Segurança alimentar no direito do consumidor brasileiro e da União Europeia (1a. parte)

AutorAna Carolina Hasse de Moraes
CargoBacharel em Direito/PR
Páginas227-252

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1. Introdução

Recentemente, muitas abordagens sobre o tema segurança alimentar têm sido feitas, principalmente no que se refere ao consumidor e sua falta de confiança nas relações de consumo dessa estirpe. Ainda, tal tema é discutido e estudado praticamente em todos os países, haja vista a preocupação existente.

Porém, o que ocorre em regra entre esses países é a tentativa de se evitar o acontecimento de futuros problemas ao consumidor, tanto os já conhecidos, como os que possam vir a acontecer, de modo que o desenvolvimento alimentar decorra com o mínimo de prejuízo a toda a cadeia.

Tal segurança deve se dar em todas as fases de produção, transformação e distribuição. De mesma sorte, essa garantia deve ser proporcionada pelos operadores do setor alimentar, operadores do setor de animais criados para o gênero alimentício e operadores dos alimentos dados a animais produtores de gênero alimentício.

A preocupação existe em razão de uma série de eventos que já ocorreram previamente, como a Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE) vulgarmente conhecida como a doença da vaca louca, a qual teve mais de 180 mil pessoas atingidas na Inglaterra; as dioxinas encontradas em suínos, aves, peixes, bovinos e laticínios; e a febre aftosa. Também se pode citar o caso dos vinhos italianos, no ano de 1981, os quais continham excesso de metanol e por isso intoxicaram milhares de consumidores. Igualmente o caso do azeite espanhol, gerador de pneumonia atípica em centenas de pessoas. Os exemplos são inúmeros e em razão deles urgiu a necessidade da abertura para discussão de tais assuntos à sociedade. Certo é que esses acidentes de consumo chegam a atingir milhares de vítimas.

Na Comunidade Europeia, importantes acontecimentos foram a criação do Livro Branco e do Regulamento CEE 178/2002, de 28 de fevereiro. No Brasil, além do Código de Defesa do Consumidor, houve a criação de órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).

Atualmente, a União Europeia possui em torno de 500 milhões de consumidores. Portanto, os Estados-membros são induzidos a criar políticas direcionadas à defesa de seus interesses, sendo a segurança dos alimentos uma delas. No Brasil, o número de consumidores chega aproximadamente a 190 milhões.

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Fato é que todo consumidor tem direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, que não comprometam a saúde e respeitem as regras estabelecidas por órgãos criados para tais fins. Caso contrário, a não observância deste fator pode gerar insegurança alimentar, qual seja, no caso em questão, o consumo de alimentos de qualidade duvidosa e/ou prejudicial à saúde.

2. Noções gerais

O direito do consumidor, dentre todos os outros novos direitos, é dos mais notórios dada sua magnitude, a qual se dá tanto por sua finalidade quanto pela amplitude do seu campo de incidência.

2.1. História da defesa do consumidor no Brasil

A proteção do consumidor é matéria que nasceu gradativamente no Brasil, primeiramente pela criação de leis que defendiam indiretamente esse sujeito da relação jurídica consumerista, para só então depois criar leis específicas referentes a esse direito.

O primeiro indício no Brasil desta proteção foi em 7 de abril de 1933, quando entrou em vigor a Lei 22.6261, pertinente aos juros nos contratos e que teve como enfoque reprimir a usura. Esta se caracteriza pela prática da cobrança de juros excessivos pelo empréstimo de determinada quantia em dinheiro. Destarte, essa lei delimita a quantia a ser cobrada para empréstimos pessoais, ou seja, não deixa de configurar uma proteção ao consumidor.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 19342algumas normas nela contida possuíam caráter protecionista no que tangia à economia popular, pois havia alguns artigos que defendiam o consumidor.

Ato contínuo, houve a criação do Decreto-Lei 869, de 18 de novembro de 19383, e do Decreto-Lei 9.840, de 11 de setembro de 19464, os quais tratam de crimes contra a economia popular. No entanto, a Lei 1.521, de 26 de dezembro de 19515, entra em vigor justamente para regular estes crimes contra a economia popular, revogando ambos os decretos-leis.

Já a Lei 4.137, de 10 de setembro de 1962, veio regular a repressão ao abuso do poder econômico, a qual deu origem ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Este instituto consiste numa autarquia federal brasileira e almeja orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos do poder

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econômico, de modo que exerce papel tutelador da prevenção e repressão do mesmo.

