A Experiência Brasileira: O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor de 1990

AutorJosé Geraldo Brito Filomeno
CargoAdvogado, consultor jurídico
Páginas13-66

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Excertos

"A grande problemática, porém, e que nos causava grande angústia, é que as grandes questões que envolviam os consumidores, não mais individualmente considerados, mas de forma difusa e coletiva, icavam comprometidas, à falta de um instrumento processual adequado"

"Nossa experiência tanto como proissional dedicado à área operacional do direito do consumidor como na de docente universitário mostra que têm sido produzidos centenas, ou quiçá milhares de TCCs - trabalhos de conclusão de curso, de graduação, outras centenas de dissertações de mestrado e teses de doutorado, além de incontáveis artigos, ensaios e outros trabalhos, não apenas na área do direito"

"Na medida em que as pessoas envelhecem, e se sentem economicamente mais pressionadas, é natural que as organizações de consumidores abordem questões tópicas ou bem especíicas"

"As mais de duas centenas de projetos visando a mudar algum aspecto do CDC demandam, por certo e por cautela, um acompanhamento de perto pelas entidades não governamentais"

"Quanto ao nosso código do consumidor, cremos que conseguimos a um só tempo estabelecer a epistemologia da defesa do consumidor, consubstanciada em princípios fundamentais, que nos parecem ser sua verdadeira alma, bem como cuidar de uma estratégica política de relações de consumo adicionada dos respectivos instrumentos de sua implementação"

"Cremos que a expressão desenvolvimento sustentável, atualmente, já constitui voz corrente tanto no meio empresarial quanto governamental, bem como no da população mais instruída, ou seja, a compreensão de que os recursos naturais presentes na natureza têm sido sistematicamente apropriados pelo homem, com vistas ao atendimento de suas necessidades"

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1. O Código, em síntese

Antes de adentrarmos à questão suscitada, ou seja, se é preferível uma lei especíica de direito dos consumidores a uma série de leis esparsas a cuidarem desta temática, é mister que, primeiramente, façamos uma breve síntese sobre em que consiste, particularmente, o chamado Código (brasileiro) de Defesa do Consumidor.

Há 23 anos, com efeito, mais precisamente em 11 de setembro de 1990, era sancionada a Lei 8.078, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, entrando em vigor seis meses depois, em 11 de março de 1991. Ao contrário do que muitos possam pensar, não se trata nem de uma novidade no cenário jurídico, nem de uma panaceia para todos os males que aligem todos nós, ainal de contas, consumidores de bens e serviços a todo instante de nossas vidas. Com efeito, quando nossa comissão foi designada, em junho de 1988, pelo então ministro da justiça Paulo Brossard, por proposta do extinto Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, a tarefa se nos apresentou como sendo de grande responsabilidade, mas não cuidamos de reinventar a roda, até porque outros países já dispunham de leis de proteção ou defesa do consumidor (e.g., Espanha, Portugal, Canadá, Estados Unidos, Venezuela, México etc.). Além disso, a então IOCU - International Organization of Consumer Unions (hoje CI - Consumer International), baseando-se na Resolução ONU 39/248, de 1985, que, por sua vez, se fundava em célebre declaração do presidente norteamericano John Kennedy, de 15 de março de 1962, a respeito dos direitos básicos e fundamentais dos consumidores (saúde, segurança, indenização por danos sofridos, informação, educação e associação), em congresso realizado em Montevidéu, em 1987, havia aprovado uma assim chamado lei-tipo. Ou seja: recomendava-se aos países iliados à ONU, guardadas as respectivas peculiaridades, que elaborassem leis de defesa ou proteção do consumidor, oferecendo-lhes, até mesmo, um modelo básico. O clima em nosso país, na época, era extremamente propício: a Assembleia Nacional Constituinte estava reunida em Brasília e havia até mesmo um anteprojeto de Constituição, elaborado pelo senador Afonso Arinos de Mello Franco. Desta forma, a comissão incumbida da elaboração de anteprojeto de código do consumidor trabalhou em duas frentes: na Constituinte, assegurando-se de que a defesa do consumidor fosse elevada, como de resto o foi, à categoria de direito fundamental, de cunho individual e social (cf. inciso XXXII do art. 32 da Constituição de 88); e, por outro lado, nos trabalhos do anteprojeto propriamente dito, que foi elaborado em tempo recorde. Ou seja, já em novembro de 1988, o anteprojeto estava pronto, e foi

