As culturas digitais dos Pontos de Cultura e Lan houses

AutorAdriano Belisário - Juliana Lopes
Páginas17-46
As culturas digitais dos Pontos de Cultura e Lan houses
Adriano Belisário2
Juliana Lopes3
Apresentamos neste texto algumas ref‌lexões sobre a cultura digital e seu papel
nas políticas públicas de cultura no Brasil, expondo e analisando modos do poder
público fomentar espaços de criatividade e inovação na sociedade civil. O recorte
dado são as experiências da Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro no
reconhecimento e fortalecimento das lan houses e Pontos de Cultura como espaços
de sociabilidade educativa e cultural da juventude. Porém, antes de adentrarmos
nos detalhes desta ação local, apresentaremos aspectos conceituais e históricos por
trás de tais práticas, com foco nos usos sociais das Novas Tecnologias de Infor-
mação e Comunicação e seu entrelaçamento com políticas públicas em prol da
diversidade cultural.
Por vezes, a grande abrangência do conceito de cultura digital faz com que
o mesmo seja visto como “impreciso” (FERNANDES, 2010, p.163) e “carente
de alguma conf‌iguração” (BARBOSA, 2011, p.13). Entendemos que a ideia de
cultura digital corre o risco de homogeneizar práticas distintas e que não se def‌ine
através da simples oposição a algum tipo de “cultura analógica”. Sabemos que em
seu âmbito também se inscrevem práticas negativas de vigilância, agressão ao meio
ambiente através do desenvolvimento de produtos com obsolescência programada,
invasão de privacidade, controle e mercantilização da informação e das relações
humanas, entre outras. De fato, pode-se pensar que não existe apenas uma, se-
2 Bacharel em Comunicação Social (Jornalismo) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
e formando em Filosof‌ia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Desenvolve pesquisas
autônomas na área de produção cultural com tecnologias livres e atua como coordenador do
Pontão de Cultura Digital da ECO/UFRJ.
3 Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em História,
Política e Bens Culturais – CPDOC – Fundação Getúlio Vargas e Bacharel em Produção Cul-
tural pela Universidade Federal Fluminense.
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não várias culturas digitais. No entanto, neste artigo, utilizaremos o termo para
identif‌icar ações de produção de cultura livre com tecnologias abertas, através de
processos colaborativos de apropriação das novas mídias.
Destacaremos o importante papel que o conceito teve na concepção dos Pon-
tos de Cultura, através de um breve relato de alguma de suas formulações iniciais
no Ministério da Cultura (MinC) na gestão de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Será
apresentada também a abordagem da Superintendência de Cultura e Sociedade da
Secretaria de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, durante a gestão da Secretária
Adriana Rattes, sobre políticas públicas a favor da diversidade cultural e da cultura
digital. Ao f‌inal do texto, faremos um diagnóstico de alguns desaf‌ios futuros para
esta área, em especial no que tange à adoção do conceito de cultura digital em
Pontos de Cultura, lan houses e nos próprios governos.
Tecnoculturas, gambiarras e conhecimento livre
Atualmente, a cultura está no centro dos debates sobre identidade e coesão
social. Conforme a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural,
o conceito é entendido como o “conjunto de traços distintivos espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que
compreende, além das artes e das letras, os modos de vida, as formas de convivência,
os sistemas de valores, as tradições e as crenças” (UNESCO, 2001, p.5).
Dentre estes traços materiais que caracterizam os modos de vida dos diversos
grupos sociais, estão as tecnologias e técnicas que medeiam a relação do homem com
o mundo e com seus pares. Assim, cultura e tecnologia são aspectos indissociáveis
da vida humana. Toda produção cultural envolve em si uma técnica específ‌ica
e, na maior parte dos casos, também o manejo de uma tecnologia. Não se trata,
portanto, de adotar uma postura de tecnof‌ilia ingênua ou tecnofobia paranóica,
pois as tecnologias em si não são boas ou ruins. São os usos e apropriações destas
(inf‌luenciados por condições histórico-culturais) que irão determinar seus valores
ou signif‌icados.
Compreendida assim, a cultura não se encontra restrita às linguagens artísticas
e às belas-artes. Este entendimento ampliado envolve necessariamente o desenvol-
vimento de políticas de valorização de direitos e práticas cidadãs, efetivadas não
somente pelos meios jurídicos ou institucionais, mas principalmente pelas inte-
rações sociais cotidianas. Neste contexto, é importante a valorização do processo
cultural e não apenas de seu produto, fruto da razão econômica do mercado e da
indústria. Ao se atuar no âmbito do processo cultural, o importante é a trajetória
percorrida: o caminho por onde passam as relações humanas. Esta compreensão

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