A função principal do Cade é a de decidir sobre matéria concorrencial nos processos repassados pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. Atua no mercado brasileiro através de caráter preventivo, repressivo e educativo. Na União Europeia quem realiza esse papel é a Direção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia, obviamente em prol de toda a sociedade do conglomerado.

Entre 1971 e 1973 foram realizados debates liderados pela deputada Nina Ribeiro no que tange à necessidade de proteção aos consumidores.

Em 1976 foi a vez do Instituto dos Advogados de São Paulo realizar debates acerca do assunto, sendo que em 1978 o Procon, também de São Paulo - este sendo o primeiro órgão criado para o amparo do consumidor - discutiu sobre a não existência de lei específica em torno na matéria.

Em 7 de novembro de 1984, entrou em vigor a Lei 7.244, a Lei dos Juizados de Pequenas

Causas, mais tarde, especificamente em 26 de setembro de 1995, revogada pela Lei dos Juizados Especiais de n. 9.0996.

A Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, veio disciplinar a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico e, sobretudo, ao consumidor.

Em 24 de julho de 1985, através do Decreto 91.469 foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), extinto no Governo Collor e substituído pelo Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DNPC), subordinado à Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE).

E em 16 de junho de 1986 entrou em vigor a Lei 7.4927, que disciplinava os crimes contra o sistema financeiro nacional, conhecidos vulgarmente pelo nome de crimes do ‘colarinho branco’.

No entanto, foi com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que o consumidor conseguiu sua vitória mais importante, pois este instrumento jurídico disciplinou os direitos do consumidor em quatro de seus dispositivos, quais sejam: art. 5º, XXXII; 24, VIII; 170, V, todos da própria CF; e 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Fato é que todo consumidor tem direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade

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Finalmente, em 1989, foi formada a Comissão de Juristas comandada por Ada Pellegrini Grinover, para que fosse elaborado o Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, dando origem assim ao Código de Defesa do Consumidor, sob a égide da Lei 8.078, de 11 de setembro de 19908, ou seja, dois anos depois de determinação da CF.

Destarte, a defesa e proteção do consumidor se tratam então de direitos fundamentais de caráter constitucional, haja vista previsão legal na própria Constituição Federal.

2.2. História da defesa do consumidor na União Europeia

Mister falar da revolução industrial para o desenvolvimento do direito do consumidor, uma vez que foi por meio dela que a produção e a distribuição passaram a ser em massa, fazendo com que o comerciante e consumidor passassem a receber os produtos fechados, lacrados e embalados, não podendo conhecer o real conteúdo, como ensina Sergio Cavalieri Filho9.

Entretanto, com tantas mudanças no mercado de consumo, o direito privado se tornou insuficiente e ultrapassado para amparar tais relações contratuais, de sorte que foi preciso a criação de um direito mais específico e abrangente na área, que acabasse com as desigualdades econômicas e jurídicas entre fornecedor e consumidor que haviam surgido.

Outro fator histórico que também contribuiu para o surgimento deste direito foi o desenvolvimento tecnológico e científico, o qual aumentou os riscos do consumidor. Tal fato se dá em razão de que, na produção em série, riscos e danos podem ser causados através de um único defeito de concepção ou fabricação. Os mesmos riscos e danos alcançam um número indeterminado de consumidores, algumas vezes até um número amplo deles. Trata-se, assim, dos riscos de consumo, riscos em série e riscos coletivos.

As fontes primárias e as fontes derivadas são de onde surgiu a estrutura do direito comunitário, sendo que a primeira fonte são os tratados institucionais e modificativos, e a segunda os atos comunitários obrigatórios e motivados, com os regulamentos, as diretivas e as decisões.

Essas fontes se associam aos tipos jurídicos comunitários e a principiologia constitucional consiste nos princípios da democracia, da liberdade econômica, da primazia do direito comunitário, da subsidiaridade e do pós-nacional.

Em 1970 se deu a primeira manifestação em relação ao direito do consumidor na União Europeia através de trabalhos de pesquisa realizados pelo Conselho da Europa e, este, por intermédio do Comitê Europeu de Cooperação Diplomática. Tais trabalhos serviram para a composição de uma

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convenção acerca do consumo para a Europa. Contudo, vale ressaltar que alguns...

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