Acórdão nº 2004/0100086-0 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistra DENISE ARRUDA (1126)
EmissorT1 - PRIMEIRA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Ordinário Em Mandado de Segurança

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.703 - BA (2004/0100086-0)

RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDA
RECORRENTE : K. -C.I.E.C.S.
ADVOGADO : FERNANDO WEIBEL KAUFMANN E OUTRO
T. ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
IMPETRADO : GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA
RECORRIDO : ESTADO DA BAHIA
PROCURADOR : BARBARA CAMARDELLI MATOS E OUTROS

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ORDINÁRIO. DECRETO EXPROPRIATÓRIO. ART. 5º, ALÍNEA I, DO DECRETO-LEI 3.365/41. IMPLANTAÇÃO DE "UNIDADE" INDUSTRIAL. NULIDADE DO ATO VICIADO POR DESVIO DE FINALIDADE, POIS BENEFICIA UMA ÚNICA EMPRESA PRIVADA. AUTORIDADE COATORA INCOMPETENTE PARA A EXPEDIÇÃO DO ATO.

  1. Mandado de segurança impetrado contra ato do Governador do Estado da Bahia, consubstanciado na edição de decreto expropriatório que declarou de utilidade pública, para fins de implantação de unidade industrial, imóveis de propriedade da recorrente.

  2. A declaração expropriatória exterioriza, tão-somente, a intenção estatal de desapropriar determinado bem, não repercutindo, de modo imediato, no direito de propriedade do expropriado. Sob esse aspecto, é possível constatar que os pressupostos necessários à desapropriação, sejam eles de que ordem for, não precisam estar presentes no momento da edição do decreto expropriatório.

  3. O exame da oportunidade e da conveniência do ato ora impugnado não se sujeita a controle judicial. Entretanto, a hipótese legal de desapropriação elencada pelo administrador como fundamento do decreto expropriatório - art. 5º, i, do Decreto-Lei 3.365/41, no caso dos autos - deverá ser compatível com o fim a que ele se destina, sob pena de se viciar o ato praticado.

  4. Por distritos industriais deve-se entender "a área de concentração de indústrias e atividades complementares delas, ordenada pelo Poder Público mediante plano urbanístico especial de urbanificação do solo, com possibilidade de desapropriação da gleba e revenda ou locação dos lotes aos estabelecimentos industriais interessados" (SILVA, J.A. da. "Direito Urbanístico Brasileiro", 4ª ed., rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2006, pág. 377).

  5. O decreto expropriatório editado com fundamento no art. 5º, i, do Decreto-Lei 3.365/41, beneficiando uma única empresa privada, contém vício de finalidade que o torna nulo, na medida em que se desvia do interesse público, contrariando, ainda, os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, consagrados no art. 37 da Constituição Federal.

  6. Ademais, a construção ou ampliação de distritos industriais pressupõe "o loteamento das áreas necessárias à instalação de indústrias e atividades correlatas, bem como a revenda ou locação dos respectivos lotes a empresas previamente qualificadas", dependendo, ainda, "de aprovação, prévia e expressa, pelo Poder Público competente, do respectivo projeto de implantação", tal como definido nos §§ 1º e 2º do art. 5º do Decreto-Lei 3.365/41, atraindo, desse modo, a competência exclusiva dos Municípios, a teor do disposto no art. 30, VIII, da CF/88.

  7. O Governador do Estado da Bahia não detém competência, tanto para a expedição do decreto expropriatório atacado pela via do presente mandamus como para a efetiva desapropriação, visto ser do Município o interesse público capaz de ensejar a desapropriação para a construção ou ampliação de distritos industriais.

  8. A Primeira Turma desta Corte já se manifestou no sentido de que "é lícito ao Poder Judiciário declarar nulo decreto expropriatório onde se verifica desvio de poder" (REsp 36.611/SC, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 22.8.1994).

  9. Recurso provido para se conceder a segurança pleiteada, declarando-se a nulidade do Decreto 7.917/2001, expedido pelo Governador do Estado da Bahia.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, a Turma, por maioria, vencidos os Srs. Ministros José Delgado (voto-vista) e Francisco Falcão, deu provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Luiz Fux (RISTJ, art. 162, § 2º, segunda parte) e Teori Albino Zavascki (voto-vista) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, ocasionalmente, nesta assentada, os Srs. Ministros José Delgado e Francisco Falcão.

    Brasília (DF), 28 de novembro de 2006(Data do Julgamento).