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publicado em 4 de janeiro de 1989 no Diário Oicial da União, em caderno especial, para amplo conhecimento e para que ainda fossem colhidas sugestões do povo em geral. E sugestões efetivamente foram recebidas, cuidadosamente analisadas, e muitas delas acolhidas. Após os trâmites legislativos, inalmente veio a lume, com alguns vetos que, contudo, não afetaram os principais pontos do anteprojeto, o código que hoje conhecemos.

A segunda questão com que abrimos este artigo diz respeito às limitações do próprio código. Ou seja: ele deve ser entendido como um microssistema jurídico, com princípios próprios, mas de natureza multi e interdisciplinar. Como princípios próprios poderíamos citar, fundamentalmente, o da vulnerabilidade e da destinação inal de produtos e serviços. Isto é, o consumidor, não tendo condições de conhecer técnica ou faticamente os produtos e serviços que são colocados à sua disposição no mercado, ou as circunstâncias em que isso se dá, arrisca-se a se sujeitar a todo tipo de risco e efetivos danos à sua saúde, segurança, economia particular e até mesmo à sua dignidade. Por exemplo: quando adquire um medicamento cujo fator-risco é muito maior do que o fator-benefício, ou, então, uma máquina ou veículo que tem um defeito de fabricação, ou mesmo quando adere a um contrato bancário ou a de um cartão de crédito clonado, em que se vê ameaçado de ter seu nome encaminhado a um banco de dados e negativado. Por isso mesmo, cuidando-se, na lição de Ruy Barbosa, em sua magistral Oração aos Moços, de desiguais - consumidores, de um lado, e fornecedores de produtos e serviços, de outro -, o código cuidou de tratá-los, certamente, de forma desigual. Daí se falar, por exemplo, da inversão do ônus da prova, no processo civil, da responsabilidade civil objetiva ou sem culpa, da interpretação de cláusulas contratuais mais favoravelmente aos consumidores, e outras salvaguardas. Seguem-se, ainda, os princípios da boafé e do equilíbrio que devem sempre, à luz da ética, presidir toda e qualquer relação jurídica. Com efeito, cuida-se de exigir que as partes contratantes ajam com seriedade, honestidade, espírito de cooperação, bons propósitos, para que, enim, da melhor forma possível, se possa atingir a tão almejada harmonia que deve sempre inspirar os negócios jurídicos; e isto, sobretudo, repita-se, no que concerne a personagens tão desiguais. Esta, em síntese, é a epistemologia do código do consumidor.

Por outro lado, entretanto, o código é multidisciplinar, na medida em que contém preceitos de ordem civil (por exemplo, a já mencionada responsabilidade civil objetiva, a tutela contratual, incluídas aí a oferta e a publicidade, práticas de comércio etc.), de caráter penal (ou seja, crimes contra as relações de consumo), de cunho administrativo (sanções nos casos em que especiica), processual (a

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tutela coletiva, sobretudo), e outras particularidades. Entretanto, não se basta. Necessita, muitas vezes, conforme adverte seu artigo 7º, de outras normas já preexistentes, a começar pela Constituição Federal, de normas de caráter civil, processual, administrativo e outras, além de, inclusive, tratados internacionais de que o Brasil seja signatário.

No que concerne a um balanço de aplicação do código, cuida-se de um jovem de 23 para 24 anos, mas que ainda necessita de muito amadurecimento. E esse amadurecimento depende, em grande parte, da educação formal e informal dos próprios consumidores (i.e., desde a tenra idade escolar com noções de cidadania-consumidor-ambiente, até o ensino universitário, e as atividades informativas dos órgãos públicos, entidades não governamentais de direitos do consumidor e, igualmente, dos órgãos de comunicação social), assim como da educação e informação dos fornecedores de modo geral (incremento dos bons serviços de atendimento ao consumidor, aprimoramento das técnicas de qualidade de produtos e na prestação de serviços, sobretudo, prevenção de acidentes de consumo pelo recall e outros instrumentos disponíveis).

E, finalmente...

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