A boa-fé nas relações negociais

AutorAna Paula Parra Leite
CargoAdvogada graduada pela Universidade Estadual de Londrina
Páginas25-41
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A boa-fé nas relações negociais
Scientia iuriS, Londrina, v. 14, p. 25-41, nov. 2010
A BOA-FÉ NAS RELAÇÕES NEGOCIAIS
GOOD FAITH IN BUSINESS RELATIONS
Ana Paula Parra Leite*
Resumo: Em decorrência de modificações ideológicas que implicaram
na evolução da concepção do Estado de Liberal para um Estado
Social, paulatinamente, houve a intervenção do Estado nas relações
privadas, que passaram e ter contornos de socialidade. Atento a isto, o
legislador pátrio elaborou o Código Civil de 2002, um texto inspirado
em ditames constitucionais de igualdade, dignidade da pessoa humana
e solidariedade. Fundado nesta nova ideologia, os contratos sofreram
inúmeras modificações, sempre na observância dos princípios
informadores do novo codex, quais sejam: eticidade, socialidade e
operabilidade. Nesse sentido, importante é o estudo da boa-fé objetiva
com suas funções hermenêutico-integrativa, criadora de deveres laterais,
anexos ou instrumentais e limitadora de direitos subjetivos.
Palavras-chave: Contratos. Princípios. Boa-fé.
Abstract: As a consequence of ideological changes, that implicated
the evolution of the conception of State, from Liberal to a Social one,
gradually there was an intervention of the State in private relationships,
that gained a proper sociality. With attention to that, the legislator
elaborated the Civil Code of 2002, a text inspired by constitutional
dictates of equality, dignity of the human being and solidarity. Based
on this new ideology, the contracts suffered too many changes, always
concerning to the principles that inform the new codex, which are: ethics,
sociality and operability. In the same way, it is important the study of
the objective good faith and its hermeneutical and integrative functions,
that creates lateral obligations, annex or instrumental, and limiter of the
subjective rights.
Key-words: Contracts. Principles. Good faith.
* Advogada graduada pela Universidade Estadual de Londrina, Professora da
Universidade Estadual de Ponta Grossa e da Escola da Magistratura do Paraná, Mestre
em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP e Doutoranda em Direito Civil pela
USP. E-mail: parra-leite@uol.com.br.
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Ana Paula Parra Leite
Scientia iuriS, Londrina, v. 14, p. 25-41, nov. 2010
INTRODUÇãO
Durante muito tempo, concebeu-se o Direito como formado por dois ramos
estanques, distintos: o Direito Público e o Direito Privado.
Entretanto, essa dicotomia restou ultrapassada, sendo que inúmeros
institutos tradicionalmente concebidos como de Direito Privado, passaram a
sofrer um processo de publicação.
Nas palavras de Marcos de Campos Ludwig (2002, p. 99) “não podemos mais
conceber o direito privado como um feudo, dentro do qual reina a vontade
absoluta de seu senhor”. E prossegue: “Tampouco logra persistir a imagem do
direito privado como ramo jurídico formado apenas por normas dispositivas
em oposição ao direito público, reino das normas cogentes, ou de ordem
pública”.
É o que aconteceu, por exemplo, como direito de propriedade, que na
atualidade deve exercer uma função social.
Da mesma forma, as relações negociais receberam tamanha influência de
disposições constitucionais garantidoras de direitos fundamentais que é possível
falar-se em uma “constitucionalização no direito privado”.
E é justamente sobre a influência da Constituição nos negócios jurídicos,
mas especificamente com o advento do Código Civil de 2002, que se passa a
discorrer.
2 MODIFICAÇÕES IDEOLÓGICAS FUNDAMENTADORAS DA LIMITAÇãO
DA LIBERDADE DE CONTRATAR
Uma modificação trazida pelo Código Civil/2003 à liberdade de contratar
está em impor o seu exercício “em razão e nos limites da função social do
contrato”.
Não obstante tenha sido inserida expressamente no nosso ordenamento
jurídico apenas com o advento do Código Civil/2002, não se quer afirmar que
a exigência de que o contrato tivesse uma função social já não estivesse inserida
no nosso ordenamento jurídico antes mesmo da entrada em vigor deste codex.
Até que chegássemos à função social do contrato no contexto atual,
necessário se faz traçar um breve paralelo entre o Código Civil de 1916 e o
Código Civil de 2002.
O Código Civil de 1916 foi elaborado na esteira do pensamento da grande
codificação que foi o Código Civil francês, conhecido como o Código de
Napoleão.
Com a elaboração do Código de Napoleão, o que se pretendia era assegurar,

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