    MINISTRA DENISE ARRUDA

    Relatora

    RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.703 - BA (2004/0100086-0)

    RELATORA : MINISTRA DENISE ARRUDA
    RECORRENTE : K. -C.I.E.C.S.
    ADVOGADO : FERNANDO WEIBEL KAUFMANN E OUTRO
    T. ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA
    IMPETRADO : GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA
    RECORRIDO : ESTADO DA BAHIA
    PROCURADOR : BARBARA CAMARDELLI MATOS E OUTROS

    RELATÓRIO

    A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):

    Trata-se, originariamente, de mandado de segurança impetrado contra ato do Senhor Governador do Estado da Bahia, consubstanciado na edição de decreto expropriatório que declarou de utilidade pública, para fins de implantação de unidade industrial, imóveis de propriedade da recorrente.

    Denegada a segurança na origem, ofereceu a impetrante o presente recurso ordinário, interposto com fundamento no art. 105, II, b, da Constituição Federal, combatendo acórdão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia cuja ementa é a seguinte:

    "MANDADO DE SEGURANÇA. DECRETO GOVERNAMENTAL. DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO. ATO FUNDAMENTADO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

    De concluir-se, pelos fundamentos jurídicos da impetração, que o Decreto hostilizado não fere direito líquido e certo da impetrante, posto que é inerente ao Estado o poder de desapropriar, desde que fundamente seu ato." (fl. 367)

    Em suas razões recursais (fls. 425-516), a recorrente, antes de adentrar o mérito recursal, levanta preliminares de nulidade do acórdão recorrido pelos seguintes motivos: (a) os argumentos deduzidos na petição inicial, relacionados à nulidade do decreto expropriatório, bem como os fatos e provas supervenientes, que comprovariam o ajuizamento da ação expropriatória e o deferimento de imissão provisória na posse, não receberam a devida apreciação; (b) não foi observado o princípio da fundamentação das decisões judiciais, implicando violação dos arts. 93, IX, da CF/88, e 165 e 458, II, do CPC; (c) a Corte de origem deixou de proceder à necessária regularização de grave situação constatada no caso dos autos, consistente no desaparecimento de petição em que se renovara o pedido de medida liminar; (d) não houve manifestação acerca do pedido de esclarecimentos sobre os procedimentos relativos ao direito dos advogados inserto no art. 7º, VIII, da Lei 8.906/94, de "dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada".

    No mérito, a recorrente aduz, em síntese, que: (a) o decreto expropriatório é nulo, em razão da ausência do pressuposto "utilidade pública", já que existe enorme diferença entre a hipótese de construção ou ampliação de distritos industriais, contida no art. 5º, i, do Decreto-Lei 3.365/41, e a de "implantação de unidade industrial", tendo uma única empresa privada como beneficiária; (b) a desapropriação para fins de implantação de distrito industrial pressupõe a existência de prévio plano de infra-estrutura urbanística, nos moldes do § 2º do art. 5º do Decreto-Lei 3.365/41; (c) o Município detém competência exclusiva para a ordenação do solo urbano, sendo impertinente, nesse aspecto, a edição de decreto expropriatório promovida pelo Governador do Estado da Bahia; (d) não houve autorização, nem sequer cientificação, da recorrente para a ilegal penetração do ente público em seu imóvel antes da publicação do decreto expropriatório; (e) verificou-se a completa inobservância dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório no âmbito do processo administrativo que culminou com a edição do decreto atacado pela via do presente mandado de segurança; (f) o aludido decreto expropriatório é nulo, também, por não ter sido realizado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), indispensáveis à implantação da unidade industrial; (g) é requisito da declaração expropriatória a perfeita identificação do bem sobre o qual recairá a desapropriação, sob pena de nulidade; (h) o decreto expropriatório engloba bens públicos, de uso comum do povo, que exigem autorização legislativa para serem desapropriados; (i) a Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) exige prévia dotação orçamentária necessária ao pagamento da indenização devida nos casos de desapropriação.

    Requer, em resumo, sejam acolhidos os pedidos insertos nas preliminares de nulidade do acórdão recorrido, para declarar a sua nulidade e, com fulcro no art. 515, § 3º, do CPC, conceder a segurança pleiteada, expurgando do mundo jurídico o decreto expropriatório objeto da presente demanda.

    Apresentadas as contra-razões e admitido o recurso, subiram os autos.

    O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento do recurso.

    É o relatório.

    RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 18.703 - BA (2004/0100086-0)

    VOTO

    A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora):

    Ressalta-se, inicialmente, que o presente mandado de segurança volta-se contra a edição de decreto expropriatório (Decreto 7.917/2001) que declarou de utilidade pública, para fins de implantação de unidade industrial, imóvel de propriedade da recorrente, estando o seu objeto, portanto, delimitado ao ato coator indicado no momento da impetração.

    Salienta-se, outrossim, que a recorrente não comprovou os prejuízos advindos do alegado desaparecimento da petição em que se renovara o pedido de medida liminar, bem como da demora na sua apreciação, mormente porque a segurança fora denegada ao final. Ademais, o exame acerca de eventuais vícios constatados na...

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