Acórdão nº 2005/0129312-3 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Número do processo2005/0129312-3
Data15 Abril 2008
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 772.241 - MG (2005/0129312-3)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RECORRIDO : M.R.P.D. E OUTRO
ADVOGADO : JOSÉ DE MAGALHÃES BARROSO E OUTRO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. MANUTENÇÃO DE CONTRATOS DE FORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA. TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. LESÃO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. PENA DE RESSARCIMENTO. DANO EFETIVO. SANÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS COMPATÍVEIS COM A INFRAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NÃO CONFIGURADA.

  1. Ação Civil Pública ajuizada por Ministério Público Estadual em face de ex-dirigentes de instituição bancária estadual, por suposta prática de atos de improbidade administrativa, decorrentes da contratação de funcionários para trabalharem na mencionada instituição bancária estadual, sem a realização de concurso público, mediante a manutenção de vários contratos de fornecimento de mão-de-obra, via terceirização de serviços, com inobservância do art. 37, II, da Constituição Federal.

  2. A Lei nº 8.429/92, da Ação de Improbidade Administrativa, explicitou o cânone inserto no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, tendo por escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (artigo 9º); b) causem prejuízo ao erário público (artigo 10); e c) atentem contra os princípios da Administração Pública (artigo 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.

  3. Acórdão recorrido calcado na assertiva de que: "(...)Indispensável, portanto, para a viabilidade e êxito do processo, que se esteja perquirindo acerca de dano ou ameaça a interesses de âmbito coletivo.O que se discute, nos autos, é se a contratação de servidores, para trabalharem no BEMGE S/A, causou dano ao erário público ou se, de outra forma, acarretou enriquecimento indevido aos seus dirigentes.Com efeito, tal indagação foi bem enfrentada pelo d. Magistrado, no sentido de que a contratação irregular de servidores públicos, sem que se submetessem a concurso público, não configura violação a princípios norteadores da Administração Pública, de sorte a atrair qualquer penalidade atentatória à sua probidade e retidão. Na realidade, o enriquecimento ilícito dos apelados deixou de ocorrer, pelo simples e primordial fato de que os contratados prestaram os serviços regularmente e, em função disto, receberam em contrapartida a devida remuneração, não tendo havido, pois, qualquer prejuízo em desfavor da referida sociedade de economia mista. (...)"

  4. O ato de improbidade sub examine se amolda à conduta prevista no art. 11, da Lei 8429/92, revelando autêntica lesão aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, tendo em vista a contratação de funcionários, sem a realização de concurso público, mediante a manutenção de vários contratos de fornecimento de mão-de-obra, via terceirização de serviços, para trabalharem em instituição bancária estadual, com inobservância do art. 37, II, da Constituição Federal.

  5. In casu, restou incontroverso nos autos a ausência de dano ao patrimônio público, porquanto os ocupantes dos cargos públicos efetivamente prestaram os serviços pelos quais foram contratados, consoante assentado pelo Tribunal local, tampouco ensejou o enriquecimento ilícito aos seus dirigentes. Esses fatos impedem as sanções econômicas preconizadas preconizadas pelo inciso III, do art. 12, da Lei 8429/92, pena de ensejar enriquecimento injusto.

  6. A aplicação das sanções, nos termos do artigo 21, da Lei de Improbidade, independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, uma vez que há medidas repressivas que não guardam, necessariamente, conteúdo econômico; v.g., como a suspensão de direitos políticos, a declaração de inabilitação para contratar com a Administração, etc, o que autoriza a aplicação da norma sancionadora prevista nas hipóteses de lesão à moralidade administrativa, verbis:"Art.21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas."

  7. Subjaz, assim, a afronta à moralidade administrativa, o que recomenda o afastamento dos recorrentes no trato da coisa pública, objetivo que se aufere pela proibição de para contratar com a Administração Pública.

  8. Dessarte, considerada a inocorrência de dano ao erário e de enriquecimento ilícito, uma vez que os serviços foram realizados, a reversão ao estado anterior manifesta-se impossível (ad impossiblia nemo tenetur).

  9. Nada obstante, e apenas obiter dictum, o fato de a contratação de funcionários, sem a realização de concurso público, ter se dado mediante a manutenção de vários contratos de fornecimento de mão-de-obra (terceirização de serviços) e não de contratação originária, consoante afirmado no voto proferido na sessão realizada em 06.11.2007, não enseja a alteração do entendimento externado naquela assentada, máxime porque "Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, lembrados no acórdão, não podem servir de justificativa para eximir o agente público e isentá-lo das sanções previstas em lei. Mal aplicados, os princípios podem significar a impunidade e frustrar os fins da lei" (REsp nº 513.576/MG, Rel. p/ acórdão Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 06/03/2006).

  10. Inexiste ofensa ao art. 535, I e II, CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, cujo decisum revela-se devidamente fundamentado. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. Precedente desta Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005.

  11. Recurso especial parcialmente provido para, com fulcro no art. 12, III da Lei 8.429/92, impor aos recorridos a proibição de contratar com o Poder Público, pelo prazo de 03 (três) anos, tendo em vista que as sanções da Lei 8.429/92 não são cumulativas (REsp 658389/MG, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 03.08.2007).

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-desempate do Sr. Ministro Francisco Falcão, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki e J.D., dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Denise Arruda e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.

    Ausente, justificadamente, nesta assentada, o Sr. Ministro José Delgado.

    Brasília (DF), 15 de abril de 2008(Data do Julgamento)

    MINISTRO LUIZ FUX

    Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 772.241 - MG (2005/0129312-3)

    RELATÓRIO

    EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator): Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (fls. 259/269), com fulcro no art. 105, III, alínea "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado:

    "ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ADMINISTRAÇÃO INDIRETA - CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES - AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO - ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - AUSÊNCIA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DANO AO ERÁRIO OU VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - LEI Nº 8.429/92 - PENALIDADES - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO." (fl. 292)

    Versam os autos, originariamente, Ação Civil Pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS em face de M.R.P.D. e J.M.M., Presidente e Vice- Presidente do Banco do Estado de Minas Gerais S/A-BEMGE, por suposta prática de atos de improbidade administrativa, decorrentes da contratação de funcionários para trabalharem na mencionada instituição bancária estadual, sem a realização de concurso público, mediante a manutenção de vários contratos de fornecimento de mão-de-obra, via terceirização de serviços, com inobservância do art. 37, II, da Constituição Federal.

    O Juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Belo Horizonte-MG julgou improcedente o pedido, nos termos da sentença de fls. 230/237.

    Irresignado o Ministério Público do Estado de Minas Gerais interpôs recurso de apelação, asseverando que o entendimento esposado pelo Juízo Singular, no sentido de que inexistiu prejuízo suficiente de sorte a impor as penalidades previstas no art. 12, III, da Lei nº 8.429/92, não deve prevalecer, notadamente porque os apelados, ao procederem à contratação de servidores sem a realização de concurso público, efetivamente causaram prejuízo ao erário público.

    O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao recurso de apelação, nos termos do acórdão acima transcrito.

    Opostos dois embargos de declaração, restaram desprovidos, respectivamente, às fls. 317/319 e 338/339.

    O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, em sede de recurso especial, aduz, preliminarmente, violação ao disposto no art. 535, do CPC, ao fundamento de que o Tribunal local, a despeito da oposição de embargos de declaração, não examinou questões imprescindíveis ao deslinde da controvérsia posta nos autos, notadamente no que pertine à eventual ilegalidade do ato de contratação de servidor, sem o respectivo concurso público.

    No mérito, aduz violação ao disposto nos arts. , , 11, caput, incisos I e V; art. 12, III e art. 21, inciso I, da Lei 8429/92, a uma: porque o tribunal local, a despeito de ter reconhecido a conduta improba dos réus, ora recorridos, não aplicou-lhes as sanções previstas no art. 12, III da Lei 8.429/92; a duas: porque a simples asserção acerca da inexistência de enriquecimento ilícito por parte dos réus, ora recorridos, não afasta a tipicidade...

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