Biodiversidade brasileira: uma visão sobre os instrumentos legais destinados a sua proteção

AutorMajoe de Meirelles Siqueira
Páginas1-89

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Introdução

A biodiversidade, conceituada no art. 2º da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) como “... a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte ...”, é considerada um importante recurso natural, tanto pela importância ambiental, quanto pelos resultados econômicos que pode propiciar. Entretanto, os benefícios advindos do uso desse recurso, bem como sua preservação, estão diretamente vinculados à política adotada pelo país com relação ao seu patrimônio, ou seja, sua biodiversidade.

O Brasil, ao incorporar em seu ordenamento jurídico a CDB, aprovada pelo Decreto Legislativo 02/94 e promulgada pelo Decreto 2.519/98, assumiu o compromisso de cumprir os objetivos estabelecidos nessa Convenção e, desde então, observam-se importantes avanços não só no aspecto legislativo, mas na própria concepção e internalização dos conceitos de preservação e conservação da natureza pela doutrina e pela jurisprudência. Além disso, a natureza, e as conseqüências dos atos praticados contra ela deixaram de ser temas de ambientalistas, ganhando a preocupação de todos, que passaram a exigir maior rigor na prática de atividades que comportem risco ao ambiente.

No capítulo 1 discute-se o conceito e a importância da biodiversidade. Analisa-se que a utilização desse recurso, no mundo de uma maneira geral, e em particular no Brasil, esteve diretamente relacionado à forma de ocupação do espaço e a visão equivocada, tanto de insegotabilidade dos recursos naturais, quanto de que os mesmos, principalmente no que diz respeito as áreas florestais, seriam um entrave ao desenvolvimento econômico e a ampliação das áreas agricultáveis.

Com a CDB ambientalistas e desenvolvimentistas chegam a um ponto comum. Aqueles consideram que a preservação da biodiversidade é essencial ao equilíbrio do planeta. Estes compreenderam que recursos econômicos importantes poderão ser perdidos caso a biodiversidade seja reduzida, principalmente no que diz respeito à extinção de espécies potenciais, que poderiam proporcionar respostas satisfatórias à geração de bens e serviços ao Brasil a partir do desenvolvimento daPage 2 ciência e tecnologia. A partir desse momento a proteção e conservação da biodiversidade passa a ser ponto comum a todos.

A importância do Brasil neste contexto é significativa, pois estudos conduzidos por diversos autores demonstram que o país é detentor de mais de 10% de toda a biodiversidade conhecida1, não se tendo idéia do número de espécies que ainda não foram estudadas. Nesse cenário, importante destacar que “a informação necessária para conhecimento e uso da biodiversidade somente poderá ser produzida com esforços muito centrados para objetivos claros”.2

Tal fato, entretanto, é preocupante se considerado que o Brasil também tem obtido posição de destaque no que se refere aos fatores de perda de biodiversidade, tais como desmatamentos, queimadas, biopirataria, entre outros. Devido a isso, é possível que diversas espécies tenham sido extintas sem que sequer fossem conhecidas e estudadas. Nesse contexto, apenas com instrumentos legais e políticas públicas eficazes será possível combater os malefícios causados à biodiversidade.

É por esta razão que, no capítulo 2, é elencada a legislação aplicável à biodiversidade. Num primeiro momento discorre-se sobre a forma de proteção dos recursos naturais na Constituição Federal de 1988. Em seguida, com fulcro no trabalho de Simone WOLFF sobre o grau de adequabilidade da legislação brasileira à CDB, bem como outros autores que tratam da matéria, analisa-se alguns dos instrumentos legais aplicáveis ao tema, destacando os principais aspectos relacionados à biodiversidade.

No capítulo 3 trata-se exclusivamente da CDB e seus reflexos. Discorre-se sobre sua origem e instrumentos legais que possibilitaram sua incorporação ao ordenamento jurídico brasileiro, elencando-se, ainda, vários artigos. Em seguida, são apresentados comentários sobre a Política Nacional de Biodiversidade (PNB), o Programa Nacional de Diversidade Biológica (PRONABIO) e o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (PROBIO). Finalmente, é analisado o subprojeto Avaliação e Identificação de Áreas Prioritárias paraPage 3 Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade considerado um subsídio fundamental para a gestão ambiental do país.

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1 Biodiversidade: Aspectos Gerais

O presente capítulo tem como objetivo viabilizar a compreensão inicial do tema biodiversidade, mediante a definição de seus conceitos jurídico e biológico, sua importância, a abordagem dos aspectos gerais referentes a influencia da ocupação do espaço nos recursos naturais e, ainda, a representatividade da biodiversidade no Brasil.

1. 1 Conceitos e importância

A biodiversidade pode ser considerada, em síntese, como o recurso que reflete a riqueza da vida na Terra, devendo ser abordada, segundo Richard PRIMACK sobre três aspectos:3

A diversidade biológica no nível das espécies inclui toda gama de organismos da Terra, (...). Em uma escala mais precisa, a diversidade biológica inclui a variação genética dentre as espécies, tanto entre as populações geograficamente separadas como entre os indivíduos de uma mesma população; A diversidade biológica também inclui a variação entre as comunidades biológicas nas quais as espécies vivem, os ecossistemas nos quais as espécies se encontram e as interações entre esses níveis.4

No mesmo sentido conceitua o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), uma das principais instituições não governamentais atuantes na conservação e conhecimento da biodiversidade brasileira:

A biodiversidade expressa a enorme variedade biológica existente no planeta – animais, plantas, microorganismos e os genes contidos em cada ser – assim como a interdependência entre essas formas de vida. A diversidade de espécies é essencial para manter o equilíbrio ambiental pois quanto mais simplificado é o ecossistema, menor a sua capacidade de regeneração face a interferências causadas pelo Homem ou pelo próprio meio.5

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Entretanto, a biodiversidade pode ser definida, em um conceito mais simplista, “... como o número de espécies encontradas em uma comunidade, uma medida conhecida como riqueza de espécies”.6

O conceito jurídico de biodiversidade ou diversidade biológica foi introduzido no direito brasileiro com a promulgação da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), oriunda da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro, no ano de 1992 e, comumente denominada Rio-92.

Este conceito pode ser extraído do artigo 2º da CDB, que define biodiversidade como “... a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas7 terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.”8

A CDB foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto Legislativo 02/94 e Decreto 2.519/98 que tratam, respectivamente, da aprovação do texto e de sua promulgação. Importante destacar, que deste momento em diante o Brasil assumiu o compromisso de promover as ações necessárias a implementação das determinações constantes da aludida Convenção.9

O elemento mais importante a ser destacado, com a incorporação da CDB ao direito interno brasileiro, é que o Estado Brasileiro obrigou-se a implementar diversas medidas previstas na Convenção. É bom que se diga – a bem da verdade – que o Brasil vem dando cumprimento às determinações contidas na CDB, não obstante as dificuldades que daí surgem. Diversas são as ações legais e institucionais que vêm sendo tomadas para a integral aplicação da CDB.10

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Os objetivos da CDB são elencados em seu artigo 1º e, segundo Paulo de...

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