Decisão da Presidência nº 3541 de STF. Supremo Tribunal Federal, 27 de Enero de 2014
Número do processo | 3541 |
Data | 27 Janeiro 2014 |
Trata-se de ação cautelar, com pedido de medida liminar, ajuizada por RAIMUNDO WANDERLAN PENALBER SAMPAIO, Prefeito Municipal de Autazes/AM, com o objetivo de atribuir efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto.
Na origem, o juízo de primeira instância e o Tribunal Regional Eleitoral amazonense decidiram deferir o registro de candidatura do ora autor nas Eleições 2012, por entender que a manutenção de rádio comunitária clandestina não implica crime contra a administração pública, mas crime contra a segurança dos meios de comunicação.
Alega o autor, em síntese, que o Tribunal Superior Eleitoral, em afronta a pacífica orientação jurisprudencial desta Suprema Corte, entendeu que os arts. 21, XI, 222 e 223, todos da Constituição, integrariam a manutenção exploração da radiofusão à administração pública e ao patrimônio público o que imporia a compreensão de que os crimes contra as telecomunicações seriam espécies do gênero crimes contra a administração pública, atraindo a incidência da Lei de Inelegibilidades (LC 64/90).
Sustenta que o próprio Ministério Público Eleitoral se manifestou favoravelmente à tese jurídica do autor e opinou pelo deferimento do registro de candidatura, em parecer assim ementado: Eleições Recurso Especial Eleitoral.
Registro de Candidatura.
Prefeito.
I Candidato incurso na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, e, da LC 64/90.
II O bem jurídico tutelado pelo delito do art. 183 da Lei nº 9472/97 é a segurança dos meios de comunicação.
Impossibilidade de enquadramento nos crimes contra a Administração Pública.
III Parecer pelo não provimento do recurso especial.
Afirma, ainda, violação ao art. 5º, XXXV, LIV e LV, e 93, IX, ambos da Constituição, uma vez que, na Sessão Jurisdicional de 15/10/2013 se proclamou o resultado do julgamento nos seguintes termos: proclamo o resultado: recurso ao qual se nega provimento.
Vencidos os ministros Dias Toffoli, Henrique Neves e a Presidente.
É a proclamação do resultado (5236).
Entretanto, aduz que após a proclamação do resultado pela Presidência, o Relator inverteu o seu voto para juntar-se à minoria antes vencida, modificando completamente o rumo do julgamento.
Sobre a existência do periculum in mora, argumenta que, antes mesmo de esgotada a jurisdição no TSE e no STF, recebeu comunicação que deve se afastar do exercício do seu mandado no Município de Autazes/AM, com cerca de 35 mil habitantes, os quais lhe confiaram a titularidade do Executivo.
Pede o deferimento de medida liminar para atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto e, no mérito, pugna pela a procedência do pedido.
É o breve relatório.
Decido o pedido liminar.
A questão constitucional expressamente discutida no acórdão recorrido é saber se à luz do disposto nos arts. 21, XI, 222 e 223, todos da Constituição a manutenção de rádio comunitária clandestina implica crime contra a administração pública ou crime contra a segurança dos meios de comunicação, para efeito de incidência do art. 1º, I, e, da LC 64/90: Volto ao tipo penal e, mais especificamente, à causa de aumento prevista.
Refere-se a terceiro.
Quem seria então a vítima? Qual o bem protegido? Consta do inciso Xl do artigo 21 da Constituição Federal competir à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais.
A toda evidência, observasse o envolvimento de serviço público, passível de ser repassado ao particular por meio de autorização, concessão ou permissão, ante o disposto no artigo 175 da Lei Maior.
Iniludivelmente, o bem protegido não é a simples transmissão, atividade de telecomunicação, como se fosse permitida a atuação estritamente privada.
Protege-se a Administração Pública, pois previsto, no artigo 183 da Lei n° 9.472/1 997, como sendo crime o desenvolvimento clandestino - à margem, portanto, de qualquer transferência pela Administração Pública de atividade de telecomunicação (Voto do Min.
Marco Aurélio).
Senhora Presidente, leio o art. 222 da Constituição Federal: Art. 222.
A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.
Não farei a leitura dos vários parágrafos do dispositivo.
A leitura apenas da cabeça do artigo já deixa claro que o setor é estratégico à nação brasileira, ao Estado brasileiro, por conseguinte.
Também leio o art. 223 da Constituição: Art. 223.
Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
Deixo de fazer a leitura de seus parágrafos.
Senhora Presidente, o Ministro Marco Aurélio, relator, tem plena razão ao dizer que o tipo penal estabelecido na lei de regência dos serviços de comunicação, ao ter sido descumprido, atenta contra a Administração Pública.
