'Capitalismo é só um jeito ruim de organizar o comunismo'

Entrevista concedida pelo antropólogo norte-americano David Graeber ao jornalista Silio Boccanera, para o programa Milênio , da Globo News . O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30.

Protestos de rua tomaram os centros de cidades pelo mundo em tempos recentes com tamanho e estilo diferentes das manifestações parecidas no passado. Incluem desde os indignados que tomaram a Plaza del Sol em Madri, até o Occupy Wall Street que se instalou no centro financeiro de Nova York. Chegou-se à erupção repentina as cidades brasileiras no ano passado, com as periódicas explosões de violência por alguns subgrupos, como os Black Blocs. Protestos começam com uma ou outra causa específica para atacar — desemprego na Espanha, preço de ônibus no Brasil, corrupção na Ucrânia — e logo se ampliam para questionar muito mais. A mídia busca líderes, mas não encontra. Porta-vozes: qualquer um. Listas de reivindicações específicas para negociar não aparecem. Partidos políticos tradicionais são rechaçados. Os manifestantes operam conforme o que alguns chamam de horizontalidade, se ampliando para os lados em contraste com a hierarquia vertical de movimentos semelhantes no passado. Em conjunto, os protestos exibem um aspecto anárquico, parte desobediência civil, parte agressão, parte ocupação de espaço público. O antropólogo americano militante David Graeber, professor da London School of Economics é uma inspiração teórica internacional para muitos dos participantes desses movimentos de rua. Foi ele que cunhou a expressão “nós somos os 99%”, referindo-se à maioria da população contra o 1% da elite. Conhecido pelos artigos e livros que tratam do assunto, Graeber se autoclassifica como anarquista, não no sentido popular da palavra entendida como bagunça e confusão, mas como conceito político. O Milênio foi conversar com Graeber em seu apartamento de Londres.

Silio Boccanera — A explosão no Brasil veio depois de protestos de ruas em vários lugares, no mundo árabe, na Europa, Occupy Wall Street, no qual você teve um grande envolvimento. Quando você olha para estas explosões simultâneas, você encontra mais elementos em comum do que elementos que os diferenciem?

David Graeber — Com certeza. Acho que temos um novo paradigma para o que um movimento democrático significa. Isso começou a acontecer com a primavera árabe, como você disse, e houve um contágio e se espalhou pelo sul da Europa e quando chegou na América se tornou viral para todos os lugares. Vimos o Occupy Nigéria, África do Sul, Paquistão, Hong Kong, quase todos os cantos do planeta. Houve um amplo movimento de repressão, principalmente nos Estados Unidos, mas algo aconteceu depois de 2011. Houve uma ruptura fundamental porque acho que o que aconteceu — e isso mostra porque os protestos no Brasil e na Turquia e em outros lugares que se seguiram tomaram a forma que tomaram — foi que as pessoas abandonaram a ideia de que um movimento democrático significa formar um partido político e participar no processo político formal. Acho que as pessoas reconheceram que o processo político formal não é realmente democrático e não pode ser. Não importa em quem você vota, as políticas são determinadas por uma burocracia global que obedece às finanças e ao capital. Realmente não faz diferença. Não dá para reformar a estrutura. Então, de agora em diante, parece que quando houver um movimento democrático, ele terá a forma de uma democracia direta, de ação direta auto-organizada e as pessoas tentando resolver seus próprios problemas, envergonhando os políticos e, ao fazer essas coisas, demonstrando a irrelevância deles.

Silio Boccanera — Algumas pessoas criticam o fato que esses movimentos não possuem líderes, não têm uma lista de demandas, que não é o modo tradicional de fazer as coisas e que isso não trará nenhum resultado. Você acha que isso é essencialmente parte deles?

David Graeber — Eu posso falar do Occupy Wall Street e foi por isso que funcionou. Houve esforços atrás de esforços para seguir o caminho tradicional. Fazer uma lista de demandas, ter porta-vozes, mesmo no Parque Zuccotti, em Nova York, houve uma tentativa de ocupar o Parque Zuccotti seis meses antes de nós que fez exatamente isso. Eles tinham uma lista de 27 demandas para o governo, tinham porta-vozes, tinham equipes de mídia treinadas, tinham uma organização hierárquica, eles tomaram o rumo convencional e 10 pessoas compareceram. Não deu em nada. Ninguém mais quer fazer isso porque ninguém acredita que vai funcionar. Quando aparecemos com democracia direta, todos participando igualmente e recusando participar no processo político — que vimos como essencialmente corrupto — de repente, milhares de pessoas apareceram. De repente, tínhamos 800 ocupações espalhadas pelos Estados Unidos.

Silio Boccanera — Você é um defensor do anarquismo como uma posição política, como uma política, não anarquismo no sentido de um levante descontrolado, como as pessoas parecem entender, mas como um conceito histórico e...

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