As mulheres agroextrativistas do babaçu: a pobreza a serviço da preservação do meio ambiente

AutorBenjamin Alvino de Mesquita
CargoUniversidade Federal do Maranhão (UFMA)
Páginas53-61

Page 54

1 Introdução

No estado do Maranhão1, três atividades produtivas se destacam no cenário agrário. Majoritariamente, tem-se a pecuária empresarial, a mais importante das três, oriunda da década de setenta, período de incentivos fiscais e crédito rural farto e barato; a ocupação com pastagens é algo em torno de 5 milhões de hectares. Em seguida, vem a agricultura temporária, baseada, sobretudo, na cultura do arroz e da soja: a primeira, tocada à base do trabalho familiar, em pequena escala e articulada ao mercado nacional, muito importante até os anos oitenta; a segunda, estruturada em base capitalista, emerge no final dos anos noventa e tem por trás o médio e o grande produtor atrelados ao mercado internacional. A última atividade importante é o extrativismo do babaçu2. Sua relevância atual não se encontra no aspecto econômico (renda gerada, que já foi importante nos anos 70), que é declinante, mas no caráter eco/preservacionista, político e social que assumem seus atores sociais – as mulheres agroextrativistas ou quebradeiras de coco babaçu –, através do seu principal organismo de atuação, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB).

No Maranhão, a atividade extrativa do babaçu, sob o ponto de vista de sua oferta, sempre esteve associada à agricultura familiar (AF) e se caracteriza por ser ultra-extensiva. A estimativa, de acordo com Almeida (1995), é de que haja uma área de 4.722.812ha efetivamente ocupada (1985, p.18) e intensiva em mão-de-obra familiar. De acordo com o IBGE (1996), uma parcela significativa (60%) das 407.347 mulheres, estabelecidas na atividade agrícola e que não recebem remuneração, vincula-se à extração do babaçu (MESQUITA, 2001).

Por outro lado, embora a economia do babaçu esteja presente em quase todos os municípios do Estado (217) e, conseqüentemente, ocupe uma parcela importante da força de trabalho da agricultura, a sua área de concentração, de acordo com zoneamento ecológico, se restringe a um número reduzido de microrregiões e municípios (MESQUITA, 2001, p. 92)3.

Essa região, ocupada por uma massa considerável de não-proprietários – arrendatários, parceiros e ocupantes –, algo em torno de 251 mil (IBGE, 1996) e de alta concentração da terra e da renda monetária, é também o locus por excelência da pobreza rural (e feminina). Nesse espaço, ela é mais aguda e as desigualdades mais acentuadas; é, também, o território onde contraditoriamente esses excluídos lutam e barganham a proteção do meio ambiente, contra a devastação de palmeiras (floresta) de babaçu, principal gerador de renda, e a adoção de políticas públicas de inclusão social. Dentre os atores sociais desse embate, destacam-se as chamadas quebradeiras de coco babaçu ou mulheres agroextrativistas do babaçu (ALMEIDA, 1995b).

2 A mudança que penaliza os excluídos

Nas últimas três décadas, notáveis transformações se fizeram presentes em todos os setores econômicos – agricultura, indústria e, sobretudo, no comércio e nos serviços. Entre 1985 e 2003, a taxa de crescimento do PIB realdo Estado foi de 3,25% ao ano (a.a), o que mostra o nível de tais mudanças (MESQUITA, 2006).

No caso do setor agrícola, que interessa mais de perto a este trabalho, as mudanças podem ser detectadas nas relações de produção e na representação política (o surgimento de inúmeras organizações de trabalhadores rurais combativos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST e o MIQCB). Na parte referente à questão agrária, por exemplo, múltiplos aspectos chamam a atenção – concentração fundiária, avanço do trabalho assalariado, declínio dos pequenos produtores sem-terra e queda na produção de alimentos básicos, além dos impactos ambientais advindos da expansão da pecuária e do agronegócio, especialmente no que se refere ao desmatamento de regiões voltadas ao extrativismo do babaçu (ALMEIDA, 2005; MESQUITA, 1998a).

Um aspecto, no entanto, ficou paralisado: o perfil fundiário do estado do Maranhão; a terra continua muito concentrada; o alto índice de Gini relativo à posse da terra (0,901) corrobora essa assertiva (PORRO, 2004).

Fato semelhante pode ser observado na condição do produtor. Os mini, isto é, com menos de dez hectares, e os grandes, acima de mil hectares, perderam espaço, em termos de número e de área apropriada, para os pequenos (abaixo de 100 ha) e médios produtores (abaixo de 1.000ha). Nessa contenda, o grupo de não-proprietários, os sem-terra, foi o maior prejudicado em todos os sentidos. Entre 1970 e 1995, sua participação decresceu 22% e 53% em número e área, respectivamente (MESQUITA, 2006).

