No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, da Constituição de 1988, paira uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes do livre exercício das profissões. (...).

    A reserva legal estabelecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de atingir o seu próprio núcleo essencial. ................................................... (...) A ordem constitucional apenas admite a definição legal das qualificações profissionais na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger, efetivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expressão e de informação por parte dos jornalistas.

    Fora desse quadro, há patente inconstitucionalidade da lei. (...).’ Resulta claro, pois, da jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal consolidou em tema de liberdade constitucional de profissão, emprego ou ofício, que ‘Há profissões cujo exercício diz, diretamente, com a vida, a saúde, a liberdade, a honra e a segurança do cidadão e, por isso, a lei cerca seu exercício de determinadas condições de capacidade.

    Fora deste terreno, não podemos admitir exceções, porque estaríamos mutilando o regime democrático da Constituição (...), dando à lei ordinária uma força que não deve e não pode ter’, tal como assinalou JOSÉ DUARTE em preciso magistério sobre tão relevante direito fundamental (‘A Constituição Brasileira de 1946’, vol. 3/33-34, 1947, Imprensa Nacional) (RE 635.023-ED, Relator o Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 13.2.2012, grifos nossos).

    Na espécie, é incabível este mandado de injunção pela ausência de dispositivo constitucional que imponha aos Impetrados o dever de regulamentar a atividade exercida pelos substituídos do Impetrante nesta ação.

    Assim, por exemplo: O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir - simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional - a previsão do dever estatal de emanar normas legais.

    Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público.

    Para que possa atuar a norma pertinente ao instituto do mandado de injunção, revela-se essencial que se estabeleça a necessária correlação entre a imposição constitucional de legislar, de um lado, e o consequente reconhecimento do direito público subjetivo à legislação, de outro, de tal forma que, ausente a obrigação jurídico-constitucional de emanar provimentos legislativos, não se tornará possível imputar comportamento moroso ao Estado, nem pretender acesso legítimo à via injuncional (MI 542, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 28.6.2002, grifos nossos).

    Analiso as alegações do Impetrante para demonstrar a improcedência deste mandado de injunção. 5.

    Os Impetrados editaram a Lei n. 12.592/2012, que dispõe sobre o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador: A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º É reconhecido, em todo o território nacional, o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, nos termos desta Lei.

    Parágrafo único.

    Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador são profissionais que exercem atividades de higiene e embelezamento capilar, estético, facial e corporal dos indivíduos.

    Art. 2º (VETADO).

    Art. 3º (VETADO).

    Art. 4º Os profissionais de que trata esta Lei deverão obedecer às normas sanitárias, efetuando a esterilização de materiais e utensílios utilizados no atendimento a seus clientes.

    Art. 5º É instituído o Dia Nacional do Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador, a ser comemorado em todo o País, a cada ano, no dia e mês coincidente com a data da promulgação desta Lei.

    Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

    Brasília, 18 de janeiro de 2012; 191º da Independência e 124º da República.

    Este Supremo Tribunal assentou constituir pressuposto de cabimento e admissibilidade do mandado de injunção a omissão legislativa que obste o exercício de direito constitucionalmente assegurado ao Impetrante.

    Portanto, o conhecimento desta ação pressupõe a inexistência da norma regulamentadora de direito subjetivo assegurado na Constituição da República.

    Confiram-se: Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora.

    O mandado de injunção não é remédio destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União (MI 766-AgR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Plenário, DJe 13.11.2009).

    MANDADO DE INJUNÇÃO – OBJETO.

    O mandado de injunção pressupõe a inexistência de normas regulamentadoras de direito assegurado na Carta da República (MI 701, Relator o Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJ 4.2.2005).

    O reconhecimento da existência e da aplicabilidade de norma infraconstitucional regulamentadora do direito constitucional pleiteado evidencia o não cabimento do mandado de injunção, por inexistir omissão legislativa inviabilizadora do exercício de direito constitucionalmente assegurado (MI 5.390-AgR, de minha relatoria, Plenário, DJe 1º.4.2013).

    Somente tem legitimidade ativa para a ação o titular do direito ou liberdade constitucional, ou de prerrogativa inerente a nacionalidade, a soberania e a cidadania, cujo exercício esteja inviabilizado pela ausência da norma infraconstitucional regulamentadora (MI 375-AgR, Relator o Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 15.5.1992).

    A existência de lei que dispõe sobre o exercício das atividades profissionais de Cabeleireiro, Barbeiro, Esteticista, Manicure, Pedicure, Depilador e Maquiador torna inviável este mandado de injunção pela inexistência de lacuna legislativa. 6.

    Ademais, o Impetrante alega que a Lei n. 12.592/2012 dependeria de regulamentação pelas autoridades impetradas.

    No entanto, a ação utilizada por ele não é o instrumento processual adequado para buscar a regulamentação de norma de natureza infraconstitucional.

    O objetivo do mandado de injunção é garantir a efetividade da Constituição da República.

    Assim, somente a ausência da norma regulamentadora que daria eficácia a preceito da Constituição viabilizaria a utilização desta ação, ou seja, para tornar viável o mandado de injunção, seria necessária a demonstração, de plano, da existência de norma constitucional dependente de regulamentação e da impossibilidade de exercício de direito assegurado na Constituição pelos substituídos do Impetrante.

    Portanto, por não se cuidar de direito previsto na Constituição titularizado pelos substituídos pelo Impetrante e cujo exercício estaria sendo inviabilizado por falta de regulamentação, ausente o requisito permissivo do trâmite do presente mandado de injunção. 7.

    Pelo exposto, nego seguimento ao mandado de injunção (art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

    Publique-se.

    Brasília, 3 de janeiro de 2014.

    Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora

    Partes

    Recte.(s) : Petroleo Brasileiro S.

  3. - Petrobras

    adv.(a/S) : José Alberto Couto Maciel e Outro(a/S)

    recdo.(a/S) : Wilson Carlos Cerezer

    adv.(a/S) : José Henrique Coura Rocha

    adv.(a/S) : Denilson Fonseca Gonçalves

    Observação

    PROCESSO ELETRÔNICO

    DJe-027 DIVULG 07/02/2014 PUBLIC 10/02/2014

    Publicação

    19/02/2014

    legislação Feita por:(Lnb)

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