Acórdão nº 2004/0099857-2 de T6 - SEXTA TURMA

Magistrado ResponsávelMinistro NILSON NAVES (361)
EmissorT6 - SEXTA TURMA
Tipo de RecursoRecurso Especial

RECURSO ESPECIAL Nº 674.176 - PE (2004/0099857-2)

RELATOR : MINISTRO NILSON NAVES
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
RECORRENTE : M.I.D.A.B.
ADVOGADO : MAURÍCIO BARRETO PEDROSA FILHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : M.O.M.C.
ADVOGADO : NILTON WANDERLEY DE SIQUEIRA E OUTRO

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE VIÚVA E CONCUBINA. SIMULTANEIDADE DE RELAÇÃO MARITAL. UNIÃO ESTÁVEL NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE.

  1. Em razão do próprio regramento constitucional e infraconstitucional, a exigência para o reconhecimento da união estável é que ambos, o segurado e a companheira, sejam solteiros, separados de fato ou judicialmente, ou viúvos, que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto, excluindo-se, assim, para fins de reconhecimento de união estável, as situações de concomitância, é dizer, de simultaneidade de relação marital.

  2. É firme o constructo jurisprudencial na afirmação de que se reconhece à companheira de homem casado, mas separado de fato ou de direito, divorciado ou viúvo, o direito na participação nos benefícios previdenciários e patrimoniais decorrentes de seu falecimento, concorrendo com a esposa, ou até mesmo excluindo-a da participação, hipótese que não ocorre na espécie, de sorte que a distinção entre concubinato e união estável hoje não oferece mais dúvida.

  3. Recurso especial conhecido e provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto do Sr. Ministro Paulo Gallotti dando provimento ao recurso, por maioria, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Hamilton Carvalhido, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Relator e C.F.M. Votaram com o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Og Fernandes e Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP). Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

    Brasília, 17 de março de 2009 (data do julgamento).

    MINISTRO Hamilton Carvalhido, Relator

    RECURSO ESPECIAL Nº 674.176 - PE (2004/0099857-2)

    RELATÓRIO

    O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Foi o feito, no Tribunal Regional, relatado desta forma:

    Maria Olga Moreira Cintra, devidamente qualificada, ajuizou demanda contra o INSS, em busca do recebimento de cinqüenta por cento do valor da pensão por morte deixada pelo segurado Sylvio de Barros à esposa, Maria Isa de Almeida Barros, que também integra a lide, na condição de litisconsorte passiva necessária.

    Alega ter sido companheira do segurado por quase trinta anos, condição que lhe confere o direito ao recebimento do benefício, em rateio com os demais dependentes, nos termos da legislação previdenciária.

    Narra que o relacionamento amoroso teve início em 1967, quando se conheceram na cidade de São Paulo, persistindo até 1995, época em que se deu o falecimento. Salienta que durante todo o período o segurado, embora casado com M.I. deA.B., com quem teve duas filhas, buscou preservar a relação com a autora, providenciando, inclusive, sua vinda para o Recife, quando ele e sua esposa mudaram-se para esta cidade, em 1969.

    Acresce que já nesta capital, o segurado garantiu-lhe emprego e moradia. Alega que sempre esteve sob a dependência econômica do consorte, mesmo após a admissão nos quadros da FUSAM. Enfim, entendendo evidenciada a sua condição de companheira do aludido segurado, por quase trinta anos, pugna pelo reconhecimento de sua condição de beneficiária da Previdência Social, na qualidade de dependente, para fins de percepção de metade da pensão que vem sendo paga à viúva.

    A Exma Juíza Federal a quo julgou improcedente o pedido. Ressalta que não há como reconhecer a alegada união estável, vez que o segurado era casado e vivia como tal, possuindo um lar e família. Aduz que, se o segurado estivesse separado de fato de sua legítima esposa, poderia restar configurada a convivência. Mas, na hipótese, a relação era adulterina. Em síntese, entendeu a eminente Magistrada que a autora não ostenta a condição de dependente, o que obsta o recebimento do benefício.

    A demandante apela, reiterando a argumentação expendida na exordial. Procura demonstrar a união estável com o segurado e o direito ao benefício, trazendo excertos doutrinários, julgados do STJ e desta Corte, e fazendo menção aos dispositivos da legislação previdenciária.

    Foi a apelação provida, trazendo o acórdão esta ementa:

    "Previdenciário. Pensão por morte. Rateio entre viúva e companheira. Procedência.

    - A pensão por morte deve ser rateada entre a viúva e a concubina de segurado, uma vez demonstrada a dependência econômica da companheira.

    - Apelação provida."

