Acórdão nº 2006/0148815-9 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro LUIZ FUX (1122)
EmissorT1 - PRIMEIRA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 867.016 - PR (2006/0148815-9)

RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : UNIÃO
RECORRENTE : INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA
PROCURADOR : V.A.F. E OUTRO(S)
RECORRIDO : H.F.C.
ADVOGADO : ADILSON AMARO ALVES

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. ART. 485, V, CPC. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. POSSIBILIDADE. ORIENTAÇÃO DA CORTE ESPECIAL (RESP 476.665/SP). AÇÃO RESCISÓRIA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DE TERCEIRO. ART. 287, II, DO CPC. AUSÊNCIA DE PUBLICAÇÃO DA REINCLUSÃO DO FEITO EM PAUTA DE JULGAMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 535. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA DE NATUREZA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DA VIA ELEITA. DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. DISCUSSÃO ACERCA DO DOMÍNIO. ART. 34 DO DL. 3.365/41. TERRAS DE FRONTEIRA. PARANÁ.

  1. O Recurso Especial interposto contra acórdão proferido em sede de ação rescisória pode veicular os mesmos dispositivos legais que ensejaram a propositura da ação rescisória, por violação literal a disposição de lei

  2. A Corte Especial, revendo anterior posicionamento jurisprudencial, decidiu que:"(...)Se o autor da rescisória afirma violado certo artigo de lei e vê sua pretensão julgada em seu desfavor, o recurso especial pode envolver o tema da contrariedade do mesmo dispositivo que na ação se alegou malferido" (Corte Especial - RESP 476.665-SP, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 20.06.2005). Precedentes jurisprudenciais do STJ: AgRg no Ag 580593/SP, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 21.02.2006 e RESP 746301/DF, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 23.05.2006.

  3. A legitimidade ativa para a propositura da ação rescisória, em princípio, é conferida às partes do processo no qual proferida a sentença rescindenda, posto que nada mais lógico do que os destinatários do comando judicial viciado pretenderem desconstituí-lo.

  4. Como de sabença, o terceiro prejudicado, que de há muito é prestigiado pelos ordenamentos mais vetustos e que lhe permitem intervir em qualquer grau de jurisdição, também está habilitado à rescisão da sentença. Para esse fim, o seu legítimo interesse revela-se pela titularidade de relação jurídica conexa com aquela sobre a qual dispôs sentença rescindenda, bem como pela existência de prejuízo jurídico sofrido.

  5. A doutrina especializada, ao discorrer acerca da definição de "terceiro juridicamente interessado", deixa assente que o interesse deste, ensejador da legitimação para propositura da rescisória, não pode ser meramente de fato, vez que, por opção legislativa os interesses meramente econômicos ou morais de terceiros não são resguardados pela norma inserta no art. 487 do CPC. É o que se infere, por exemplo, da lição de Alexandre Freitas Câmara, in verbis:

    "(...) No que concerne aos terceiros juridicamente interessados, há que se recordar que os terceiros não são alcançados pela autoridade de coisa julgada, que restringe seus limites subjetivos àqueles que foram partes do processo onde se proferiu a decisão.

    Pode haver, porém, terceiro com interesse jurídico (não com interesse meramente de fato), na rescisão da sentença. Como regra, o terceiro juridicamente interessado será aquele que pode intervir no processo original como assistente. Considera-se, também, terceiro legitimado a propor a 'ação rescisória' aquele que esteve ausente do processo principal, embora dele devesse ter participado na condição de litisconsorte necessário." (in "Lições de Direito Processual Civil", vol. II. 10.ª ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2005, pp.24/25 - grifo nosso)

  6. In casu, a União é parte legítima para a propositura da ação rescisória que se apresenta juntamente com o INCRA, vez que o objeto do acórdão rescindendo é a desapropriação de terras localizadas em faixa de fronteira, pertencentes à própria União e que foram alienadas a título non dominio pelo Estado do Paraná.

  7. A alienação pelo Estado da Federação de terras de fronteira pertencentes à União é considerada transferência a non dominio, por isso que nula.

  8. É máxima jurídica sedimentada que "ninguém pode transferir o que não tem", tampouco a entidade pública pode desapropriar bem próprio (nemo plus iuris transfere ad alium potest quam ipse habet).

  9. Deveras, a doutrina de Carnelutti na sua Teoria Geral do Direito, acerca do ato jurídico inexistente aduz que:

    "Oposto a eficácia do ato e, em geral, do fato, que procede, não da sua perfeição mas da sua imperfeição, é a sua ineficácia. Ineficácia do ato material e inexistência do ato jurídico são designações equivalentes.

