Avaliação da democracia togada passa pelas causas e efeitos

“Acho que decisão política tem que tomar quem tem voto. Agora, a inércia do Congresso traz riscos para a democracia. E proteger as regras da democracia é um papel do Supremo”. Com essas palavras, relativas à questão das doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, o ministro Luís Roberto Barroso talvez tenha sintetizado um novo referencial de atuação do Supremo Tribunal Federal, em sua coerente e corajosa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, publicada no dia 22 de dezembro de 2013.[1]

Coerente entrevista por expressar uma concepção que marca, há muito, a trajetória pessoal de Barroso, seja como doutrinador[2], seja como advogado.[3] Corajosa por expor, de maneira clara e honesta, a crença de que o STF tem um papel de tal modo proeminente no sistema institucional brasileiro, que pode substituir a atuação dos demais poderes — exercendo, portanto, diretamente suas funções — quando considerar, segundo seus próprios critérios, que esses poderes se encontram de algum modo inertes, em formulação que, para muitos, seria a síntese do ativismo judicial.[4]

Em suma, o exercício subsidiário das funções dos demais poderes pelo Supremo teria como fundamento um déficit de atuação por parte do Executivo e do Legislativo. A insuficiência dos representantes popularmente eleitos na implantação de políticas públicas ou na elaboração de normas é que habilitaria o tribunal, por exemplo, a determinar a realização de um programa de saúde pública não priorizado pelo governo da hora[5] ou a fixar uma norma geral e abstrata em matéria não contemplada pelo Congresso Nacional.[6]

Assim, examinado esse argumento sob outra óptica, é possível afirmar que a base para a atuação excepcional do Supremo estaria no reconhecimento de uma incapacidade popular no exercício da cidadania, que levaria à reiterada escolha de representantes — administradores e legisladores — incapazes de realizar o conteúdo democrático da Constituição. O STF, nessa perspectiva, salvaria o povo de suas próprias escolhas, desempenhando, no sistema institucional brasileiro, um papel orientador e corretivo dos poderes constituídos, papel esse que, em condições normais, seria do eleitorado.

Tal lógica, porém, não é nova na história das instituições políticas brasileiras. São vários os casos de órgãos de poder que, diante de um eleitorado por eles tido como fraco ou insuficiente, incapaz de escolhas consideradas por esses mesmos órgãos como corretas, passaram a desempenhar tarefas de suplementação democrática.

Exemplo mais gritante dessa realidade talvez se tenha na experiência do sistema parlamentar do Segundo Reinado[7], em que a alternância dos partidos políticos no poder se dava pelo desígnio do imperador e não pela vontade popular manifestada nas eleições, no que já foi chamado de “doutrina brasileira do Poder Moderador”.[8]

Ante a insuficiência do eleitorado, cabia ao imperador, segundo sua visão pessoal acerca das necessidades da população e das urgências do Estado, chamar à composição de um novo gabinete esta ou aquela agremiação partidária, independentemente de contar com a maioria no Parlamento. Era o “parlamentarismo às avessas” — em que o monarca fazia as vezes do povo —, denunciado de forma magistral por José Thomaz Nabuco de Araújo no famoso Discurso do Sorites.[9]

Nessa realidade...

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