O debate bioético em torno à ideia de pessoa humana

AutorEdna Raquel Hogemann
CargoDoutora em Direito, UGF/RJ, professora adjunta do Curso de Direito da UNIRIO, professora do PPGD/ UNESA, pesquisadora da FAPERJ, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DC, Membro associada da SBPC
Páginas100-118

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ISSN Eletrônico 2175-0491

O DEBATE BIOÉTICO Em TORNO À IDEIA DE PESSOA HUmANA

THE BIOETHICAL DEBATE AROUND THE IDEA OF HUMAN PERSON

EL DEBATE BIOÉTICO ALREDEDOR DE LA IDEA DE PERSONA HUMANA

Edna Raquel Hogemann 1

RESUMO

O presente ensaio promove uma análise a respeito das diversas concepções e distinções relativas à concepção bioética de pessoa humana, tendo em conta o pressuposto básico de que as diversas ideias de pessoa supõem-se apresentadas em correspondência a épocas ou sociedades determinadas e que dessa maneira

devem ser consideradas. Pretende a autora, por meio da utilização do método dialético, identiicar os aspectos contraditórios, impregnados do contexto socioeconômico, cultural e ideológico subjacentes à discussão que dá

origem à presente relexão. O tema é desenvolvido enfocando o fenômeno sob perspectiva histórica e diacrônica. Examina a origem e aponta as distinções conceituais entre ser humano, homem, indivíduo e pessoa humana; entre indivíduo, individualidade, subjetividade e personalidade e analisa as diversas concepções sobre pessoa

humana, a saber: a concepção religiosa de São Tomás de Aquino, inluenciada por Boécio, a concepção racional de Kant, a ideia de pessoa e alteridade em Lèvinas, para indar discorrendo sobre os aspectos fundamentais e inovadores no humanismo levinasiano e as implicações jusilosóicas ligadas à ideia de pessoa humana.

PALAVRAS-CHAVE: Fundamentos. Pessoa humana. Bioética.

ABSTRACT

This assay gives an analysis on the various concepts and distinctions relating to the bioethical concept of human person, taking the basic premise that the various ideas of person are assumed to be presented in accordance with determinant periods or societies, and that these should therefore be considered. The author seeks, through the use of the dialectic method, to identify the contradictory, impregnated aspects of the socio-economic cultural and ideological the context underlying the discussion that led to this relection. The theme is developed focusing on the phenomenon from a historical and diachronic perspective. It examines the origin and indicates the conceptual distinctions between human being, man, individual, and human person;

and between individual, individuality, subjectivity and personality, and analyzes the various concepts of human person: the religious concept of St. Thomas Aquinas, inluenced by Boecius; the rational concept of Kant; and the idea of person and alterity in Lèvinas. It concludes by addressing fundamental and innovative aspects of Levinasian humanism, and the jusphilosoical implications of the idea of human person.

KEYWORDS: Bases. Human Person. Bioethics

RESUMEN

El presente ensayo promueve un análisis a respecto de las diversas concepciones y distinciones relativas a la concepción bioética de persona humana, teniendo en cuenta el presupuesto básico de que las diversas

1 Doutora em Direito, UGF/RJ, professora adjunta do Curso de Direito da UNIRIO, professora do PPGD/

UNESA, pesquisadora da FAPERJ, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/DC, Membro associada da SBPC ershogemann@gmail.com

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ideas de persona se suponen presentadas en correspondencia a épocas o sociedades determinadas, y que de esa manera deben ser consideradas. La autora pretende, por medio de la utilización del método dialéctico,

identiicar los aspectos contradictorios, impregnados por el contexto socioeconómico, cultural e ideológico subyacente a la discusión que da origen a la presente relexión. El tema se desarrolla enfocando el fenómeno bajo una perspectiva histórica y diacrónica. Examina el origen y señala las distinciones conceptuales entre ser humano, hombre, individuo y persona humana; entre individuo, individualidad, subjetividad y personalidad, y analiza las diversas concepciones sobre persona humana, a saber: la concepción religiosa

de Santo Tomás de Aquino, inluenciada por Boecio, la concepción racional de Kant, la idea de persona y alteridad en Lèvinas, para inalizar discurriendo sobre los aspectos fundamentales e innovadores en el humanismo levinasiano y las implicaciones iusilosóicas vinculadas a la idea de persona humana.

PALABRAS CLAVE: Fundamentos. Persona humana. Bioética.

INTRODUÇÃO

Ao longo da história da civilização ocidental, a ideia de pessoa foi construída a partir de referenciais axiológicos e ontológicos muito próprios de cada época, mas sempre vinculada a pressupostos de ordem ilosóica e biológica, os quais não mais conseguem dar conta das novas situações produzidas pela denominada era genômica, centradas na igura do embrião humano.

