Gestão de rádio: os desafios da convergência digital

AutorEvandro Fontana
Páginas71-87

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1 Introdução

O rádio1 foi o primeiro meio de comunicação eletrônica de massa da história da humanidade. Por mais de 100 anos tem se posicionado como um importante aliado na difusão de notícias, lazer e conhecimento. No entanto, a própria paternidade do rádio é controversa, pois enquanto o resto do mundo atribui ao italiano Guglielmo Marconi, em 1895, as primeiras transmissões radiofônicas, os brasileiros reverenciam o padre gaúcho Landell de Moura como o precursor da tecnologia de difusão de sons sem fio, visto que ele teria transmitido os primeiros sinais de rádio no ano de 1893, em experimentos realizados em Campinas, São Paulo.

No Brasil, o rádio fez sua primeira transmissão em 1922, durante a comemoração do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, e firmou-se como destaque na chamada “Era do Rádio”, unindo um país continental que se seguiu até meados da década de 1950, com emissoras que contavam com os principais artistas da época para a produção das radionovelas e do radioteatro. Ao longo da história, o rádio se moldou aos desafios de cada época para consolidar sua popularidade e manter-se como negócio.

Foi assim na década de 1950 no Brasil quando surgiu a televisão. Além de extrair parcela significativa da audiência, a TV também levou para seus quadros os principais nomes do rádio que passavam a ter, além do som, a imagem para se comunicar com o público. Foi somente na década de 1970 que surgiram as rádios em “FM” - Freqüência Modulada, com melhor qualidade sonora e a utilização do som estéreo, antes não disponível nas emissoras de freqüência “AM” - Amplitude Modulada. Mas as rádios “AM”, com menor qualidade de áudio, continuaram a existir e se obrigaram a buscar novos caminhos. A partir de então, as emissoras passaram a ser reconhecidas através dos diferentes conteúdos e formatos oferecidos: as “AM” se voltaram ao radiojornalismo e as “FM” à música.

Hoje não há mais esta distinção. Nas duas freqüências há notícias e músicas e/ou em alguns casos, há só notícia ou só música, cada qual buscando seu público, num processo de segmentação do mercado. Porém, o avanço tecnológico em curso no mundo coloca o rádio num momento de grande apreensão e expectativa. A concorrência pela busca de público, antes restrita à televisão, agora é disseminada para outras “mídias” ou “medias” tais como internet e telefonia celular, que também se apresentam como plataformas de disseminação de conteúdo. Media é um vocábulo latino que em português significa meio, tendo sido importada do inglês para designar o conjunto dos meios de comunicação social.

O rádio no Brasil ainda transmite seu áudio analogicamente, ou seja, através de um sinal elétrico contínuo na forma de uma onda. Já o sistema digital envia dados com pulsos binários, similar à maneira através da qual osPage 73 dados trafegam entre os computadores. Porém, a digitalização do áudio e sua distribuição por canais inimagináveis colocam em questão o futuro do rádio. Afinal, será conhecido por rádio um equipamento para onde convergem todos os sons, textos e imagens? Para Costa, a revolução digital chega em ondas:

A chamada revolução digital, como toda revolução tecnológica, está vindo em ondas. A primeira onda mudou a maneira de comunicação entre as pessoas. A próxima onda deve associar o computador a periféricos inteligentes, velozes, confiáveis e baratos. Depois assistiremos a uma imensa transformação de produtos e serviços, que passarão para o formato digital, desde livros e filmes até sistemas de envio de documentos de

cobrança. (COSTA, 2003, p. 384)

Diante do grande desafio tecnológico de inserir o meio rádio numa nova realidade multimídia digitalizada e de comportamentos cada vez mais imprevisíveis em relação ao consumo dos meios de comunicação, o presente artigo se propõe a analisar o que diferentes estudiosos do assunto pensam sobre o tema, confrontando-os com a necessidade de viabilização do “negócio rádio” diante desta nova realidade que se impõe: a da digitalização. Qual o papel dos gestores do rádio frente a esta nova realidade na busca de cenários futuros incertos para posicionar o rádio no momento presente? Uma realidade que passa pela convergência de conteúdos para um mesmo aparelho físico, onde estarão unidos: a televisão, o rádio, o jornal, o celular e as outras mídias que ainda sequer conhecemos.

2 A convergência digital

O mundo nunca experimentou tantas novidades tecnológicas como nos últimos 20 anos. Muito antes de aparelhos novos e atraentes como o podcasting - junção de ipod, aparelho que toca arquivos digitais, com broadcasting, transmissão de rádio e televisão - o que chama a atenção em primeiro lugar são os novos comportamentos da sociedade, principalmente dos jovens. São eles que hoje sepultam facilmente hábitos antigos como se esses nunca tivessem existido. O Dossiê Universo Jovem, pesquisa realizada pelo canal MTV com jovens das classes A, B e C, de 12 a 30 anos nas principais capitais brasileiras em 1999, já ilustrava bem o perfil do jovem do novo milênio. Mais tolerantes e abertos às novas idéias, individualistas e independentes são confrontados com os valores da geração do século passado: tradição, preconceito e visão coletiva de mundo (DOSSIê UNIVERSO JOVEM, 1999, p. 27).

