Acórdão nº 2006.30.00.001602-7 de Tribunal Regional Federal da 1a Região, Terceira Turma, 28 de Julio de 2009

Magistrado ResponsávelJuiz Tourinho Neto
Data da Resolução28 de Julio de 2009
EmissorTerceira Turma
Tipo de RecursoApelação Criminal

Assunto: Lenocínio e Tráfico de Pessoas (arts. 227 a 232) - Crimes Contra os Costumes - Penal

Autuado em: 25/4/2008 15:22:51

Processo Originário: 20063000001602-7/ac

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2006.30.00.001602-7/AC Processo na Origem: 200630000016027

RELATOR: JUIZ TOURINHO NETO

APELANTE: JUSTICA PUBLICA

PROCURADOR: FERNANDO JOSE PIAZENSKI

APELANTE: IVAN GUILLERMO RODRIGUES TRUJILLO (REU PRESO)

ADVOGADO: MOUSIMAR WANDERLEY DE SOUZA

APELADO: OS MESMOS

ACÓRDÃO

Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por unanimidade, negar provimento às apelações.

Brasília, 28 de julho de 2009.

Juiz TOURINHO NETO Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO (RELATOR):

  1. Trata-se de apelações criminais interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por IVAN GUILLERMO RODRIGUES TRUJILLO contra sentença proferida pelo Juiz Federal da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Acre/AC, Jair Araújo Facundes, que o condenou à pena de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 231 c/c o art. 62, I, e 71, caput, todos do CP, e à pena de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 239 da Lei nº. 8.069/90 c/c o art. 62, I, do CP.

  2. Narra a denúncia que (fls. 05/08):

    [...] Narram os autos que em um fim de semana do mês de agosto de 2005, JAMÁLIA MARTINS BARBOZA estava em um churrasco na residência de um médico, conhecido como Dr.

    Mauro, localizada no bairro Tropical, próxima ao Corpo de Bombeiros, na capital acreana, quando conheceu Narjara da Silva Souza, Isis Elizabeth de Souza Dourado e Geysa Celestino da Silva e disse a elas que poderiam ganhar muito dinheiro se trabalhassem em boates na capital boliviana.

    Nos dias que se seguiram, JAMÁLIA providenciou novos encontros com as garotas, propondo a elas que fossem trabalhar na boate que IVAN GUILLERMO RODRIGUEZ TRUJILLO, com quem vivia maritalmente, estava inaugurando em La Paz.

    Destaca-se o encontro realizado na casa de Geysa, em que estiveram presentes JAMÁLIA, IVAN e SELMA BARBOZA GARCIA (irmã de Jamália), e outras cinco garotas, entre elas Geysa, Narjara e Isis, tendo IVAN oferecido passagens aéreas, residência, comida e despesas com passaportes para que as garotas trabalhassem em sua boate. Lá, além de induzirem os clientes a consumirem no estabelecimento, poderiam fazer programas sexuais, nos quartos localizados na boate, permanecendo com os ganhos de tal atividade.

    Nessa reunião, aceitaram a proposta Geysa, Narjara e Isis, tendo JAMÁLIA afirmando que, mesmo sendo ISIS menor de idade, isso seria resolvido com a confecção de outros documentos. Diante disso, SELMA arranjou passaportes para as duas primeiras, uma vez que, para Isis, seriam falsificados documentos, já em território boliviano.

    Semanas depois, JAMÁLIA providenciou e acompanhou as vítimas Isis e Narjara em viagem de táxi até Cobija - Bolívia, onde encontraram EDSON SANTOS, vulga Matos, que conseguiu documentos falsos para a menor Isis; embarcando todos, posteriormente, em vôo para La Paz.

    Na capital boliviana, as vítimas conheceram a boate onde trabalhariam, de propriedade dos acusados IVAN e de seu sócio FRANKLIN MENDOZA DORIA MEDINA. A partir de então, começaram a trabalhar na boate, onde dançavam, induzindo os clientes a consumirem e faziam programas sexuais, utilizando os aposentos do local.

    Os acusados realizaram ainda, no mesmo período, contados com outras garotas, fazendo as mesmas propostas e conduzindo-as até a boate em La Paz da mesma forma, como relatam as outras vítimas Maria de Fátima Pinheiro de Arruda, Valbemísia Pereira de Oliveira e Gleide Nascimento de Lima.

    As vítimas relatam que em La Paz tiveram seus passaportes apreendidos por IVAN e FRANKLIN e eram obrigadas a pagar pela comida, médicos e a viagem realizada até a capital boliviana, não tendo a vida "fácil" prometida pelos acusados. E, também, que na casa em que residiam havia muitas garotas, de diferentes nacionalidades - paraguaias, peruanas, colombianas e cerca de vinte brasileiras, todas nas mesmas condições, trabalhando na boate dos acusados.

    Assim, agindo, JAMÁLIA MARTINS BARBOZA, SELMA BARBOZA GARCIA, IVAN GUILLERMO RODRIGUEZ TRUJILLO, FRANKLIN MENDOZA DORIA MEDINA e EDSON SANTOS incidiram, por 5 (cinco) vezes, nas condutas típicas dos art. 239, da Lei n.º 8.069/90 e art. 231, §1º do Código Penal, em concurso de pessoas (art. 29 do CP), sujeitando-se às suas penas.

    Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece a presente DENÚNCIA, pugnando pelo seu recebimento, seguindo- se a citação dos acusados para interrogatório e demais atos processuais sob pena de revelia, até o final julgamento e conseqüente condenação.

    Às fls. 185/186 dos autos, a autoridade policial representou pelas prisões preventivas dos bolivianos IVAN GUILLERMO RODRIGUEZ TRUJILLO, FRANKLIN MENDOZA DORIA MEDINA e do brasileiro EDSON SANTOS, vulgo MATOS, indiciados pela prática dos crimes citados.

    De acordo com o apurado pela autoridade policial IVAN, FRANKLIN e EDSON continuam a viajar pelo Brasil aliciando mulheres a se prostituírem na Bolívia, mesmo sabendo das investigações da Polícia Federal. Além disso, a inexistência de residência dos três em território nacional dificulta a persecução penal.

    Assim, uma vez que dos autos se extrai a materialidade do crime e indícios suficientes da autoria e, sendo necessária para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL manifesta-se pela decretação da prisão preventiva de IVAN GUILLERMO RODRIGUEZ TRUJILLO, FRANKLIN MENDOZA DORIA MEDINA e EDSON SANTOS, com fundamento no art. 312 do Código Processual Penal. [...].

  3. O MM. Juiz a quo entendeu que a materialidade e a autoria dos crimes de tráfico internacional de pessoas e de remessa de adolescente ao exterior de forma irregular restaram comprovadas pelos documentos acostados aos autos e pelos depoimentos de Maria Fátima Pinheiro de Arruda (fls.

    419/420); de Ísis Elisabete (fls. 422/423); de Selma Barboza (fl. 132); de Gleyde (fls. 429 e 432); de Valbemísia (fls. 431/432); de Jamália (fl.

    142); e de Narjara (fls. 426/428). Diante disso, concluiu pela condenação (fls. 479/490).

  4. Em apelação, o Ministério Público Federal alega que a pena- base e a agravante para os delitos previstos no art. 239 do ECA e no art.

    231 do CP devem ser fixadas muito acima do mínimo legal, porquanto a dosimetria aplicada não buscou uma punição exemplar, considerando-se o extenso rol de vítimas do esquema perpetrado e as conseqüências do delito.

    Afirma que para os delitos dessa natureza deve ser imposta uma sanção severa para poder reprimir com eficiência o crime de tráfico internacional de mulheres.

    Assevera, ainda, que a pena aplicada não levou em consideração que o acusado não é um criminoso de primeira viagem, pois tinha profundo conhecimento na traficância de pessoas, promovendo e organizando o deslocamento das garotas para o local específico da prostituição, inclusive com a contribuição de terceiros, como consta no relato da vítima Maria de Fátima Pinheiro de Arruda (fls. 419/420). Diante do exposto, requer o aumento da pena aplicada na sentença (fls. 513/518).

  5. Em contra-razões e em apelação, Ivan Guillermo Rodriguez Trujillo alega que não há provas da materialidade e a autoria, em nenhum dos crimes, vez que nos autos foram colhidos apenas os testemunhos de algumas pessoas, que detêm reputação frágil e tiveram participação no delito, de forma que seus depoimentos são duvidosos. Ademais, assevera que a conduta é atípica, pois não foi demonstrado em nenhum momento que o tráfico foi realizado com o fim de prostituição, ou que as depoentes foram obrigadas a deixar o País para se prostituírem.

    Afirma que não há provas de que cometeu o crime do art. 239 da Lei nº. 8.069/90, eis que a menor Ísis foi recebida por um boliviano e pelo brasileiro Matos. Alega que a aplicação da pena-base ficou excessiva, pois não foram considerados o fato de ser primário, ter bons antecedentes, conduta social ilibada, boa personalidade, bem como que as circunstâncias e conseqüências do crime não lhe são desfavoráveis. Aduz que não há prova da agravante do art. 62, I, do CP, e da continuidade delitiva. Requer o não provimento do recurso da apelação do Parquet e sua absolvição, ou a diminuição da pena (fls. 520/533 e 554/569).

  6. Em contra-razões, o Ministério Público Federal alega que a materialidade e a autoria do crime de tráfico internacional de pessoas estão comprovadas ao longo da instrução criminal, inclusive o objetivo de prostituição, conforme os laudos de qualificação e interrogatório de Selma Barboza Garcia (fl. 132) e de Jamália Martins Barboza (fl. 142); os termos de depoimento de Gleide Nascimento de Lima (fl. 429), de Valbemísia Pereira de Oliveira (fl. 431);de Narjara (fls. 426/427), de Ísis Elisabete (fl.

    422/423), e de Maria de Fátima Pinheiro da Arruda (fl. 419).

    Assevera que o requisito central do tráfico é a presença do engano, da coerção, da dívida e do propósito de exploração, sendo que as mulheres, embora tenham conhecimento de que irão exercer a prostituição, não têm consciência das condições em que serão coagidas a atuar ao chegar ao destino. Nisso está a fraude.

    Aduz que não há que se falar na fragilidade dos depoimentos, vez que os mesmos são firmes e coerentes, demonstrando que o réu não só promoveu ativamente a saída de mulheres do território nacional para fins de prostituição, como também dirigiu as atividades das sentenciadas Jamália e Selma.

    Alega que não merece reparo a condenação pelo crime do art. 239 do ECA, pois a prova testemunhal é firme nesse sentido. Afirma que a agravante prevista no artigo 62 foi aplicada corretamente, eis que restou provado nos autos que o recorrente dirigiu as condutas delituosas das sentenciadas Jamália e Selma, bem como orientou a sentenciada Jamália no cometimento do crime e que a continuidade delitiva se deu porque o apelante promoveu a saída de, no mínimo, 4 (quatro) mulheres...

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