Acórdão nº 2004.38.00.041888-7 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Quarta Turma, 30 de Octubre de 2007

Data30 Outubro 2007
Número do processo2004.38.00.041888-7
ÓrgãoQuarta turma

Assunto: Desapropriação por Interesse Social para Reforma Agrária - Intervenção do Estado na Propriedade - Administrativo - Direito Administrativo e Outras Matérias do Direito Público

Autuado em: 24/9/2007 13:48:43

Processo Originário: 20043800041888-7/mg

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2004.38.00.041888-7/MG

RELATOR: EXMO. SR. JUIZ FEDERAL NEY BELLO (CONVOCADO)

APELANTE: V. M. PARTICIPAÇÕES LTDA.

ADVOGADO: ANÁLIA MARIA GUIMARÃES LIMA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA

PROCURADOR: VALDEZ ADRIANI FARIAS

ACÓRDÃO

Decide a Turma dar provimento à apelação, para, reformando-se a sentença, conceder a segurança, à unanimidade.

4ª Turma do T.R.F. da 1ª Região - 30/10/2007.

NEY BELLO

JUIZ FEDERAL

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL NEY BELLO (RELATOR CONVOCADO):

Trata-se de apelação interposta por V. M. Participações Ltda.

(fls. 324/333) contra sentença (fls. 303/322) proferida pelo Juiz Federal da 12ª Vara Federal de Minas Gerais, denegatória de segurança, requerida para impedir que a autoridade coatora promova qualquer ato tendente à desapropriação do imóvel denominado "Fazenda Casa Grande/Santa Luzia/Salgada/Cascata/ Urucuia", enquanto não decorrido o prazo de dois anos da efetiva desocupação do imóvel, por integrantes do MST, conforme dispõe o § 6º do art. 2º da Lei nº 8.629/93.

O fundamento basilar para denegação da ordem esteia-se na inexistência de invasão do imóvel no caso vertente, verbis:

"Do contexto presente nos autos, verifico não merecer acolhida a pretensão da impetrante, vez que há prova pré- constituída nos autos sobre o não cumprimento, pelo proprietário, da função social da propriedade, tendo a autarquia agrária concluído pela improdutividade da gleba em questão e tendo, inclusive, sido editado e publicado o decreto presidencial que declarou o imóvel em questão de interesse social para fins de reforma agrária.

Aliás, a própria impetrante afirma que a invasão só ocorreu após a publicação do referido decreto.

Inexiste, pois, INVASÃO no caso vertente e, sim, OCUPAÇÃO de terra improdutiva, permissa venia, como é de ver-se, razão pela qual há de ser rejeitada a pretensão da impetrante.

Com efeito, em razão do descumprimento de seu dever fundamental, o proprietário, como haveria de ser, perde as garantias possessórias, independentemente da indenização total prévia e justa, mais precisamente o princípio ativo da propriedade, que é relativo à posse, registrando-se que, em tais casos, o proprietário que descumpre o seu dever fundamental de dar à propriedade a sua função social decorrente da sua própria natureza não tem o direito ao desforço imediato do art. 502 do Código Civil, de então, nem do artigo 1.210, § 1º, do atual C.C.B., já que o § 2º do mencionado artigo, conformado para função social da propriedade, vislumbrada na hodiernidade (C.R. de 5.10.88), infere não ser o jus in re suficiente, a contrário sensu, para manutenção ou reintegração em alçada possessória." (fls. 305/306).

Inconformada, a impetrante defende, em suas razões, a concessão da segurança, sustentando:

"... a distinção proposta pelo ilustre magistrado, o que se faz apenas e exclusivamente por apreço ao debate, pode- se verificar que a fundamentação da decisão combatida confunde os termos ocupação e invasão, o que efetivamente não prevalece, eis que, ao tratar do tema "Ocupação", assim se manifesta nosso Código Civil:

Art. 1.263. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.

9. Forçoso observar que o texto legal faz expressa menção a coisa sem dono, vale dizer, coisa em relação à qual não se pode atribuir vínculo de propriedade. Não é o que se verifica no caso concreto, haja vista tratar-se de fazenda em regular processo de produção (apesar dos alegados baixos índices de produtividade) devidamente atestado pelo INCRA, conforme se depreende do laudo apensado aos autos.

10. Além disto, ambas as invasões ocorridas foram prontas imediatamente levadas ao conhecimento da autoridade policial donde acostados aos autos os competentes Boletins de Ocorrência. É de se indagar, com efeito: quem, senão o proprietário teria interesse em requisitar a presença da Força Pública para registrar o ilícito? Quem o teria feito, na eventualidade de se tratar da coisa sem dono mencionada na lei civil, que autoriza a ocupação? 11. Ademais, resta sobejamente comprovado nos autos que o imóvel tem dono, conforme testemunham os atos de posse praticados e devidamente documentados: a produção (que, repita-se, embora considerada baixa pelo laudo do INCRA, é produção não obstante); a defesa do imóvel em ação possessória (fls. 158) e os já mencionados Boletins de Ocorrência que registram as invasões ocorridas.

