O argumento de autoridade no direito

AutorManuel Atienza - André Rufino do Vale
Páginas144-160

Page 144

ISSN Eletrônico 2175-0491

O ARGUMENTO DE AUTORIDADE NO DIREITO

THE ARGUMENT OF AUTHORI TY I N LAW

EL ARGUMENTO DE AUTORI DAD EN EL DERECHO

O t ext o pret ende esclarecer o signif‌icado dos argum ent os de aut oridade no Direit o. O aut or ut iliza exem plos de decisões j udiciais que dem onst ram a im port ância e a com plexidade desses argum ent os no raciocínio j urídico. Explica em que sent ido o Direit o é um a prát ica aut orit at iva e dem onst ra a est rut ura dos argum ent os de aut oridade ( prát icas ou t eóricas) , para ent ão concluir ressalt ando em que consist e o carát er peculiarm ent e lim it ado da prát ica j udicial.

PALAVRAS- CH AVE: Argum ent ação j urídica. Argum ent o de aut oridade. Aut oridade prát ica. Aut oridade t eórica. Razões aut orit at ivas. Direit o com o prát ica aut orit at iva. Lim it es da j urisdição.

ABSTRACT

The art icle seeks t o clarify t he m eaning of t he argum ent s of aut horit y in t he Law. The aut hor uses exam ples of j udicial decisions t hat dem onst rat e t he im port ance and com plexit y of t hese argum ent s in legal reasoning. He explains t he Law as an aut horit at ive pract ice and shows t he st ruct ure of t he aut horit y argum ent s ( pract ical or t heoret ical) ; and concludes by em phasizing t he peculiarly lim it ed charact er of j udicial pract ice.

KEYW ORDS: Legal reasoning. Authority Argum ent. Practical authority. Theoretical authority. Authoritative reasons. Law as an aut horit at ive pract ice. Lim it s of j urisdict ion.

RESUMEN

El t ext o pret ende elucidar el signif‌icado de los argum ent os de aut oridad en el Derecho. El aut or ut iliza ej em plos de decisiones j udiciales que dem uest ran la im port ancia y la com plej idad de est os argum ent os en el razonam ient o j urídico. Explica en qué sent ido el Derecho es una práct ica aut orit at iva y dem uest ra la est ruct ura de los argum ent os de aut oridad ( práct ica o t eórica) , para luego concluir dest acando en qué consist e el caráct er peculiarm ent e lim it ado de la práct ica j udicial.

PALABRAS CLAVE: Argum ent ación j urídica. Argum ent o de aut oridad. Aut oridad práct ica. Aut oridad t eórica. Razones aut orit at ivas. Derecho com o práct ica aut orit at iva. Lím it es de la j urisdicción.

M anuel At ienza

Tradução de:

André Ruf‌i no do Vale

RESUMO

Manuel At ienza e André Ruf‌i no do Vale - O argum ent o de aut oridade ...

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Disponível em : www.univali.br/ periodicos

O t ext o que segue pret ende esclarecer o signif‌i cado dos argum ent os de aut oridade no Direit o. Sigo, para isso, um cam inho que a algum leit or poderia parecer aleat ório e que consist e no seguint e. Part o de um a recent e polêm ica sobre a Lei Ant it abaco na Espanha, que m e leva a colocar o problem a da legit im idade dos argum ent os de aut oridade. I nt roduzo, ent ão, alguns exem plos de decisões j udiciais que m ost ram a im port ância que os argum ent os de aut oridade t êm no Direit o; e assinalo, em continuação, as com plexidades que o conceito de autoridade em geral apresenta. Explico, a partir daí, em que sent ido o Direit o é um a prát ica aut orit at iva, para passar a m ost rar, em seguida, qual é a est rut ura dos argum ent os j urídicos baseados em aut oridades: prát icas ou t eóricas. E concluo ( ret ornando aos exem plos j udiciais ant eriorm ent e int roduzidos) ressalt ando em que consist e o carát er peculiarm ent e lim it ado da prát ica j udicial.

1 UMA POLÊMICA SOBRE A LEI ANTITABACO

Em 11 de j aneiro passado, o conhecido e prest igiado linguist a Francisco Rico escreveu um art igo no Jornal El País ( “ Teoria e realidade da lei cont ra o fum ant e” ) que desencadeou um a considerável polêm ica. Rico se lançava em t erm os m uit os duros cont ra a Lei Ant it abaco que acabava de ent rar em vigor e que, essencialm ent e, vinha a proibir que se pudesse fum ar em qualquer espaço fechado de uso público. Considerava a lei, em aspect os m uit o im port ant es, com o “ um golpe baixo à liberdade, um a m ost ra de est upidez e um a vilania” ; ent re out ras coisas, desqualif‌icava os argum ent os que se cost um am ut ilizar a favor de m edidas drást icas cont ra o t abagism o e que supõem apelar à aut oridade, aos danos que o t abaco, segundo a opinião dos especialist as, ocasiona à saúde: “ não poucos dent re os argum ent os cont ra o t abaco – escrevia Rico – carecem de rigor cient íf‌ico e são sim ples frut o do desconhecim ent o pelas at uais insuf‌iciências da pesquisa”. Seguia um argum ent o ( o reforço do ant erior) a part ir de um exem plo: “ com o quando, faz uns anos, o azeit e de oliva era considerado m al para o colest erol e assim era excluído da ‘saudável diet a m edit errânea’, na qual hoj e t ant o se consideram suas virt udes”. E concluía com um a desqualif‌icação geral da lei: “ com absolut a desconsideração dos dados, da vont ade e do sofrim ent o alheios, sacrif‌ica o indivíduo próxim o no alt ar de um rem ot o ideal genérico. Livre- nos Deus dos alt os princípios”. E um a not a f‌i nal: “ Em m inha vida fum ei um só cigarro”.

O ar t ig o su scit ou m u it as car t as d e p r ot est o ao d ir et or. Em u m a d elas ( d o d ia 1 4 , r epr esent at iva, cer t am ent e, do que m uit os pensaram sobr e ele) , a leit ora não colocava em dúvida que Rico fosse “ um grande linguist a”, m as – acr escent ava – “ sua ignor ância no cam po da saúde, no t abagism o em concr et o, é not ável”. E denunciava, adem ais, que, com o podia ser aver iguado facilm ent e clicando no Google, Rico “ fum a com o um a cham iné”, o que a levava a t er m inar sua car t a assim : “ Per doe- m e, senhor Rico, não fale do que não sabe; suas m ent iras e insult os invalidam com plet am ent e seus ar gum ent os”.

No f‌i nal de algum as sem anas, o m esm o diário ( El País de 13 de fevereiro) publicava um art igo de Javier Cercas, int it ulado ironicam ent e “ Rico, ao paredão”. Sust ent ava ali ( e em um a cart a esclarecedora de 21 de fevereiro) que o j ornalism o, com o a ciência ou a hist ória, é um a em presa int erpret at iva e que “ t oda int erpret ação supõe o uso da im aginação”, razão pela qual não t inham sent ido as crít icas que haviam dirigido a Rico ( de quem Cercas af‌irm ava – com orgulho – haver sido aluno) por sua supost a falsidade, pois para ele era óbvio que se t rat ava sim plesm ent e de um a brincadeira: “ Rico não é um fum ador: é um hom em pregado ao cigarro, um t ipo que em suas inum eráveis aulas, conferências e int ervenções na im prensa, radio e t elevisão, raram ent e apareceu sem um cigarro na m ão, ou pelo m enos j am ais ocult ou seu vício incont rolável”. Cercas não ent rava a fundo nos argum ent os, m as acusava – caberia dizer assim – os crít icos de Rico de est arem argum ent ando sim plesm ent e ad hom inem , enquant o est ariam desqualif‌icando os argum ent os de Rico cont ra a lei sim plesm ent e porque est e fum ava: “ a validade de um argum ent o é independent e de quem o ut iliza: dois m ais dois são quat ro, independent em ent e de que quem o af‌i rm e sej a m at em át ico ou t oureiro”.

A polêm ica adquiriu um t om part icularm ent e áspero devido à int ervenção de um periodist a e escrit or, Arcadi Espada, que, ao que parece, vinha discut indo com Cercas desde algum t em po, e de

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INTRODUÇÃO

Revist a NEJ - Elet rônica, Vol. 17 - n. 2 - p. 144- 160 / m ai-ago 2012

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m aneira pouco am ist osa, acerca da verdade j ornalíst ica e da verdade lit erária. Espada aproveit ou a ocasião para fazer Cercas saber pessoalm ent e os riscos que t em o uso da f‌icção no j ornalism o; com esse propósit o, publicou no El Mundo ( de 15 de fevereiro) um a coluna na qual fazia referência a um a not ícia que ele havia invent ado ( com o o esclareceu em pouco t em po) , segundo a qual Cercas havia sido det ido em um prost íbulo: af‌irm ava que disso se est ava falando em algum a conversa t elevisiva e que a ele ( a Espada) não lhe parecia bem .

Pois bem , deixando de lado ( relat ivam ent e) est a últ im a quest ão sobre a verdade, a f‌icção e a falsidade e sobre os lim it es da discussão racional, m e parece que t em int eresse quest ionar- se se a “ brincadeira” de Rico e a defesa que dela faz Cercas são ou não acert adas. Minha opinião é que não, pelo seguint e.

Cert am ent e, não há por que se opor ao uso da ironia, do hum or, da f‌icção, et c. em um a argum ent ação. Porém , que result e adequado ou não fazê- lo depende de cert os dados cont ext uais. Supondo ( com o parece ser razoável fazê- lo) que o art igo de Rico era de opinião e est ava dirigido a t rat ar de persuadir a opinião pública da inj ust iça da lei ( ou de alguns aspect os dela) , o acert o ou não de sua not a haveria que ser j ulgado em t erm os de se podia ou não cont ribuir ao logro desse obj et ivo: à persuasão racional de seu audit ório. E a respost a – m e parece – é que não, vist o que a im ensa m aioria dos leit ores ( eu ent re eles) não podia saber que Rico era um fum ador t enaz, de m aneira que t am pouco podia int erpret ar a not a com o um a brincadeira, senão com o um reforço dos argum ent os cont idos no art igo ( est a últ im a t am bém foi a int erpret ação que fez a “ Defensora do leit or”, no El País de 20 de fevereiro) . Poder- se- ia dizer, ent ão, que o erro de Rico foi, t alvez ( insist o, se a f‌i nalidade de seu art igo era a de persuadir sobre cert as t eses) , de t ipo ret órico.

No caso de Cercas, creio eu que seu erro na defesa que faz de Rico é duplo: não só se equivoca ao ident if‌icar m al o t ipo de at o de linguagem que se cont ém na not a de Rico, senão t am bém em sua pret ensão de que a not a em quest ão não podia t er nenhum valor argum ent at ivo, vist o que, em sua opinião, a validade de um argum ent o é com plet am ent e independent e das circunst âncias pessoais de quem o em it e. Ou sej a, para...

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