Surge, então, o novo modelo de família no qual o adolescente sai da sala de estar e do convívio próximo com os pais e os irmãos e vai para a suaPage 74 individualidade, normalmente no quarto para se fechar num novo mundo só seu. É no quarto o espaço em que o jovem desfruta do convívio virtual com os amigos, onde ouve a música que só ele gosta de ouvir e onde invade os territórios mais distantes, anteriormente somente permitidos através dos sonhos.

A chamada “realidade virtual” é cada vez mais comum e podemos defini-la como uma tecnologia de interligação avançada entre um usuário e um sistema computacional, recriando ao máximo a sensação de realidade. Conforme aponta o Dossiê Universo Jovem, as mudanças dos comportamentos sociais e os hábitos de consumo dos jovens estão diretamente relacionados a um novo conceito de família:

Embora em maioria, as famílias tradicionais (pai, mãe e filhos) abrigam apenas 59% da amostra, o que nos deixa 41% dos jovens entrevistados vivendo sob outras formas de composição familiar: só com a mãe, só com o pai, com outros parentes, as famílias recompostas, morando sozinhos ou com amigos (...) aproximadamente três em cada dez jovens entrevistados são filhos de pais separados. O jovem vive um momento de crescente adaptação psicossocial às novas formas de organização da família. Os papéis familiares muitas vezes se confundem e se perdem. E o jovem de hoje está tentando reorganizar e se posicionar diante dos parâmetros, que muitas vezes fogem ao padrão familiar (DOSSIê UNIVERSO JOVEM, 1999, p. 27).

Neste cenário de novos comportamentos estão os meios de comunicação, antes definidos como de massa e num passado recente redirecionados para uma segmentação cada vez mais afunilada. Se até o surgimento da televisão o rádio era o objeto ao redor do qual a família se reunia para se informar e se divertir, há um bom tempo já não é mais assim. Nem mesmo a televisão cumpre este papel nos dias atuais. O rádio passou a ser uma mídia de consumo mais individual do que coletivo.

O surgimento dos computadores pessoais e principalmente da World Wide Web mudou radicalmente a postura das novas gerações nas suas relações sociais na última década. O jovem de hoje busca o contato com seus colegas e amigos através da internet com o uso de sites como Orkut, Messenger ou blogs. Também são cada vez mais comuns as transferências de mensagens instantâneas por celulares conhecidas por WAP, bluetooth ou SMS. A partir destes mecanismos, os jovens também passam a produzir conteúdos e não simplesmente consumilos. Eles transformam em matéria-prima a ser compartilhada com todos os demais as fotos pessoais, os diários eletrônicos, os textos, os filmes caseiros e as músicas. A doutora em comunicação e jornalismo Cosette Castro amplia esta visão:

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Atualmente, uma das áreas mais pesquisadas no campo da comunicação em todo o mundo, é exatamente o âmbito da recepção em relação ao uso e à apropriação de diferentes suportes tecnológicos (televisão, rádio, internet, cross-media, jogos de computadores, e mais recentemente, celulares) pelas audiências, pois os pesquisadores têm levado em consideração que a interpretação, o reconhecimento e a produção de sentido (compreensão) pela instância da recepção (audiências) opera com - no mínimo - independência das propostas desenvolvidas na instância da produção. (CASTRO, 2005, p.110)

2. 1 A era das redes digitais

Diante desta realidade de uma comunicação cada vez mais individualizada, surge a era das redes digitais. Para Ramonet, esta era é o encontro entre as indústrias culturais, ou seja, daquelas indústrias produtoras de criações que utilizam os três grandes sistemas simbólicos conhecidos: sons, imagens e letras, e as redes digitais dão como resultado a multiplicação da produção, a distribuição e as modalidades de consumo dos produtos culturais (RAMONET apud ALBORNOZ, 2003, p. 55).

Para Albornoz, no entanto, é errônea uma visão substitutiva dos produtos e suportes culturais analógicos por novos meios, produtos e serviços digitais (ALBORNOZ, 2003, p. 57). Para ele, não passa de um temor a idéia de que os meios digitais eliminem seus familiares analógicos. Visão compartilhada por Ferrari:

No final dos anos 90 eu acreditava que a informação disponível na área World Wide Web da Internet poderia derrubar a audiência da televisão e a circulação dos...

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