Acórdão nº 2007/0026866-6 de T3 - TERCEIRA TURMA

Número do processo2007/0026866-6
Data13 Maio 2008
ÓrgãoTerceira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 921.494 - MS (2007/0026866-6)

RELATOR : MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO SIDNEI BENETI
RECORRENTE : B.M.D.B.S.
ADVOGADOS : C.O.V.M.
ADÃOL.M.E.O. CARLOSE.G.V.M.
RECORRIDO : NILSONF.
ADVOGADO : CARLOS AUGUSTO NACER
INTERES. : B.B.D.B.S. - EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL
ADVOGADO : J.W.D.S.F. E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSOS ESPECIAIS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - CONCEITO DE LEI FEDERAL - DECRETO REGULAMENTAR - INVIABILIDADE - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO SOLICITADA POR AUTORIDADE FISCAL - OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS - INOCORRÊNCIA.

I - Atos administrativos sem natureza de lei, no caso decreto regulamentar, não se enquadram no conceito de Lei Federal, portanto, não ensejam Recurso Especial.

II - A prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras à autoridade fiscal, observadas as condições do § 5º do Art. 38 da Lei 4.595/64, não viola o dever de sigilo bancário.

Recursos Especiais providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti, conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Ari Pargendler e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator. Votou vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.

Lavrará acórdão o Sr. Ministro Sidnei Beneti (art. 52, IV, b do RISTJ).

Brasília, 13 de maio de 2008(Data do Julgamento)

Ministro SIDNEI BENETI

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 921.494 - MS (2007/0026866-6)

RELATÓRIO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Nilson Franzine ajuizou ação de indenização por perdas e danos contra B.B.S. e Banco Mercantil do Brasil.

Queixou-se de que os bancos-réus forneceram ao Fisco Federal extratos bancários de sua conta-corrente. Por efeito dessa inconfidência, ele foi autuado por "omissão de receita" e sofreu execução fiscal movida pela Fazenda Nacional.

A sentença declarou parcialmente procedente o pedido e condenou os bancos, "a pagar, solidariamente, ao requerente N.F., a título indenizatório correspondente aos danos morais que provocaram culposamente, o valor equivalente a 100% do valor atualizado da autuação (multa e demais encargos incidentes) procedida pelo fisco contra o mesmo, ficando, em conseqüência, declarado improcedente o pedido atinente aos danos materiais (...)" (fl. 346).

Vieram apelações de autor e réus.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul deu provimento aos apelos dos bancos para reduzir o valor da indenização referente aos danos morais. Também proveu o recurso do autor para condenar os réus à reparação do dano patrimonial decorrente de gastos com advogados. Eis a ementa do julgado:

"APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZATÓRIA - DANOS MORAIS - DEMONSTRAÇÃO DO OFENDIDO - DOR PSÍQUICA E MORAL - VALORAÇÃO - A CRITÉRIO DO JULGADOR - QUANTUM MÍNIMO CITADO COMO PARÂMETRO - SENTENÇA - ULTRA PETITA - NULIDADE - PRELIMINAR REJEITADA.

Retratando o autor que sofreu danos morais e que a reparação destes não pode ser inferior a um determinado valor tomado como parâmetro, a condenação e fixação do quantum são convencimento e livre arbítrio do julgador.

REPASSE DE INFORMAÇÃO RELATIVO A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DE CORRENTISTA AO FISCO - DESPROVIDA DE PERMISSIBILIDADE JUDICIAL - GARANTIA A INDIVIDUALIDADE - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - INC. X ART. 5º CF, LEI 4657/42 - ATO ILÍCITO.

O repasse de movimentação financeira de correntista, por entidades bancárias, desprovida de autorização judicial, constitui conduta ilícita, ainda que seja ao fisco, por se tratar de violação à intimidade e à vida privada, garantia constitucional, reparável pecuniariamente.

DANO MORAL - ESCOPO DE MINORAR A DOR PROPORCIONADA AO OFENDIDO E PENALIZAR O OFENSOR COIBINDO REINCIDÊNCIA E ESTES PARA RECOMPOR OS PREJUÍZOS IMPOSTOS AO OFENDIDO - FIXAÇÃO - PRUDENTE ARBÍTRIO DO JULGADOR - DANO PATRIMONIAL - RECOMPOSIÇÃO DO PREJUÍZO ECONÔMICO IMPINGIDO AO OFENDIDO - COMPROVADO - PROVIMENTO PARCIAL.

O dano moral decorre da dor e sofrimento d'alma, enquanto o patrimonial, pelos dispêndios que foram impingidos ao ofendido. Aquele não tem preço, ficando o quantum ao prudente arbítrio do julgador. Este é içado pelo conjunto de provas do prejuízo econômico. " (fl. 507).

Um dos embargos declaratórios opostos (do Banco Bamerindus) foi acolhido em parte, o outro foi rejeitado (do Banco mercantil). Houve, ainda, correção de erro material.

Foram manejados recursos especiais.

O primeiro recorrente, Banco Mercantil, reclamou de violação aos Arts. 7º, §§ 1º e 8º e 13 da Lei 8.021/90; 2º do DL 1.718/79; 21, 333, I, 535, I e II, e 460 do CPC; 959, 964, § 1º, 980, 1.011 e 1.034 do Decreto 1.041/94; 159 do Código Beviláqua; 197 do CTN; 13 da LC 105/2001; 2º, §§ 1º e 2º, da LICC; além da Portaria 493/68 e Comunicado DEFIS 373/83 do Bacen. Também apontou divergência jurisprudencial.

O segundo, Banco Bamerindus, alegou violação aos mesmos dispositivos de lei, com exceção aos Arts. 333, I, e 535 do CPC.

Em suma, afirmaram que:

- o Tribunal não sanou os vícios apontados nos embargos;

- as instituições financeiras são obrigadas a remeter extratos e movimentações das contas correntes ao Fisco;

- o envio de extratos de movimentações de conta corrente não caracteriza quebra de sigilo bancário;

- "o art. 197 da Lei 5.172/66 (CTN) e o art. 38 da Lei 4.595/64 não têm qualquer aplicabilidade quando se trata de remessa de extratos de contas bancárias por instituições financeiras ao Fisco da Receita Federal, dada a expressa ressalva contida no art. 8º da Lei 8.021/90 e art. 934 do Decreto nº 1041 de 11.01.94" (fl. 569);

- houve julgamento ultra petita, porque o pedido foi de indenização não inferior a 30% da autuação e a condenação por danos morais foi de 100% do valor da autuação;

- "não há quebra de sigilo bancário frente ao fisco" (fl. 580);

- não é necessário autorização judicial para remessa de extratos bancários ao Fisco, por isso, no caso, não houve ato ilícito ensejador de dano moral;

- as instituições financeiras são obrigadas a remeter extratos e movimentações de contas correntes à Receita Federal, independentemente de ordem judicial;

- o recorrido não decaiu de parte mínima, devendo suportar os ônus de sucumbência;

- "(...) quem interpôs fora de prazo o recurso principal não pode interpor o adesivo, porque contra ele já transitou em julgado a sentença ou o acórdão" (fl. 585); e

- o valor indenizatório é exorbitante.

Contra-razões às fls. 716/725.

O Tribunal local negou seguimento aos recursos especiais.

Foram interpostos agravos de instrumento, que converti em recursos especiais para julgamento colegiado.

Iniciado o julgamento, foi observada a necessidade de oitiva do Ministério Público Federal, que, em parecer da lavra do eminente Subprocurador Fernando H. O. de Macedo, opinou pelo não-conhecimento do recurso ou, caso conhecido, pelo provimento parcial.

RECURSO ESPECIAL Nº 921.494 - MS (2007/0026866-6)

PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - CONCEITO DE LEI FEDERAL - DECRETO REGULAMENTAR.

- Violação a decreto regulamentar não enseja recurso especial.

DANO MORAL E MATERIAL - QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - SOLICITAÇÃO DE AUTORIDADE FISCAL - NÃO-OCORRÊNCIA.

- Respeitadas as condições do § 5º do Art. 38 da Lei 4.595/64 (atual Art. 6º da LC 105/2001), a prestação de informações à autoridade fiscal não constitui violação ao dever de sigilo bancário.

VOTO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Não exergo violação ao Art. 535, II do CPC. Embora rejeitando os embargos de declaração, o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as questões pertinentes (cf. REsp 476.529/CASTRO FILHO, REsp 440.211/GONÇALVES, EDcl no AgRg no REsp 198.257/PÁDUA, EDcl no AgRg no Ag 186.231/DIREITO, dentre outros).

Não vinga argumento de que, se não houve prequestionamento de algum dispositivo, há, pelo menos, ofensa aos Arts. 535 do CPC. Mesmo para fins de prequestionamento, o acolhimento de embargos declaratórios pressupõe a existência de vício catalogado no Art. 535 do CPC (cf. EDcl nos EREsp 237.553/HUMBERTO). Confira-se, ainda:

"(...) 4. É certo que os embargos de declaração se prestam para viabilizar o pressuposto recursal específico do prequestionamento (súmula 98/STJ). Todavia, mesmo os embargos declaratórios manifestados com tal desiderato devem estar adstritos aos lindes do art. 535 do CPC. A questão nova suscitada pela parte, somente na ocasião dos embargos, não enseja o prequestionamento. (...)" (REsp 208.468/DEMÓCRITO).

Em razão da identidade dos recursos especiais, farei um exame conjunto.

A Portaria 493/68 e Comunicado DEFIS 373/83 do Bacen não são atos normativos enquadráveis no conceito de Lei Federal, pois são atos administrativos sem natureza de Lei. Nesse sentido: REsp 636.175/CASTRO FILHO, REsp 177.447/PEÇANHA, REsp 436.176/PASSARINHO, dentre muitos.

Os decretos regulamentares não se inserem no conceito de Lei Federal. Tais atos normativos secundários, derivam do poder regulamentar do Presidente da República (CF, Art. 84, IV). Por isso, apesar de abstratos, gerais e impessoais, não têm natureza ou força de Lei, pois se destinam à mera execução fiel da Lei regulamentada.

Decreto regulamentar não é Lei, porque não está compreendido no processo legislativo constitucional (CF, Art. 59), nem tem força legal. É ato normativo do Presidente da República, que busca validade de Lei e, por isso, não pode ser-lhe equiparado. Tal ato normativo não pode inovar na Ordem Jurídica, sob pena de sustação pelo Congresso Nacional (CF, Art. 49, V). Decreto (ou regulamento) é ato da lavra do Chefe do Executivo, que, apesar de estar limitado à mera regulamentação, não raro, acaba extravazando os limites legais. A validade de tal ato normativo vai até onde haja conformação com a Lei regulamentada. Fora dos limites da Lei, o decreto não tem qualquer legitimidade normativa.

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