    Rejeitados embargos de declaração, sobreveio recurso especial - da litisconsorte passiva, Maria Isa - pelas alíneas a e c: quanto à alínea a, alega-se, em conclusão, que o acórdão regional "violou o texto expresso do art. 1º da Lei nº 9278/96, ao entender ser possível a união estável entre um homem e duas mulheres, como também em uma destas sem o objetivo de constituição de uma família, com repercussão de violação aos arts. 16, inciso I, § 4º e 55, § 3º, ambos da Lei nº 8213/91, em relação ao rateio da aposentadoria deixada"; quanto à alínea c, aponta-se dissídio com julgados de alguns tribunais.

    Foi o especial admitido, embora a decisão de origem não esteja suficientemente fundamentada. Há recurso extraordinário, igualmente admitido.

    É o relatório.

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    VOTO

    O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Disse o relator, com todas as letras, que se cuidava de relação adulterina. Traduziu à letra o caso destes autos, vejamo-lo nesta inicial passagem do voto:

    As provas documentais e testemunhais demonstram que, de fato, a demandante manteve com o segurado relação amorosa durante vinte e oito anos, embora já estivesse casado com M.I. deA.B. e assim tenha permanecido até o falecimento. Esclarecem, ademais, que a relação, embora desconhecida da esposa, filhas e parentes próximos do segurado, era notória na localidade em que residia a demandante.

    S. Exa. se valeu, na conclusão, e foi seguido pela Turma, da lição de Moura Bittencourt, e aqui está a conclusão do voto:

    "Creio ser este posicionamento o mais acertado, vez que não seria justo preterir do gozo do benefício da companheira que manteve relacionamento estável durante quase trinta anos com o segurado. A união extraconjugal, no caso, merece a proteção outorgada pela Constituição Federal de 1988. Como bem salientou Edgar de Moura Bittencourt, especialista no tema, as uniões adulterinas devem ser contempladas pelo direito à vista das circunstâncias que as envolvem, como a boa-fé da concubina, a sua fraqueza e o grau de sedução a que foi submetida. Na hipótese, vislumbro, ao menos, a boa-fé da autora, que acompanhou o segurado durante longo período, sob sua dependência."

    Sendo indiscutíveis os fatos da causa, a pergunta que se impõe é se bastava a boa-fé para que assegurado fosse à autora o direito por ela postulado - há, ainda, referência a outras circunstâncias, como a fraqueza e o grau de sedução. Mas foi mesmo, vimos, um longo período de convivência - vinte e oito anos, para uns, ou de quase trinta anos, para outros; vamos repetir: "Na hipótese, vislumbro, ao menos, a boa-fé da autora, que acompanhou o segurado durante longo período, sob sua dependência." Vejam, pois, que lá se reconheceu a relação concubinária, embora se tratasse de homem casado.

  4. Já faz tempo quando, nos intervalos dos meus trabalhos de assessoria, eu me dedicava a anotar códigos e súmulas; foi então que fiz estas notas para a Súmula 382, de 1964, do Supremo ("A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato"):

    Segundo alguns civilistas, o concubinato requer vida em comum sob o mesmo teto, como se os dois, para o público, casados fossem; mas essa opinião tida e havida por restrita não logrou êxito na Corte; nos dois acórdãos que informam o verbete 382, os quais cuidaram de ação de investigação de paternidade com base no art. 363-I do CCv, o Tribunal adotou a tese liberal, daí o princípio sumulado; no RE-2.004, de 1932, afirmou o ministro Edmundo Lins, relator, que concubinários não são só os que vivem more uxorio, até porque o homem casado pode ter concubina, sem estabelecer lar conjugal (ver art. 1.177 do CCv, s. anulabilidade da doação do cônjuge adúltero à concubina); no mesmo sentido, o RE-49.212, de 1962, relator ministro Ribeiro da Costa - ver Súmulas 35, 380 e 447.

    Pois é do acórdão proferido no RE-49.212 o seguinte:

    "Essa divergência, contudo, de maior valia carece, porquanto, como se disse, a orientação da excelsa Corte, a quem se comete a função uniformizadora de exegese das leis do país, já, por meio de um rol de julgados, assentou que concubinários não são somente os que vivem more uxorio..."

  5. Já a propósito da partilha do patrimônio, envolvendo a compreensão da Súmula 380 - "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum" -, acabou entendendo o Supremo que a partilha, ao ver de sua súmula, requeria mesmo a sociedade de fato, não bastando, portanto, a relação concubinária, mas Leitão de Abreu, entre outros, contentava-se, para a partilha, com a vida em comum - isto é, estariam dispensados alguns outros requisitos.

  6. Do Superior Tribunal de Justiça, ao qual foi cometido pela Constituição de 1988 o contencioso infraconstitucional, trago, do Ministro Aldir, a ementa do REsp-303.604, DJ de 23.6.03:

    I. Pacífica é a orientação das Turmas da 2ª Seção do STJ no sentido de indenizar os serviços domésticos prestados pela concubina ao companheiro durante o período da relação, direito que não é esvaziado pela circunstância de ser o concubino casado, se possível, como no caso...

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