12. Mais ainda, a pretensão de provar a real produtividade, em sede de medida cautelar (processo 2005.38.00.003165-7) concorre ainda para demonstrar, de forma inequívoca, que não se trata - como jamais se tratou - de imóvel abandonado.

13. Fosse efetivamente abandonado (pela perda do princípio ativo da propriedade, conforme argumento contido no derradeiro parágrafo, às fls. 305), e considerando que os requisitos de validade de uma ação possessória são a prova da posse e da ocorrência do esbulho, não haveria fundamento para a ordem de reintegração de posse, concernente a esta mesma propriedade rural, ocorrida no bojo do processo 2004.38.00.043270-6 (que se originou na Vara de Conflitos Agrários, onde tinha o número 0024.04411.115-1) cuja liminar foi deferida pelo juízo a quo em 15/12/04, de cujo teor se transcreve parte, in verbis:

Trata-se de Ação de Reintegração de Posse ajuizada por VM PARTICIPAÇÕES LTDA., em face do MOVIMENTO DOS SEM TERRA - MST, tendo sido proferida decisão liminar reintegratória, às fls. 440/442, a qual foi devidamente cumprida por oficiais deste Juízo, conforme auto de reintegração de posse acostado à fl. 447.

Ocorre que, a despeito de todas as providências tomadas, a requerente informa, às fls. 464/465, que os requeridos INVADIRAM novamente o mesmo imóvel, em flagrante desrespeito à determinação judicial, ato comprovado pela cópia do Boletim de Ocorrência Juntada às fls. 466/467.

Em assim sendo, sobressai, da conduta adotada pelos requeridos, de forma aguçada, a prática de ilícitos penais, pois em nítida intenção de se furtar ao cumprimento de ordem judicial, fazendo-se, portanto, necessária a aplicação de medidas de FORÇA MAIOR, para manter a soberania das decisões judiciais, pois ainda prevalece em nosso país o ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Ex positis, hei por bem deferir o pedido formulado pela requerente, reafirmando os termos da decisão liminar de fls. 440/442, eis que ainda persistem os requisitos que a autorizaram, para que se expeça novo Mandado de Reintegração de Posse, destinado ao imóvel INVADIDO, a ser cumprido por Oficial deste Juízo, com apoio da Polícia Federal (art. 144, § 1°, IV, CF/88), que deverá proceder, além do DESARMAMENTO E IDENTIFICAÇÃO de todos quantos forem encontrados no local, à prisão de todos os infratores reincidentes, bem como de todos aqueles que tentarem, de qualquer forma, impedir o cumprimento da ordem.

14. Imperativo frisar que a Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993 estabelece, como um todo, as condições para a desapropriação de imóveis rurais improdutivos, sendo certo que menciona, no § 6° do art. 2° (com redação dada pela Medida Provisória 2.183, de 24 de agosto de 2001) a possibilidade de invasão, motivada por conflito agrário ou fundiário, da propriedade rural que possa vir a ser desapropriada em virtude do descumprimento da função social, vale dizer, da propriedade rural improdutiva.

15. Donde se deflui, por decorrência lógica, que o fato de ser um imóvel improdutivo não quer significar que esteja abandonado, como parece entender o meritíssimo juiz a quo. Mesmo porque, forçoso convir, seria inócua a provisão legal retro mencionada se admitido o argumento do douto magistrado, eis que todos os imóveis rurais submetidos à disposição da Lei 8.629/93 são, em tese, improdutivos, e assim seriam todos objeto de ocupação e não da invasão a que se refere o § 6° do art. 2º. Ora, em sendo nessas circunstâncias lícita a ocupação, aos olhos do ilustre julgador, qual a serventia da lei que impõe a sanção? 16. Com efeito, o mencionado § 6° do art. 2° da Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, com redação dada pela Medida Provisória 2.183, de 24 de agosto de 2001, assim estabelece:

Art. 2° A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9° é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados dispositivos constitucionais.

(...) § 6° O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; que deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações.

17. Cuida o trecho transcrito de desautorizar o andamento dos atos atinentes ao processo de desapropriação se constatada a ocorrência de invasão motivada por conflito agrário ou fundiário, situação à qual se subsume, à perfeição, o caso sub examine." (fls. 327/330).

Acrescenta que:

"A decisão vergastada contraria não apenas a lei de regência, como também (e especialmente) o que se encontra insculpido no § 2° do artigo 102 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 45, vez que - ao sabor da decisão da ADIn 2213 - restou definido que invasão de terra, como na espécie, é ato ilícito, portanto esbulho, in verbis:

O esbulho possessório - mesmo tratando-se de propriedades alegadamente improdutivas - constitui ato revestido de ilicitude jurídica. Revela-se contrária ao Direito, porque constitui atividade à margem da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a...

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