Como o Estado, o órgão regulador e o administrador verificarão se aquilo é uma pessoa jurídica ou física? Se é brasileiro nato e qual o nível de participação societária que exista, em uma eventual pessoa jurídica que atue clandestinamente? É evidente que quem está sofrendo lesão em seu patrimônio é a Administração Pública (Voto do Min.
Dias Toffoli).
Em sentido contrário, a orientação jurisprudencial desta Suprema Corte tem reconhecido que o bem jurídico tutelado pelo art. 183 da Lei 9.472/1997, que trata das rádios comunitárias em operação clandestina, é a segurança dos meios de comunicação.
Cito, entre outros, os seguintes precedentes: HABEAS CORPUS.
PENAL.
RÁDIO COMUNITÁRIA.
OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO.
IMPUTAÇÃO AO PACIENTE DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997.
BEM JURÍDICO TUTELADO.
LESÃO.
INEXPRESSIVIDADE.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICABILIDADE.
CRITÉRIOS OBJETIVOS.
PRESENÇA.
APURAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA.
POSSIBILIDADE.
ORDEM CONCEDIDA.
I Conforme perícia efetuada pela Anatel, o serviço de radiodifusão utilizado pela emissora não possuía capacidade de causar interferência prejudicial aos demais meios de comunicação, o que demonstra que o bem jurídico tutelado pela norma segurança dos meios de telecomunicações permaneceu incólume.
II Rádio comunitária operada com os objetivos de evangelização e prestação de serviços sociais, denotando, assim, a ausência de periculosidade social da ação e o reduzido grau de reprovabilidade da conduta imputada ao paciente.
III - A aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta minimamente ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (IV) inexpressividade da lesão jurídica.
IV Critérios que se fazem presentes, excepcionalmente, na espécie, levando ao reconhecimento do denominado crime de bagatela.
V Ordem concedida, sem prejuízo da possível apuração dos fatos atribuídos ao paciente na esfera administrativa (HC 115.729, Rel.
Min.
Ricardo Lewandowski, de 14/2/2013).
HABEAS CORPUS.
PENAL.
RÁDIO COMUNITÁRIA.
OPERAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO.
IMPUTAÇÃO AOS PACIENTES DA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997.
BEM JURÍDICO TUTELADO.
LESÃO.
INEXPRESSIVIDADE.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICABILIDADE.
CRITÉRIOS OBJETIVOS.
EXCEPCIONALIDADE.
PRESENÇA.
APURAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA.
POSSIBILIDADE.
ORDEM CONCEDIDA.
I Consta dos autos que o serviço de radiodifusão utilizado pela emissora é considerado de baixa potência, não tendo, deste modo, capacidade de causar interferência relevante nos demais meios de comunicação.
II Rádio comunitária localizada em pequeno município do interior gaúcho, distante de outras emissoras de rádio e televisão, bem como de aeroportos, o que demonstra que o bem jurídico tutelado pela norma segurança dos meios de telecomunicações permaneceu incólume.
III A aplicação do princípio da insignificância deve observar alguns vetores objetivos: (i) conduta minimamente ofensiva do agente; (ii) ausência de risco social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (IV) inexpressividade da lesão jurídica.
IV Critérios que se fazem presentes, excepcionalmente, na espécie, levando ao reconhecimento do denominado crime de bagatela.
V Ordem concedida, sem prejuízo da possível apuração dos fatos atribuídos aos pacientes na esfera administrativa (HC 104.530, Rel.
Min.
Ricardo Lewandowski, de 7/12/2010).
DECISÃO HABEAS CORPUS SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL LIMINAR INADEQUAÇÃO. 1.
O Gabinete prestou as seguintes informações: O Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Rondônia (Processo nº 12264-54.2010.4.01.4100), ao deixar de receber a denúncia em que se imputava ao paciente a prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, entendeu não haver justa causa para a ação penal.
Assentou a ausência de ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a segurança dos meios de telecomunicações (HC 118.400-MC, Rel.
Min.
Marco Aurélio, de 9/8/2013).
Destaco, por relevante, que a Procuradoria-Geral Eleitoral em parecer subscrito pelo Procurador Regional da República e eleitoralista José Jairo Gomes, aprovado pela Vice-Procuradora-Geral Eleitoral Sandra Cureau, manifestou-se favorável à tese exposta pelo autor desta cautelar: De fato, no art. 183 da Lei 9.472/97, veicula-se crime de perigo abstrato, coletivo, cujo bem jurídico tutelado são os meios de comunicação, pois se sabe que o funcionamento dessas rádios pode causar interferência em vários sistemas afins, principalmente o aéreo, colocando em risco a navegação segura que se espera desse tipo de atividade.
