Acórdão nº 2008/0069094-0 de S1 - PRIMEIRA SEÇÃO

Data24 Junho 2009
Número do processo2008/0069094-0
ÓrgãoPrimeira Seção (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.044.320 - PE (2008/0069094-0)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES : C.X.S.F.
ERICKSONL.F. E OUTRO(S)
RECORRIDO : J.D.A.D.S.D.
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

EMENTA

PROCESSO CIVIL - ADMINISTRATIVO - TAXA DE OCUPAÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA - DIREITO PATRIMONIAL - PRAZO PRESCRICIONAL - ART. 177, CC/16 - LEIS 9.636/98, 9.821/99, MP 152 E 10.852/04 - DECRETO-LEI 20.910/32 - ANALOGIA - EXISTÊNCIA DE NORMAS DE DIREITO PÚBLICO - PRINCÍPIO DA SIMETRIA - APLICAÇÃO.

  1. Os terrenos de marinha são bens públicos que diferem da propriedade comum por se destinarem historicamente à defesa territorial e atualmente à proteção do meio ambiente costeiro, cuja ocupação mediante o pagamento de taxas e laudêmio decorre de uma relação de Direito administrativo entre a União e o particular.

  2. Fixada a natureza do regime jurídico da taxa de ocupação, aplicam-se-lhe os prazos decadencial e prescricional previstos nas normas de Direito Público, já que no processo integrativo o intérprete deve buscar, prioritariamente, no próprio Sistema de Direito Público as normas aplicáveis por analogia.

  3. Existência de norma jurídica de Direito Público idônea a suprir a lacuna normativa: art. 1º do Decreto-lei n. 20.910/32 para o prazo de cobrança executiva. Princípio da simetria. Inaplicabilidade do art. 177 do CC/16, nos termos do art. 2038, § 2º, do CC/02.

  4. Aplicação do prazo qüinqüenal de prescrição até o advento da Lei n. 9.363/98.

  5. Recurso especial não provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça "Prosseguindo no julgamento, a Seção, por maioria, vencido o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, negou provimento ao recurso especial, nos termos da Sra. Ministra Relatora."Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Denise Arruda (voto-vista), Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Ressalvou seu ponto de vista o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

    Brasília-DF, 24 de junho de 2009(Data do Julgamento)

    MINISTRA ELIANA CALMON

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.044.320 - PE (2008/0069094-0)

    RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
    PROCURADOR : E.L.F. E OUTRO(S)
    RECORRIDO : J.D.A.D.S.D.
    ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

    RELATÓRIO

    EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - Trata-se de recurso especial, interposto pela Fazenda Nacional, com espeque no art. 105, III, "a", da Constituição da República, com o objetivo de reformar, integralmente, acórdão proveniente do TRF da 5ª Região, o qual reconheceu a ocorrência da decadência do direito de constituir os créditos, cujos fatos geradores ocorreram antes de 1997.

    Entende a parte recorrente que o modo de julgar da Corte Regional Federal vulnera o comando inserto no art. 177 do Código Civil de 1916, bem como o art. 47 da Lei n. 9.636/98, pois os créditos cobrados têm natureza de receita patrimonial e, portanto, sujeitam-se ao prazo de prescrição vintenário, além de ser inválida a retroatividade da Lei n. 9.636/98.

    Ausentes as contra-razões, subiram os autos por força do juízo positivo de admissibilidade.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 1.044.320 - PE (2008/0069094-0)

    RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON
    RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
    PROCURADOR : E.L.F. E OUTRO(S)
    RECORRIDO : J.D.A.D.S.D.
    ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

    VOTO

    EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON(RELATORA): - Cuida-se de recurso especial em que se alega violação ao art. 177 do Código Civil de 1916.

    Argumenta a Fazenda Nacional que a taxa de ocupação tem natureza patrimonial, aplicando-se as disposições do Código Civil quanto aos prazos de decadência e de prescrição, no período anterior à vigência da Lei n. 9.636/98. Após 18 de maio de 1998, data de vigência da lei nova, aplicam as suas disposições específicas, posteriormente alteradas pela Lei n. 10.852, de 29 de março de 2004, resultante da conversão da Medida Provisória n. 152, de 24 de dezembro de 2003.

    Portanto, a matéria discutida nos autos envolve a identificação do regime jurídico a que se submete esses créditos, bem como o prazo que lhes deve ser aplicado para cobrança, em face da existência de lacuna normativa.

    Para Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 533/534), a ocupação de bens públicos pode-se dar por autorização de uso e permissão de uso ou pela celebração de contratos de concessão de uso e concessão de uso como direito real solúvel, além da adoção das formas de direito civil, comodato, locação e enfiteuse, sempre com aplicação do regime de direito público, que derroga normas privatísticas, que igualam os partícipes da relação jurídica, para estabelecer certos direitos e prerrogativas em prol do Estado, representante da comunidade com um todo.

    Diante dessa peculiaridade é de se perquirir se a cobrança das taxas de ocupação, receitas patrimoniais devidas pela utilização especial de um bem público, devem respeitar os prazos gerais estabelecidos pelo Código Civil, que regula, sabidamente, as relações privadas, nas quais as partes estão em condição de igualdade; ou sujeitam-se às normas de sua seara própria, o regime público, com suas peculiaridades, advindas da especial condição de figurar em um dos pólos da relação jurídica um Ente Público, que goza de prerrogativas que derrogam o direito comum.

    Em suma, não é simplesmente o fato de serem receitas patrimoniais, ingressos originários, que atraem as normas do Código Civil para constituição e cobrança de tais créditos, mas sim a relação jurídica que elas veiculam, se pública ou se privada é que deve nortear o intérprete na integração legislativa.

    Para a validade da integração normativa, deve inicialmente existir uma lacuna. É ponto incontroverso que antes do advento das Leis ns. 9.636/98 e 9.821/99 inexistiam normas específicas regulando a cobrança e constituição dos créditos decorrentes da utilização de bens públicos. Cabível, portanto, o processo integrativo quanto ao prazo de cobrança destas receitas.

    Na proposta de voto, manifestei-me pela possibilidade de existência de lacuna normativa quanto ao prazo para a constituição da taxa de ocupação, inclinando-me por adotar o art. 173 do CTN, enunciado normativo veiculador do prazo de constituição dos créditos tributários, pretensão correlata em vista da relação de direito público que as envolvem.

    Entretanto, o Ministro Castro Meira em seu proficiente voto fez-me concluir pela desnecessidade de fixação de prazo para a constituição da taxa de ocupação, uma vez que o prazo assinalado para cobrança envolveria igualmente o prazo para sua constituição (lançamento).

    São esses os termos do voto-vista quanto à matéria:

    (...) A Ministra Eliana Calmon, em face da ausência de regra que fixasse prazo para a constituição de crédito até a edição da Lei 9.821/99, aplicou por analogia o disposto no art. 173, I, do CTN, que fixa prazo decadencial de cinco anos para a realização do lançamento tributário.

    Com a devida vênia, entendo não ser necessária a fixação de prazo para a constituição de crédito decorrente de receita patrimonial do Estado, diferentemente do que ocorre com o prazo para a cobrança, que é sempre necessário para se evitar imprescritibilidade da dívida.

    Se a lei fixa um prazo de cinco para cobrar uma dívida, deverá o Estado ultimar, nesse lapso de tempo, todos os atos preparatórios e antecedentes à cobrança, dentre os quais a constituição regular do crédito e a notificação do administrado.

    Nada impede, entretanto, que a lei fixe um prazo para a administração constituir o crédito, que não se confunde com o prazo para sua cobrança, à semelhança do que ocorre com o crédito tributário, que necessita ser constituído (= lançado) antes de ser cobrado administrativa ou judicialmente.

    Foi o que ocorreu no caso das receitas patrimoniais da União que, até a edição da Lei 9.821/99, não se sujeitavam à prazo decadencial, mas somente a prazo prescricional, primeiro ditado pela regra do art. 1º do Decreto 20.910/32 e, depois, pelo art. 47 da Lei 9.636/98.

    Assim, antes da Lei 9.821/99, não há que se buscar regra de integração para o prazo decadencial seja no CTN ou em qualquer outro diploma legal, em face da absoluta ausência de necessidade.

    Portanto, o acertamento da dívida é passo lógico para a sua cobrança, sendo prescindível a fixação de prazo para sua constituição quando há prazo fixado para sua cobrança (o qual sempre deve existir, como ressaltado pelo Ministro Castro Meira), pois todo o procedimento que lhe é anterior deve estar ultimado no quinquênio legal.

    Nesse sentido é o seguinte precedente:

    ADMINISTRATIVO. TAXA DE USO DE IMÓVEL DA UNIÃO. DECADÊNCIA.

  6. Antes da vigência do art. 47 da Lei 9.636/98, com a redação conferida pela Lei 9.821 em 23.08.99, que instituiu o prazo decadencial, tanto a constituição como a cobrança do crédito referente à taxa de ocupação de imóveis de domínio da União devem se sujeitar ao prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32.

  7. Ausente previsão legal expressa sobre a matéria, deve-se buscar a analogia com normas de Direito Público, e não com o Direito Civil.

  8. Recurso especial não provido.

    (REsp 961064/CE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 20.09.2007, DJ 04.10.2007 p. 225).

    No mais, estamos de acordo quanto ao prazo de prescrição a ser aplicado antes da vigência da Lei 9.636/98, pois constatada a lacuna, o intérprete deve colher do sistema normativo a norma aplicável ao caso concreto, tendo em vista o dogma da completude do sistema normativo, utilizando-se dos recursos integrativos que o próprio sistema confere, dentre os quais destaca-se a analogia (cf. art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil), que vem a ser a aplicação a um caso semelhante de norma prevista no sistema (analogia legis).

    Tenho aplicado em casos tais o princípio da simetria, como se vê no voto...

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