Acórdão nº 2005.01.00.019858-0 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quarta Turma, 30 de Mayo de 2005

Data30 Maio 2005
Número do processo2005.01.00.019858-0
ÓrgãoQuarta turma

Assunto: Falsificação de Documento Particular (art. 298) - Crimes Contra a Fé Pública - Direito Penal

Autuado em: 4/4/2005 16:46:59

Processo Originário: 20043200006610-0/am

HABEAS CORPUS Nº 2005.01.00.019858-0/AM

RELATOR: EXMO SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ

IMPETRANTE: ARNALDO MALHEIROS FILHO E OUTROS

IMPETRANTE: FLÁVIA RAHAL

IMPETRANTE: DANIELLA MEGGIOLARO

IMPETRADO: JUÍZO FEDERAL DA 2A VARA - AM

PACIENTE: CÉSAR ADES

ACÓRDÃO

Decide a Turma conceder a ordem, à unanimidade.

4ª Turma do TRF da 1ª Região - 30/05/2005.

HILTON QUEIROZ

DESEMBARGADOR FEDERAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ (RELATOR):

Cuida-se de Habeas Corpus que os advogados Arnaldo Malheiros Filho, Flávia Rahal e Daniella Meggiolaro impetram em favor de César Ades, contra o Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Amazonas, objetivando o trancamento da ação penal nº 2004.32.00.006610-0/AM, no que diz respeito ao paciente, alegando para tanto:

"A acusação que ora se discute originou-se de uma busca e apreensão realizada a pedido do Ministério Público Federal na empresa TCE - INDÚSTRIA ELETRÔNICA DA AMAZÔNIA LTDA. em virtude de 'suspeita de prática de crimes contra a ordem tributária' (fls. 3 do doc. n° 1). Com base nos documentos e objetos então apreendidos, a Receita Federal lavrou diversos autos de infração e imposição de multa não só contra a TCE, mas também contra sua parceira SDW.

Limitando-se a repetir trechos constantes dos autos de infração mencionados, afirma a extensa inicial acusatória que 'as empresas TCE e SDW, na condição de importadoras', teriam se utilizado de 'fraude perante as autoridades fiscais brasileiras' 'em transações comerciais realizadas nos anos de 1998 a 2002' (fls. 4 do doc. n° 1). Essa suposta fraude consistiria na 'falsificação' de documentos conhecidos como 'invoice (fatura comercial internacional)', sendo que 'o despacho aduaneiro era realizado segundo as informações contidas na via falsa da fatura comercial' (fls. 4/5 do doc. n° 1).

Conforme se verifica da inicial, o GRUPO GENERAL ELETRIC (GE) teria informado, por meio de respostas a ofícios expedidos pela Procuradoria da República no Amazonas e pelo Escritório da Receita Federal nos Estados Unidos, que as faturas questionadas, muito embora estivessem 'aparentemente corretas no total', continham 'erros administrativos' e, portanto, não eram 'as faturas originais' (fls. 6 do doc. n° 1).

Segundo ainda o Ministério Público Federal, 'a falsificação das invoices' variava (fls. 7 do doc. n° 1) de acordo com três objetivos criminosos distintos, quais sejam: i) 'superfaturamento' do valor das importações para realização de 'remessa ilegal de divisas para o exterior' (fls. 7 do doc. n° 1); ii) 'subfaturamento' do valor das importações das mercadorias realizado com o fim de 'pagar menos tributos' (fls. 7 do doc. n° 1); iii) 'desdobramento' da 'descrição de partes e peças de um determinado produto' importado já 'montado' para 'facilitar o desembaraço das mercadorias' ou usufruir dos 'benefícios fiscais resultantes do regime de admissão na Zona Franca de Manaus' (fls. 7/8 do doc. n° 1).

Estabelecidas todas as variações (e contradições, ora para mais, ora para menos) de falsificação e seus respectivos fins delituosos, passa a Acusação a divagar sobre uma suposta relação promíscua e ilegal existente entre a TCE e a SDW, alegando serem elas 'de fato, uma só empresa'.