Não se trata, pois, de crime contra a Administração Pública, senão que devem ser analisados sob o enfoque dos crimes contra a segurança dos meios de comunicação.
Efetivamente, o Estado é sujeito passivo constante ou formal diante de qualquer sorte de práticas criminosas, no entanto, conforme bem destacou o Tribunal de origem, resta claro que a objetividade jurídica tutelada pela norma transgredida não compreende a administração pública na extensão restritiva que lhe confere o ilustre eleitoralista Joel José Cândido, para quem os crimes praticados contra a administração pública ensejadores de inelegibilidade são apenas aqueles em que a administração pública, em seu sentido subjetivo, figura como primeiro sujeito passivo do delito (Título XI do Código Penal e Capítulo IV da Lei n.º 8.666/93), e não como sinônimo de atividade com a qual o Estado procura alcançar seus fins (sentido objetivo) (fl. 349).
Por fim, é de se lembrar que a interpretação a ser dada em matéria de inelegibilidade e de adequação típica penal é a restritiva.
Dessa forma, deve ser mantido o acórdão regional, com o deferimento do registro de candidatura do ora recorrido.
Ante o exposto, o Ministério Público Eleitoral, nesta instância, manifesta-se pelo não provimento do recurso especial (fls. 207-208 doc. 3 - grifei).
Colho, ainda, do voto do Min.
João Otávio Noronha, proferido no acórdão ora impugnado, os seguintes fundamentos: Quando a lei exigiu, como causa de inelegibilidade, crime praticado contra a Administração Pública, é evidente que o legislador restringiu, porque, senão, ele teria dito Crimes que afetam o Interesse Público ou da Administração Pública.
Mas não é isso o que está disposto na lei; não há aí, como causa de inelegibilidade, Crimes que contrariem o Interesse da Administração Pública.
O legislador disse, com todas as letras, crimes praticados contra a Administração Pública.
Com a devida vênia, em matéria de inelegibilidade, não é razoável que se aplique a analogia.
Essa matéria desafia, sem qualquer sobra de dúvida, uma interpretação estrita.
Não se pode utilizar critérios hermenêuticos como a analogia para restringir direitos.
No caso vertente, o legislador expressou-se de forma bastante clara: Crimes contra a Administração Pública e não aqueles que ferem os interesses da Administração Pública.
Esta redação daria uma amplitude deveras acentuada ao dispositivo (no mesmo sentido votaram os Ministros Admar Gonzaga e Laurita Vaz).
Por todas essas razões, verifico a presença do fumus boni iuris indispensável ao deferimento da medida liminar, ante a possível reversão do acórdão recorrido por meio de recurso extraordinário interposto.
De outro lado, salta aos olhos o periculum in mora uma vez que o requerente, Prefeito eleito em 2012, pode ser afastado do exercício do seu mandato a qualquer momento, ensejando indesejável alternância no comando do Município de Autazes/AM.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 644-MC/AP, assentou que a subtração do titular, ainda que parcial, do conteúdo do exercício de um mandato político é, por si mesma, um dano irreparável.
Na ocasião, o Relator, Min.
Sepúlveda Pertence, entendeu que os mandatos republicanos são essencialmente limitados no tempo e improrrogáveis: por isso, a indevida privação, embora temporária, do seu exercício é irremediável, por definição.
Isso posto, defiro o pedido liminar, para suspender os efeitos do acórdão recorrido, até o esgotamento da jurisdição e sem prejuízo de melhor exame da questão constitucional pela Relatora sorteada.
Mantenho, pois, em consequência, RAIMUNDO WANDERLAN PENALBER SAMPAIO no cargo de Prefeito do Município de Autazes/AM, a fim de resguardar a soberania popular sufragada no pleito de 2012.
Comunique-se, com urgência, ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas.
Publique-se.
Brasília, 27 de janeiro de 2014.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI Presidente em exercício
Partes
Recte.(s) : Elio Antonio Rauber
adv.(a/S) : Elenice Girondi Koff e Outro(a/S)
recdo.(a/S) : Santander Seguros S/A
adv.(a/S) : Gabriel Lopes Moreira e Outro(a/S)
adv.(a/S) : Michelle Sivla Schmidt
adv.(a/S) : Flávio Green Koff
Observação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-027 DIVULG 07/02/2014 PUBLIC 10/02/2014
Publicação
20/03/2014
legislação Feita por:(Lnb)