A arbitragem como forma de solução de conflitos no processo civil – aspectos práticos, críticos e teóricos

AutorMSC Júlio César Ballerini Silva/Carolina Amancio Togni Ballerini Silva
CargoMagistrado e Professor/Advogada

PRÉVIAS NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Busca-se, com o presente trabalho uma análise acerca dos fatores que levaram à alteração do regime jurídico da arbitragem no direito brasileiro, ante o advento da Lei nº 9.307/96 e o papel do instituto, com esta nova disciplina, na busca pela efetividade do processo, observando se o mesmo será, ou não, útil na solução do problema apontado como crise do Poder Judiciário, sendo certo que, intimamente ligado a tal questionamento se acha aquele referente à própria constitucionalidade do novo regime jurídico, posto que, como sabido, são apontados alguns óbices à plena aplicação da nova lei, e, caso tais óbices pudessem ser considerados como inconstitucionalidades, pelo óbvio, haveria a perda da aplicabilidade prática das novas normas, eis que se teria como possível o retorno da questão aos Tribunais, acabando com a principal vantagem do instituto que seria a celeridade decorrente da possibilidade de não se remeter o litígio ao exacerbado e esgotado sistema judicial estatal. Serão, portanto, confrontados princípios processuais clássicos, de índole constitucional, tais como o princípio do contraditório, o do duplo grau de jurisdição, o devido processo legal, a publicidade dos atos processuais e a proibição dos Tribunais de exceção (princípio do juiz natural), com orientações trazidas pela nova Lei de Arbitragem, tais como a restrição da possibilidade de revisão da sentença arbitral, a privacidade dos atos procedimentais arbitrais, a livre escolha da lei a ser aplicada, inclusive no que tange a procedimento perante o juízo ou tribunal arbitral, dentre outras devidamente destacadas na introdução do presente trabalho.

Qualquer questionamento que se faça, no mundo do Direito, em tempos modernos, a respeito do modelo de arbitragem será de grande relevância, por se cuidar de tema em voga, tanto na mídia, em face dos problemas de morosidade do Poder Judiciário, constantemente alardeados nos meios de comunicação de massa, quanto no meio acadêmico jurídico, em face da preocupação com a efetividade do próprio ordenamento jurídico.

Isso porque o paradigma jurídico vigente, em sua acepção mais formal, esgotou-se, tal como preconizado por José Eduardo Faria(1). E tal se deveu ao fenômeno da globalização, que, com a evolução tecnológica uniu o mundo, o que ocorreu em velocidade recorde, fazendo com que o número de negociações, transações e contratações também crescesse com a mesma velocidade.

Basta que se verifique que, com o acesso a um meio de comunicação rápido e acessível (por exemplo, como a internet), um número cada vez maior de pessoas passou a interagir, em escala global, fazendo com que, dessas interações, um grande número de situações jurídicas (seja lícitas, seja ilícitas) surgisse.

E, na mesma proporção, também cresceu o número de demandas judiciais (fato mais do que público e notório). Basta, aliás, que se verifique que o Código Civil de 1.916 (o chamado Código Bevilácqua que regrou a vida privada no Brasil por décadas em período relativamente recente) falava em contratações por correspondência (obviamente de índole postal), o que acaba por perder o sentido num mundo em que grande parte das pessoas já se comunica por telefones, inclusive celulares, e-mail, ou utiliza a linguagem www (fenômeno recente vez que tal linguagem surgiu na Suíça, em meados de 1.991 – contando, atualmente, com pouco mais de dez anos).

Mas, a par disso, outros fatores, até de índole histórica, às mais das vezes relacionados a problemas econômicos e políticos, contribuíram para o aumento do número de demandas judiciais.

Conforme adverte Boaventura de Souza Santos(2), com o fim da Segunda Guerra Mundial, no chamado “Mundo pós-guerra”, grupos sem tradição de uma ação coletiva mais eficaz e de confrontação, como os estudantes, os negros, as mulheres (recém chegadas, de forma efetiva, no mercado de trabalho, ocupando postos de serviços dos homens em guerra) e setores da pequena burguesia, passaram a se organizar e a buscar uma redefinição do imaginário político e social, sobretudo, no que tange ao reconhecimento da igualdade de direitos.

A par disso, o acesso mais fácil, e relativamente mais barato, às informações (primeiro com o rádio, depois com a televisão e, atualmente, com a internet), propiciou, e vem propiciando, o desenvolvimento da educação, o que, obviamente, contribui para a formação de uma consciência mais crítica, mais apurada, e, com isso, um número cada vez maior de jurisdicionados passou a ter uma melhor compreensão de seus direitos, desmistificando as formas de como obter uma melhor prestação dos serviços judiciários.

E tal fenômeno faz com que a sociedade se organize melhor, aumentando o rol dos direitos formalmente reconhecidos (conseqüências desta mesma democratização da informação), fazendo com que o número potencial de demandas também aumente, como reflexo do fenômeno de ampliação do acesso ao Poder Judiciário (a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1.988, foi um dos exemplos práticos deste fenômeno), o que se revela como dado altamente positivo num país que pretende ser reconhecido como um Estado Democrático de Direito.

E obviamente não se pode pretender conferir um caráter meramente formal ao conceito de democracia, eis que, como adverte Norberto Bobbio, a mesma não é uma situação meramente formal, em que apenas e tão somente o povo escolha seus representantes, eis que, ao contrário, seria a busca por um conceito real, de modo que se possa imitir efetivamente o povo no poder.(3)

Podem ser destacados como exemplos de resultados desta democratização da informação, os questionamentos em relação ao direito de propriedade, e o acesso à mesma pela sua função social, o agravamento das limitações ao exercício desta mesma propriedade, para assegurar a preservação do meio ambiente e das relações de vizinhança, o surgimento de limitações à contratação (direitos nas relações de consumo e suas decorrências numa economia globalizada).

Para agravar a situação, na década de 1.970, sobretudo após a chamada “Crise do Petróleo”, induzida pelo Cartel da OPEP, gerou-se um clima de recessão mundial, no qual o próprio papel do Estado, até então um Estado-Providência passou a ter que ser revisto, em virtude da diminuição de seus recursos disponíveis, redução essa que se fez sentir em todos os setores de sua atuação, inclusive no Poder Judiciário, o que ajudou a redundar num hiato entre o que se espera da administração da Justiça e o que efetivamente se aplica no dia a dia dos Tribunais.(4)

Assim, esse novo rol de direitos coletivos do “Mundo pós-guerra”, susomencionados, acabou sendo denominado como direitos humanos de terceira geração(5), acabando por ter como característica básica, a sua transindividualidade.

E, sob tal ótica, esses novos grupos de direitos acabaram sendo vistos como pertencentes não mais ao indivíduo, mas são tratados como pertencentes a toda uma coletividade ( são os direitos dos consumidores, ao meio ambiente hígido, à preservação de um patrimônio histórico, etc ... ).

E toda essa nova situação deve ser assegurada, sob pena de que ocorra o que Cândido Rangel Dinamarco(6) denominou como vazio processual, ou seja, a impunidade em relação ao descumprimento ou violação desses novos direitos.

A par de tudo isso, ainda contribuindo para a ocorrência de um esgotamento do paradigma do pensamento jurídico vigente, deve ser destacada a existência de certas atividades que podem, momentaneamente, trazer prejuízos ao interesse de um número muito grande, e até, indeterminado de pessoas.

E, como conseqüência direta desse aumento de demandas, surge um problema decorrente do descompasso entre o crescimento de tal procura pelo acesso ao Poder Judiciário e a própria estrutura deste mesmo Poder (fenômeno, aliás, que não é exclusividade nacional, eis que detectado em vários países do mundo, como, por exemplo, a Itália).(7)

Devido à existência de tal falha estrutural, denominada “crise do Poder Judiciário”, passa se a buscar as soluções dentro do instituto da arbitragem, como forma mais célere e eficaz, o que demonstra, mais uma vez, a atualidade do tema. O tema, portanto, da arbitragem está intimamente ligado a essa situação.

Pontuada a contextualização do tema, ou seja, a forma como o mesmo se insere no mundo globalizado já mencionado, insta que se realize a sua delimitação formal, até para que o leitor se oriente no sentido exato daquilo que se pretende analisar neste trabalho.

Como todo instituto jurídico, a arbitragem, estará sujeita a uma série de requisitos previstos pelo legislador ordinário, ou seja, estará adstrita a um modelo legal estabelecido, daí a importância de se aferir como tal modelo se relaciona com o texto constitucional.

A aludida disciplina se insere na matéria direito processual civil, que é ramo do direito público, e, mais especificamente, se relaciona à teoria geral do processo civil de conhecimento.

Tem-se, ainda, que se pretende demonstrar como o instituto da arbitragem pode ser utilizado no direito brasileiro, e como poderá ser utilizado como contribuição para a solução do problema da morosidade do Poder Judiciário, não sem passar, contudo, por uma análise crítica do instituto, com aspectos interdisciplinares pertinentes ao tema.

Isso porque, como frisado linhas atrás, os limites da arbitragem dependerão da verificação de seus requisitos fundamentais, de modo que, para que se apure a eficácia da arbitragem na solução do grave problema apontado.

Assim de se analisar como objetivos do presente trabalho as vantagens e desvantagens do instituto e a viabilidade de sua inserção no contexto constitucional brasileiro.

O presente trabalho deverá responder a algumas questões referentes à abrangência do instituto, notadamente, como apontado acima, pois seguimentos doutrinários mesmo admitindo a alternativa da arbitragem para solução de conflitos apresentam uma série de problemas constitucionais para sua viabilidade, o que já vem sendo enfrentado pela doutrina e...

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