Afirma o Parquet, por exemplo, sem dizer como isso poderia configurar qualquer fato típico, que ambas as empresas 'eram administradas pelas mesmas pessoas' (fls. 39 do doc.

n° 1), uma vez que 'são coincidentes os sobrenomes' de seus sócios (fls. 40 do doc. n° 1). Afirma também - mais uma vez sem indicar qual a relevância penal de tal constatação - que tais empresas 'possuíam uma só sede' (fls. 38 do doc. n° 1), sendo, portanto, 'uma só entidade econômica' (fls. 38 do doc. n° 1). Registre-se, no entanto, que essas 'coincidências' apontadas na denúncia sempre foram de conhecimento da Receita Federal e das demais autoridades públicas, nunca tendo sido questionadas por quem quer que fosse, até mesmo porque nada havia de irregular.

Voltemos, porém, à imputação. Com o fim de vincular os denunciados à prática dos delitos descritos na denúncia, alega o Ministério Público Federal, de maneira impressionantemente hipotética, que seria 'totalmente inverossímil que qualquer dos acusados não tivesse conhecimento das inúmeras fraudes acima descritas, já que eram' 'sócios' das empresas TCE/SDW' (fls. 40 do doc. n° 1), ficando evidente [por quê??] o dolo, bem como a unidade de desígnios dos acusados na prática das condutas' (fls. 40 do doc, n° 1) incriminadas!! Mas a capacidade de pressuposição ministerial - pasmem, Senhores Desembargadores! - não pára aí: Sem indicar nem como nem porque o paciente teria colaborado com cada um dos diversos eventos criminosos, afirma a Acusação que é 'clara a existência de uma verdadeira organização criminosa criada para lesar o Fisco Federal, sendo que a participação de todos os denunciados era de fundamental importância para a realização das atividades ilícitas' (fls. 41 do doc. n° 1), razão pela qual 'todos os acusados' devem ser .'responsabilizados por todos os crimes praticados pela quadrilha' (fls. 41 do doc. n° 1).

Todos os acusados? Mas por quê? De que forma o paciente teria praticado, em co-autoria com os demais co-réus, os crimes apontados na inicial? Por que sua 'participação era de fundamental importância para a realização' dessas supostas atividades ilícitas? Sem poderes de gerência, sem ir à sede, sem conhecimento dos negócios, o que realmente fez ele para 'ser responsabilizado por todos os crimes praticados pela quadrilha'? E que quadrilha é essa? Como, de que forma teria o paciente dela se associado? A denúncia simplesmente não diz! Para o Ministério Público Federal bastou ter encontrado o nome CÉSAR ADES no contrato social de uma das empresas autuadas pela Receita para daí concluir ter ele concorrido para todos os crimes e, o que é mais grave, ter-se associado em quadrilha para a prática de tais delitos.

Não há uma única imputação a algo que tenha feito ou deixado de fazer. O simples fato de ser sócio da SDW já torna 'totalmente inverossímil' seu desconhecimento a respeito das 'inúmeras fraudes' descritas na inicial. Como se isso fosse admissível...

E tem mais: Ao imputar responsabilidade ao paciente por supostos crimes que ocorreram entre os anos de 1998 e 2002, sequer se preocupou o órgão ministerial com o fato de que em dezembro de 2000 ele já havia se desligado da condição de sócio da SDW e transferido suas quotas a seu filho'. Na verdade, o Parquet nem mesmo atentou à circunstância de que CÉSAR ADES era apenas sócio capitalista dessa empresa, não tendo nela jamais exercido qualquer atividade gerencial.

Pior, alega ainda a inicial acusatória que 'pela série de correspondências eletrônicas trocadas entre os participantes do esquema de fraudes [quem?], nota-se que os funcionários das empresas primavam pelo perfeito e contínuo funcionamento do esquema.' (fls. 6 do doc. n° 1).

Ocorre, porém, que o paciente nunca enviou ou recebeu uma única correspondência para ou de qualquer um dos demais acusados. Na verdade, nem mesmo sabe que correspondências seriam essas! Como se nota da denúncia, a responsabilidade do paciente decorre de um ergo apriorístico, ou seja, a SDW 'manipulava o conteúdo das informações fornecidas ao Fisco para se beneficiar indevidamente', logo seus sócios são todos responsáveis, ainda que o paciente jamais tivesse tido qualquer participação na gestão dessa empresa. Esse logo, esse portanto, decorre de uma lógica própria de quem se vê a salvo de demonstrar o que alega, bastando-lhe imputar sem...

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