Tem-se a plena consciência de que este debate está muito longe de se ter por esgotado, mesmo porque não existe resposta unívoca à Ideia de Pessoa. Diversas ideias de pessoa existem. O presente ensaio aponta no sentido não necessariamente de criar uma nova, mas analisar as distinções entre as existentes, a ponto de discriminar a ideia mais potente. Note-se que as ideias de pessoa supõem-se apresentadas em correspondência a épocas ou sociedades determinadas e dessa maneira devem ser consideradas.

Busca-se, por meio da utilização do método dialético, identiicar os aspectos contraditórios, impregnados do contexto socioeconômico, cultural e ideológico subjacentes à discussão que dá origem à presente relexão.

O tema é desenvolvido enfocando o fenômeno sob perspectiva histórica e diacrônica. Examina a origem e aponta as distinções conceituais entre ser humano, homem, indivíduo e pessoa humana; entre indivíduo, individualidade, subjetividade e personalidade e analisa as diversas concepções sobre pessoa humana, a saber: a concepção religiosa de São Tomás de Aquino, inluenciada por Boécio, a concepção racional de Kant, a ideia de pessoa e a alteridade em Lèvinas, para indar discorrendo sobre os aspectos fundamentais e inovadores no humanismo levinasiano e as implicações jusilosóicas ligadas à ideia de pessoa humana.

PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES

O desenvolvimento de técnicas cientíicas que possibilitaram a manipulação do material biológico humano, a concepção da vida humana in vitro, ou seu desenvolvimento através da clonagem, atingiu tal estágio de soisticação que coloca em dúvida conceitos até então considerados como inquestionáveis, como o que é ser pessoa ou simplesmente ser humano. As implicações ilosóicas, sobretudo no campo da ética e da moral, são de relevância para a determinação desses limites.

Barreto (2003, p. 220) observa que os conceitos deinidos como fundamentos para o sistema normativo da sociedade liberal-burguesa carecem de outra leitura do seu signiicado e de sua função na estrutura jurídica face aos avanços do conhecimento cientíico e do mundo novo construído pela engenharia genética.

A tutela jurídica dos direitos da personalidade, da qual, no quadro da teoria geral do Direito, o conceito de pessoa é fundamento, foi objeto de uma das mais festejadas mudanças da parte geral do novo Código Civil Brasileiro, que pode ser resumida na inserção de um capítulo próprio, a tratar dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21). Em verdade, não se trata bem de novidade, já que a

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Constituição Federal traz proteção até mais abrangente, principalmente no seu art. 5º, caput, que consagra alguns dos direitos fundamentais da pessoa natural.

Entretanto essa inserção não retira do tema suas diiculdades conceituais, alimentadas, sobretudo, de um lado, pela exposição da pessoa humana a novas situações promovidas pelos avanços da tecnologia e os agrupamentos urbanos; de outro, por uma doutrina que parece buscar em paradigmas do passado as bases para as soluções das controvérsias que, geradas na sociedade contemporânea, não se ajustam aos modelos nos quais se pretende enquadrá-las (TEPEDINO, 1999, p. 23).

No quadro do ordenamento jurídico brasileiro em vigor, lastreado pela teoria natalista, o ser humano nascido com vida passa a ser considerado como pessoa, sujeito de direitos e garantias. Obviamente, são resguardados os direitos do nascituro, todavia se discute se o nascituro é pessoa virtual, cidadão em germe, homem in spem. Seja qual for a conceituação, há para o feto uma expectativa de vida humana, uma pessoa em formação. A lei não pode ignorá-lo e por isso lhe salvaguarda os eventuais direitos. Todavia igual tratamento não possui o embrião extrauterino, crio-preservado ou congelado, estando silente o ordenamento jurídico a seu respeito.

Entre as possíveis indagações formuladas e discutidas em relação ao embrião extra utero, uma em particular será o objeto de nossas inlexões: O embrião in vitro poderá ser considerado pessoa no sentido jurídico-ilosóico da palavra? As respostas encontradas remetem necessariamente à ideia de pessoa humana e à diiculdade do conceito de pessoa em um contexto bioético, eis que ele [o embrião] sintoniza perfeitamente com a ética, mas não com a biologia (LEPARGNEUR, 1996, p.
16). Segundo essa perspectiva de análise, várias antropologias se debatem e se repelem.

Ainda que não haja respostas acabadas sobre o tema, uma tendência acerca do status moral do embrião humano produzido em laboratório revelou-se fundamental para a aprovação do texto inal da Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005, - Lei de Biossegurança - que regulamenta os incisos II, IV e V do parágrafo 1° do artigo 225 da Constituição Federal, que permite, para ins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento.

O nó crítico da questão reside em deinir se a ideia de pessoa humana, tal como concebida, pode ser atribuída ao embrião e, em não sendo o caso, qual o status moral do embrião...

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