No que se refere às relações de trabalho, percebe-se que, apesar do avanço do agronegócio no Maranhão, o trabalho familiar (membro nãoremunerado da família–MNRF), que constituiainda a base de sustentação para as atividades nãocapitalistas – a agricultura familiar e o extrativismo –, continua importante (80% em 1995, contudo 5% menor em relação a 1970), apesar do avanço (327%) das relações de assalariamento, temporárias e permanentes, em igual período. Na parte produtiva ligada à agricultura familiar – arroz, mandioca e babaçu –, houve um encolhimento4 da área plantada e do volume colhido, desde a segunda metade dos anos oitenta, enquanto a agricultura empresarial (soja) se expandia vigorosamente (acima de 24% a.a).

Esse fenômeno da “crise” está articulado, de um lado, à política comercial inerente ao modelo neoliberale, de outro, ao lobby de cada uma dessas categorias de produtores, na indução de medidasPage 55 favoráveis à sua atividade, e não apenas da pressão relacionada à expansão da área com pastagem e do crescimento do rebanho.

3 Política governamental, desmatamento e extrativismo do babaçu

Nos últimos anos, as repetidas altas taxas de desmatamento da Amazônia Legal (inclusive o Maranhão), segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em torno de 18.000 km², viraram motivo de preocupação de todos os envolvidos com o meio ambiente. Na maior parte, o fim a que se destina o desmatamento é a pecuária extensiva que a cada dia ganha novos adeptos, inclusive entre pequenos produtores (AF) e nos assentamentos de reforma agrária do Incra e do Iterma.

Essa expansão, até 1985, esteve associada fundamentalmente aos benefícios governamentais e outros como a garantia de mercado, segurança e liquidez que a pecuária representa, frente à agricultura familiar e ao extrativismo. Mais recentemente (final de 1990), a expansão e a transformação da pecuária ligam-se também a esses fatores (exceção dos incentivos fiscais) e às perspectivas que o mercado, nacional e internacional, sinaliza, em termos de rentabilidade e dos custos marginais menores que a implantação de novas pastagens representa, em relação à recuperação das áreas degradadas anteriormente, na década de oitenta. Tal fato ocasionou profundas mudanças na paisagem, em termos de uso e do acesso à terra, ao substituir milhões de palmeiras por capim e ao privatizar, de forma ilegal5, milhões de hectares de terra, cujo acesso passa a ser dificultado à coleta de babaçu.

Mais grave do que o desmatamento, que avança inexoravelmente em todas as direções, sem qualquer ação efetiva que freie essa tendência, é a questão da reprodução de uma estrutura econômica e social cada vez mais injusta, que não acena para qualquer tipo de mudança favorável aos segmentos excluídos e força outros a se submeterem a uma lógica de mercado apoiada pelo governo, que só é adequada ao capital (ALMEIDA et al, 2001; MIQCB/DFID, 2003).

O extrativismo do coco babaçu, segundo estudo da Secretaria do Meio Ambiente de 1982, abrange 30% da área geral do Estado (320 mil / km2). As microrregiões mais representativas (em produção) são as do Médio Mearim, Codó, Pindaré e Baixada Maranhense. Mas, em termos de taxa de crescimento, outras microrregiões também estão presentes – Chapadinha e Baixo Parnaíba (MESQUITA, 2001).

[GRÁFICOS NÃO ESTÃO INCLUÍDAS]

Fonte: IBGE - Censo Agropecuário, 1970 a 199

Relacionando o desempenho da atividade extrativa com outras variáveis, entre 1970 e 1995, percebe-se, pela figura 1, uma certa estagnação da produção extrativa que se relaciona com a cultura do arroz, com a situação de não-proprietário, com o trabalho familiar, com a expansão da pecuária empresarial e o desmatamento6

Não há dúvida de que a pecuária, nos moldes em que se realiza (realizou) no Estado, extensivamente, juntamente com a monocultura da soja e do eucalipto, ao disputar de forma desigual recursos financeiros (escassos e limitados) com outras atividades, a exemplo da agricultura familiar e do extrativismo do babaçu, constituiu um fator de pressão, especialmente no período de crédito subsidiado e de incentivos fiscais (década de 70), contra a expansão destes pequenos produtores atrelados à pequena produção familiar.

Levando-se em consideração as mesorregiões do Estado e o período de 1970/1995, nota-se um declínio de 6% na oferta geral, embora as mesorregiões Centro e Oeste apresentem um desempenho positivo, respectivamente 9% e 4%. Essa performance declinante do extrativismo está relacionada à abertura do mercado local à...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT