Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [Portugal]

AutorMaria dos Prazeres Pizarro Beleza
Páginas270-282

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Processo: 822/06.9TBVCT.G1.S1 No Convencional: 7a SECÇÃO Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA

Descritores: CONSUMIDOR VENDA DE COISA DEFEITUOSA DIREITO A REPARAÇÃO RESOLUÇÃO DO CONTRATO PEDIDO SUBSIDIÁRIO

PEDIDO ALTERNATIVO

Data do Acórdão: 30-09-2010 Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA Decisão: PROVIDA PARCIALMENTE

Sumário:

  1. Em caso de desconformidade entre a coisa entregue e a coisa comprada, o Decreto-Lei nº 67/2003 concede ao consumidor, expressamente, o direito de exigir a reparação ou de resolver o contrato, sem estabelecer qualquer precedência entre os dois.

  2. O exercício do direito de resolução está condicionado pela verificação dos respectivos requisitos e limitado pelo abuso de direito.

  3. A reparação a que o consumidor tem direito, baseada tão somente na "falta de conformidade do bem com o contrato", é a que se destina a repor essa conformidade.

  4. Provada a desconformidade e exercido o direito à reparação, o autor tem direito ao custo correspondente; não existindo elementos para o fixar, há que remeter para liquidação a determinação do custo.

  5. A regra de que a resolução tem eficácia retroactiva, sendo equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade, tem de ser conjugada com diversos preceitos que se destinam justamente a evitar que, por essa via, uma das partes enriqueça, injustificadamente, à custa da outra; e não impede que, sendo caso disso, a parte que a invoca tenha o direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos.

  6. A prova da falta de culpa afasta a presunção que vale na responsabilidade contratual.

Decisão Texto Integral

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou contra A ...-V..., Lda. e S...H...de Automóveisde Automóveisde Automóveis, S.A. (S..., SA) pedindo:

- Contra a primeira ré, a sua condenação no pagamento de € 4.500,00, acrescidos de IVA e de juros, contados à taxa legal desde Janeiro de 2006, "tudo em virtude da reparação do veículo" de matrícula ...-...-OX que lhe vendeu no dia 7 de Maio de 2004, usado, e de € 3.000,00 "pela deterioração e perda de valor" do mesmo; "em alternativa", a declaração de resolução do contrato de compra e venda, sendo a ré condenada a restituir o preço pago, € 12.5000,00;

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a condenação no pagamento dos juros vencidos sobre essa quantia (€ 875 à data da propositura da acção), com juros que se vencerem até efectivo e integral pagamento; "em qualquer dos casos", a condenação no pagamento de € 2.700,00, "pelos prejuízos causados pela paralisação" do veículo e de € 2.5000,00 por danos morais.

- Contra a segunda, representante em Portugal da S..., que produziu o auto-móvel, "na eventualidade de se vir a apurar que as desconformidades verificadas (...) constituem defeitos de fabrico ou origem", a sua condenação no pagamento de € 4.500,00, acrescidos de IVA e de juros, contados à taxa legal, desde o mês de Janeiro de 2006, "tudo em virtude da reparação do veículo" de matrícula ...-...-OX, no pagamento de € 2.700,00 "pelos prejuízos causados pela paralisação" do veículo e de € 2.5000,00 por danos morais.

Em síntese, alegou que não tinha sido estipulado qualquer prazo de garantia; que o veículo tinha sofrido, no mês de Setembro de 2005, "uma avaria que se traduziu numa paragem do motor", causada pela desconformidade que só então descobriu, e que consiste em "que o motor que está montado na viatura não corresponde ao tipo de motor descrito no contrato de compra e venda, nem ao tipo de motor que equipa os veículos de igual marca, modelo e categoria", tal como sucede com "outro material mecânico", sendo de inferior qualidade; que denunciou os defeitos à primeira ré, por carta de 22 de Dezembro de 2005, recebida a 27, fixando um prazo de quinze dias para a reparação; que teve de suportar os custos correspondentes, € 4.5000,00 + IVA; que o veículo esteve impossibilitado de circular durante noventa dias, causando-lhe um dano nunca inferior a € 30,00 por dia; que a reparação e a imobilização diminuíram pelo menos em € 3.000,00 o valor do carro; e que sofreu "desgosto, tristeza e angústia" com a verificação dos defeitos e com a necessidade de recorrer a tribunal, devendo por isso ser indemnizado em quantia não inferior a € 2.500,00. Ambas as rés contestaram.

A ré S...H...de Automóveisde alegou desconhecer os factos alegados e afirmou que o veículo havia sido ven-dido ao concessionário com o motor TDI de origem.

A ré A...-V... invocou a caducidade do direito de propor a acção, por não ter havido denúncia do defeito no prazo de seis meses (nº 2 o artigo 916º e artigo 917º do Código Civil), e ainda: que foi expressamente acordada a inexistência de garantia, como contrapartida do preço fixado; que o autor conhecia o estado do veículo quando o comprou; que desconhecia as viciações apontadas pelo autor; que o autor apenas esporadicamente utilizava o automóvel; e requereu a intervenção principal de Farmácia P...C..., Lda., a quem comprara o carro, invocando ter sobre ela direito de regresso. Alegou ainda litigância de má fé do autor. O autor replicou e opôs-se à inter-

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venção, que veio a ser indeferida. Pela sentença de fls. 647, a acção foi julgada parcialmente procedente. O contrato de compra e venda foi declarado resolvido e a ré A...-V... foi condenada a restituir ao autor o preço de € 12.500,00 bem como a pagar-lhe uma indemnização de € 1.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais. A sentença excluiu o direito à reparação por considerar provada a falta de culpa da ré no desconhecimento do vício (artigo 914º do Código Civil).

  1. Recorreram o autor e a ré A...-

    -V....

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de fls.788, foi negado provimento ao recurso da ré e concedido provimento parcial ao recurso do autor. A Relação decidiu condenar a ré a pagar a quantia de € 4.500,00, correspondente aos custos da reparação, acrescida do IVA que tiver sido pago e de juros de mora "ou, em alter-nativa", "declarar resolvido o contrato", condenando a ré a restituir o preço de € 12.500,00.

    E foi ainda decidido, "em qualquer dos termos da alternativa que o autor venha a escolher, condenar a primeira ré a pagar-lhe" € 900,00 por "danos patrimoniais decorrentes da privação do uso do veículo" e € 750,00 como indemnização por danos não patrimoniais. A...-V... recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

    Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

    "1.a .. A recorrente vendeu ao recorrido o veículo no exacto estado em que o recebeu da anterior proprietária e por isso não pode ser responsabilizada pela desconformidade existente já então dentro do motor - vd. art.º 483.° CC

  2. a .. A recorrente não pode ser de modo algum responsabilizada, uma vez que desconhecia em absoluto a desconformidade dentro do motor do veículo, que, para além de não ser perceptível, não podia sequer supor que existisse - vd. 2.a p/te art.º 914.° e art.º 915.° CC

  3. a .. Ainda que se entenda que a recorrente deve ser responsabilizada, tê-lo -ia que ser a título de pagamento pela reparação do veículo e nunca declarando-se a resolução do contrato pois que tal desrespeita a hierarquia dos deveres do vendedor - vd. art.ºs 914.° e 905.° CC

  4. a .. Nunca se justificaria a condenação da recorrente no pagamento de juros de mora sobre o valor da reparação, uma vez que está provado que o recorrido ainda não pagou o preço da mesma, nem foi emitida ainda qualquer factura - cfr. ponto 22.° factos provados e n.º 1 art.º 805.° CC

  5. a .. Os pedidos deduzidos pelo recorrido são na realidade subsidiários e por isso qualquer que seja o entendimento só poderia proceder o pedido de pagamento do custo de reparação do veículo

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    - vd. art.ºs 468.° e 469.° CPC

  6. a .. Não pode proceder o pedido de resolução do contrato por se mostrar excessivamente oneroso para a recorrente - vd. n.º 1 art.º 566.° CC

  7. a .. O recorrido não provou a relação causa/efeito entre a avaria do veículo e a desconformidade no motor e por isso não tem direito a reclamar o custo da reparação, nem a resolução do contrato - vd. art.ºs 483.° e 563.° CC

  8. a .. Não pode manter-se a...

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