    É a segunda a preferida na prática, em matéria de ato ilícito e, em geral, de atos não imperativos, em vista de estes atos serem praticados com um fim prático, independente da sua eficácia jurídica. Quando faltam os requisitos dessa eficácia, diz-se então, simplesmente, que não existe ato jurídico, ou que o ato material não constitui ainda um ato jurídico. Tal é, particularmente a fórmula adotada pelo Código de Processo Penal, onde se declara, para o caso de existir o ato material mas ser desprovido dos requisitos jurídicos, que o fato não constitui infração (a chamada Declaração de inexistência da infração: art. 479 do CPP).

    Quanto aos atos imperativos, quando existe o ato material mas falta algum dos seus requisitos jurídicos, é uso chamar à ineficácia nulidade, designação diversa que tem como razão o fato de em tais atos a consecução do seu fim prático depender da sua eficácia jurídica, o que faz com que a ineficácia os torne inúteis, isto é, os anule por completo. O aforismo nullum est quod nullum producit effectum teria, pois, mais sabor se o invertêssemos; a nulidade é que é a expressão da inutilidade, e não vice-versa. Por outro lado, a inexistência deveria aqui significar, não propriamente a inexistência dos elementos jurídicos, mas dos elementos materiais do ato. Em breve veremos, porém, que há necessidade de alterar o conceito de inexistência. (Ed. Lejus, 2000, p. 484 e 161).

  10. O novel Código Civil, ao versar a política das nulidades, erigiu regras que revelam que a nulidade absoluta e a inexistência jurídica são denominações que revelam a mesma essência conceitual. Assim é que dispõem os arts. 166, 168 e 169, verbis:

    Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

    II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

    Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

    Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

    Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

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  11. A doutrina do novo ordenamento é assente no sentido de que que: "A impossibilidade do objeto refere-se, essencialmente, ao aspecto físico ou jurídico. Por impossibilidade física do objeto compreende-se tudo o que o homem não pode realizar por suas próprias forças, impedindo pelas leis naturais. O aspecto jurídico diz respeito ao objeto incompatível com o ordenamento jurídico, seja por determinação da lei ou de disposição negocial. Indeterminável é o objeto que não pode ser determinado, faltando no conteúdo da declaração os requisitos para tornar possível a prestação" (Gustavo Tepedino et. al. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. I. Renovar, p.310). No mesmo sentido, a doutrina atual do tema em contradição: A.J. deA., Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 2002; Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio Jurídico e Declaração Negocial, São Paulo, 1986; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. I, 20. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004; C.A. daM.P., Teoria Geral do Direito Civil, 3. ed., Coimbra Editora, 1999; Clovis Bevilaqua, Código Civil Comentado, 10. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1953; Francesco Ferrara, A simulação dos Negócios Jurídicos, São Paulo, Saraiva, 1939; Francisco Amaral, Direito Civil, ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003; J.M. Carvalho Santos, Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. III, 9. ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1963; João Alberto Schützer Del Nero, Conversão Substancial do Negócio Jurídico, Rio de Janeiro, Renovar, 2001; José Beleza dos Santos, A Simulação em Direito Civil, Coimbra, 1955; Leonardo de Andrade Mattietto, Invalidade dos Atos e Negócios Jurídicos, in Gustavo Tepedino (coord.), A Parte Geral do Novo Código Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 2002; Luís Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 4. ed., Coimbra, Almedina, 1995; Marcos Bernades de Mello, Teoria do Fato Jurídico: Plano de Validade, 4.ed., Rio de Janeiro, Saraiva, 2004; Pablo Stolze Gagliano e R.P.F., Novo Curso de Direito Civil, vol. I, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 2003; Pietro Perlingieri, Perfis do Direito Civil, Rio de Janeiro, Renovar, 1999; Régis Velasco Fichtner Pereira, A Fraude à Lei, Rio de Janeiro, Renovar, 1994; Renan Lotufo, Código Civil Comentado, vol. I, São Paulo, Saraiva, 2003; Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, vol. 1, São Paulo, Altas, 2001; Sílvio Rodrigues, Direito Civil, 34. ed., São Paulo, Saraiva, 2003.

  12. A adequação da realidade normativa à realidade prática denota que a ação de desapropriação por interesse social restou como a única demanda possível, posto ensejar imissão imediata na posse pela União, atingindo o escopo judicial da paz social, in casu, a crise fundiária legal entre os assentados e os ilegalmente titulados.

  13. Deveras, a expropriação é ação real e por isso o domínio é o seu tema central. A suposta propriedade do Paraná sobre os imóveis ilegalmente alienados impõe a formação de litisconsórcio necessário (art. 47, § único, c.c o art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.871/99), verbis:

    CPC - Art. 47 - Há litisconsórcio necessário, quando, por...

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