Promotor lidava com fatos mais pitorescos nos anos 70

Nos anos 1970, o Promotor de Justiça atendia a população carente de cidades do interior. Filas se formavam no Fórum para levar ao representante do MP variadas consultas e pedidos. Alimentos, direitos trabalhistas, retificação de nomes, adoções, tutelas, levantamento do FGTS e conflitos de vizinhos eram rotina.

O atendimento ao povo, que também era chamado de “muro dos lamentações”, em comparação aos pedidos que se fazem em Jerusalém, era uma rica oportunidade de conhecimento da alma humana, seus anseios, angústias, gestos elevados ou indignos. Cansava um pouco, mas valia a pena.

Tomei, pela primeira vez, contato com esta realidade em Umuarama (PR), julho de 1970. Cheguei às 13h com o juiz ao Fórum e, de longe, vi dezenas de homens de cócoras. Perguntei: “o que eles fazem ali?” Respondeu-me o juiz, “estão à sua espera”.

Ainda que nem todas as reclamações pudessem ser atendidas, a maioria se resolvia em acordo. Datilografava-se um recibo ou, nas brigas de vizinhos, um “termo de bem viver”. O promotor fazia tudo sozinho, porque do Estado só recebia os vencimentos. Nada de funcionários, estagiários, telefone ou selos para o correio.

Em meio àquelas pessoas simples, desenrolavam-se todos os dramas universais da humanidade. E, junto com situações tristes, havia também as pitorescas. É delas que vou falar.

Mas o leitor precisa ter em mente que o Brasil, a sociedade, eram muito diferentes. A população era mais inculta, havia muitos analfabetos e a moral mais rígida. A violência menor, não havia roubos (assaltos) no interior, só furtos. Vejamos alguns casos, a fim de que os mais jovens tenham ideia de como se solucionavam pequenos problemas.

Era maio de 1971, chego à comarca de Apiaí, cidade de clima frio no Alto Ribeira, em São Paulo. Em uma tarde cinzenta, estava eu a atender o povo. Chega uma mulher baixinha, cerca de 45 anos, e sem me olhar conta que estava muito nervosa. O motivo era que seu marido “naquela hora, jogava a semente fora e dormia”. Compreendi que se tratava de ejaculação interrompida, que a impedia de chegar ao orgasmo. Chamei o homem. Ele se justificou: “não quero mais ter filhos”. Era motivo razoável. Pensei muito, certo de que não encontraria solução nos tratados de Direito Civil. Aconselhei-o, então, a comprar “camisinhas”, nome que se dava aos preservativos. Ele me disse que naquele mês o orçamento não permitia. Combinamos que eu lhe daria o primeiro pacote de presente. E assim fiz. Ele me esperou e, no fim da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT