As cotas raciais e sociais em universidades públicas são injustas?

AutorLincoln Frias
CargoDoutor em filosofia, pesquisador do NEPC-UFMG
Páginas130-156
As cotas raciais e sociais em universidades
públicas são injustas?
Lincoln Frias*
1. Considerações iniciais
É injusto que um negro ou um pobre entre na universidade públi-
ca com uma nota menor do que os candidatos não-cotistas? Em Maio de
2012, 180 instituições públicas de ensino superior brasileiras (incluindo
universidades, faculdades e institutos federais ou estaduais) ofereciam al-
gum tipo de ação af‌irmativa a pobres, negros ou indígenas1. Sendo que das
59 universidades federais, 32 ofereciam cotas para estudantes vindos de
escolas públicas, 21 ofereciam cotas para negros e pardos, 19 ofereciam
cotas para indígenas e 7 ofereciam cotas para portadores de def‌iciência2.
O debate brasileiro sobre cotas (ou “reserva de vagas”) nas universi-
dades públicas atingiu seu ápice em 2012. Em Abril, o Supremo Tribunal
Federal julgou a ADPF 186, na qual o partido Democratas questionava
as cotas raciais na UnB. A decisão do STF estabeleceu que as elas não são
inconstitucionais. Em Agosto, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei
de Cotas Sociais, 12.711, a qual determina que até agosto de 2016 todas
as instituições de ensino federais deverão (1) reservar no mínimo 50% das
vagas para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas,
(2) que metade dessas vagas (ou 25% do total) devem ser reservadas para
* Doutor em f‌ilosof‌ia, pesquisador do NEPC-UFMG. E-mail: lincolnfrias@gmail.com
1 EDUCAFRO, 2012.
2 PORTAL G1, 2012.
Direito, Estado e Sociedade n.41 p. 130 a 156 jul/dez 2012
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estudantes cujas famílias têm renda de até um salário mínimo e meio e
que (3) as instituições deverão reservar nesses 50% das vagas um número
de vagas para autodeclarados negros, pardos e índios no mínimo igual à
proporção de negros, pardos e índios identif‌icada pelo IBGE na unidade da
federação em que estão situadas. Em resumo, 50% das vagas serão dividi-
das entre estudantes de escolas públicas, pobres, negros, pardos ou índios
e 50% será destinado à ampla concorrência.
O objeto desse artigo não é nem a análise constitucional da decisão
sobre a ADPF 186 nem a discussão das porcentagens estabelecidas pela
Lei 12.711. O que se pretende aqui é analisar a questão moral que motiva
o debate em torno tanto da ADPF quanto da lei: é justo reservar vagas em
universidades públicas para pobres e negros? É injusto que um negro ou
um pobre entre na universidade pública com uma nota menor do que os
candidatos não cotistas?
Uma cota social é a reserva de um número vagas para certos candidatos
com o objetivo de garantir a igualdade de oportunidades. Por sua vez, a
cota racial é a reserva de vagas para membros de determinada cor, raça ou
etnia. A principal hipótese desse estudo é que as cotas raciais se justif‌icam
apenas como cotas sociais (daqui em diante, chamada de Cotas Raciais como
Cotas Sociais). De acordo com ela, as cotas raciais são justif‌icadas moral-
mente apenas na medida em que for possível demonstrar (1) que as cotas
sociais são moralmente justif‌icadas e (2) que as cotas raciais são um tipo
de cota social.
A hipótese das Cotas Raciais como Cotas Sociais vai contra boa parte
do discurso a favor das cotas raciais, pois ela signif‌ica dizer que as cotas
raciais não se justif‌icam como compensação pela escravidão (uma justif‌ica-
tiva que olha para trás), mas apenas como um instrumento para estabelecer
a igualdade de oportunidades (uma justif‌icativa que olha para frente), na
medida em que a cor da pele ou raça sejam um marcador razoável sobre
quem sofreu desvantagens injustas. Outra especif‌icidade das Cotas Raciais
como Cotas Sociais é que, como será defendido adiante, estudos empíricos
são necessários para mostrar se as cotas sociais são justif‌icadas e se as cotas
raciais são um tipo de cota social.
A primeira seção procura mostrar que o Argumento da Igualdade de
Consideração contra os dois tipos de cota é equivocado, pois trata a igual-
dade como igualdade estrita e não como equidade. Em direção oposta, a
segunda seção defende que o Argumento da Compensação pela Escravidão
As cotas raciais e sociais em universidades públicas são injustas?
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