Acórdão nº 2008/0129806-1 de T1 - PRIMEIRA TURMA

Número do processo2008/0129806-1
Data25 Agosto 2009
ÓrgãoPrimeira Turma (Superior Tribunal de Justiça do Brasil)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.066.772 - MS (2008/0129806-1)

RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : Z.D.B.
ADVOGADO : JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES E OUTRO(S)

EMENTA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREFEITO. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.429/92 E DO DECRETO N. 201/67 DE FORMA CONCOMITANTE. ATO IMPROBO QUE TAMBÉM PODE CONFIGURAR CRIME FUNCIONAL. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. JUÍZO SINGULAR CÍVEL E TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INAPLICABILIDADE DO PRECEDENTE DO STF (RECLAMAÇÃO N. 2.138/RJ) IN CASU.

1. Os cognominados crimes de responsabilidade ou, com designação mais apropriada, as infrações político-administrativas, são aqueles previstos no art. 4º do Decreto-Lei n. 201, de 27 de fevereiro de 1967, e sujeitam o chefe do executivo municipal a julgamento pela Câmara de Vereadores, com sanção de cassação do mandato, litteris: "São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato" [...].

2. Deveras, as condutas tipificadas nos incisos do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67 versam os crimes funcionais ou crimes de responsabilidade impróprios praticados por prefeitos, cuja instauração de processo criminal independente de autorização do Legislativo Municipal e ocorre no âmbito do Tribunal de Justiça, ex vi do inciso X do art. 29 da Constituição Federal. Ainda nesse sentido, o art 2º dispõe que os crimes previstos no dispositivo anterior são regidos pelo Código de Processo Penal, com algumas alterações: "O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações" [...] (Precedentes: HC 69.850/RS, Relator Ministro Francisco Rezek, Tribunal Pleno, DJ de 27 de maio de 1994 e HC 70.671/PI, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ de 19 de maio de 1995).

3. A responsabilidade do prefeito pode ser repartida em quatro esferas: civil, administrativa, política e penal. O código Penal define sua responsabilidade penal funcional de agente público. Enquanto que o Decreto-Lei n. 201/67 versa sua responsabilidade por delitos funcionais (art. 1º) e por infrações político-administrativas (art. 4º). Já a Lei n. 8.429/92 prevê sanções civis e políticas para os atos improbos. Sucede que, invariavelmente, algumas condutas encaixar-se-ão em mais de um dos diplomas citados, ou até mesmo nos três, e invadirão mais de uma espécie de responsabilização do prefeito, conforme for o caso.

4. A Lei n. 8.492/92, em seu art. 12, estabelece que "Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito" [...] a penas como suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e obrigação de ressarcir o erário e denota que o ato improbo pode adentrar na seara criminal a resultar reprimenda dessa natureza.

5. O bis in idem não está configurado, pois a sanção criminal, subjacente ao art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67, não repercute na órbita das sanções civis e políticas relativas à Lei de Improbidade Administrativa, de modo que são independentes entre si e demandam o ajuizamento de ações cuja competência é distinta, seja em decorrência da matéria (criminal e civil), seja por conta do grau de hierarquia (Tribunal de Justiça e juízo singular).

6. O precedente do egrégio STF, relativo à Rcl n. 2.138/RJ, cujo relator para acórdão foi o culto Ministro Gilmar Mendes (acórdão publicado no DJ de 18 de abril de 2008), no sentido de que "Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, "c", da Constituição", não incide no caso em foco em razão das diferenças amazônicas entre eles.

7. Deveras, o julgado do STF em comento trata da responsabilidade especial de agentes políticos, definida na Lei n. 1.079/50, mas faz referência exclusiva aos Ministros de Estado e a competência para processá-los pela prática de crimes de responsabilidade. Ademais, prefeito não está elencado no rol das autoridades que o referido diploma designa como agentes políticos (Precedentes: EDcl nos EDcl no REsp 884.083/PR, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJ de 26 de março de 2009; REsp 1.103.011/ES, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 20 de maio de 2009; REsp 895.530/PR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 04 de fevereiro de 2009; e REsp 764.836/SP, Relator Ministro José Delgado, relator para acórdão ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 10 de março de 2008).

8. O STF, no bojo da Rcl n. 2.138/RJ, asseverou que "A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950)" e delineou que aqueles agentes políticos submetidos ao regime especial de responsabilização da Lei 1.079/50 não podem ser processados por crimes de responsabilidade pelo regime da Lei de Improbidade Administrativa, sob pena da usurpação de sua competência e principalmente pelo fato de que ambos diplomas, a LIA e a Lei 1.079/1950, preveem sanções de ordem política, como, v. g., infere-se do art. 2º da Lei n. 1.079/50 e do art. 12 da Lei n. 8.429/92. E, nesse caso sim, haveria possibilidade de bis in idem, caso houvesse dupla punição política por um ato tipificado nas duas leis em foco.

9. No caso sub examinem, o sentido é oposto, pois o Decreto n. 201/67, como anteriormente demonstrado, dispõe sobre crimes funcionais ou de responsabilidade impróprios (art. 1º) e também a respeito de infrações político-administrativas ou crimes de responsabilidade próprios (art. 4º); estes submetidos a julgamento pela Câmara dos Vereadores e com imposição de sanção de natureza política e aqueles com julgamento na Justiça Estadual e com aplicação de penas restritivas de liberdade. E, tendo em conta que o Tribunal a quo enquadrou a conduta do recorrido nos incisos I e II do art. 1º do diploma supra ("apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio" e "utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos"), ou seja, crime funcional, ressoa evidente que a eventual sanção penal não se sobreporá à eventual pena imposta no bojo da ação de improbidade administrativa. Dessa forma, não se cogita bis in idem.

10. Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Luiz Fux e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, por motivo de licença, a Sra. Ministra Denise Arruda.

Brasília (DF), 25 de agosto de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRO BENEDITO GONÇALVES

Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 1.066.772 - MS (2008/0129806-1)

RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO : Z.D.B.
ADVOGADO : JOSÉ WANDERLEY BEZERRA ALVES E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul interpõe recurso especial, às fls. 765-790, arrimado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, cuja ementa está consignada nos seguintes termos, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - ILEGITIMIDADE ATIVA DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINAR REJEITADA - CHEFE DO PODER EXECUTIVO - AGENTE POLÍTICO - PROCESSO LICITATÓRIO - LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DECRETO-LEI N. 201/67 - RECURSO PROVIDO.

O Ministério Público é parte legítima para defender os interesses individuais homogêneos quando for relevante o interesse público e social a ser tutelado.

O prefeito, por ser o chefe do poder executivo, é agente público, mas também político e, assim, responde por eventuais irregularidades do processo licitatório, porém, pelo princípio da especialidade, deve-se-lhe aplicar os termos do Decreto-Lei n. 201/67, e não a Lei de Improbidade Administrativa (fl. 756).

Noticiam os autos que o Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul ajuizou ação civil pública por atos de improbidade administrativa em desfavor de Zelmo Brida, porquanto este, no exercício do mandato de prefeito do Município de Naviraí/MS, supostamente teria contratado a prestação de serviços advocatícios desnecessariamente, pois a municipalidade em foco ostenta procuradoria jurídica para defesa de seus interesses.

O Juízo da Primeira Vara da Comarca de Naviraí/MS recebeu a petição inicial da ação civil pública e determinou a citação dos requeridos (fls. 671-678).

Irresignado, o ora recorrido agravou o decisum supra no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que, por sua Terceira Câmara Cível, proveu a irresignação ao argumento de que os agentes políticos, quando praticam crimes de responsabilidade, não podem ser processados pela Lei de Improbidade Administrativa (n. 8.429/92); ao revés, pelo Decreto-Lei n. 201/67.

Na irresignação especial que ora se apresenta, o recorrente alega o que segue: (i) afronta aos arts. 1º; 2º; 4º; 10º I, IX, XII, XIV; 11, I; e 12, II e III, da Lei 8.429/92, porquanto as infrações previstas na Lei em comento aplicam-se a todos agentes públicos, nos quais os prefeitos incluem-se; e (ii) dissenso jurisprudencial havido entre o acórdão recorrido e o aresto...

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