Ministério Público e efetivação de direitos: Auxílio no combate à violência nas novas democracias latino-americanas

AutorAnarda Pinheiro Araújo; Natália Luiza Alves Martins
CargoUniversidade de Fortaleza (UNIFOR)
Páginas279-289

Page 280

1 Introdução

A instituição "democracia" tem raízes já na Antiguidade Clássica, quando o povo, de forma direta, decidia a vida da polis por meio de Assembléias, como é o caso da tão conhecida Democracia Ateniense.

Por outro lado, desde muito cedo, o instituto democrático sempre foi alvo de muitas críticas. Desde Platão e Aristóteles, na Grécia Antiga, até os críticos mais modernos. O fato é que a democracia não pode ser tida como um regime, mas como muitos regimes, pois, em diferentes lugares e culturas, esta foi tratada de forma diversa.

Por exemplo, a democracia clássica era de toda forma direta. Era o povo quem decidia diretamente sobre os assuntos da cidade, ao contrário das democracias modernas, onde perdura uma democracia representativa, em que os representantes escolhidos pelo povo decidem em nome deste.

Os regimes democráticos latino-americanos ganharam espaço quando da independência da maioria desses países, porém cabe aqui indagar o descrédito democrático perante a sociedade latina. De fato, as novas democracias latino-americanas são representativas, mas cabe a este estudo, também, verificar até que ponto esta representação realmente está legitimada socialmente e até onde a democracia consegue afastar o fantasma da violência generalizada.

Traçar o conceito de violência também se torna de grande valia ao entendimento da questão, posto que não se pode entender violência apenas como os atos que perturbam a integridade física e psicológica de uma pessoa, mas também como toda e qualquer atividade que reprima as condições essenciais de vida e a própria omissão do Estado na defesa dos direitos inerentes ao homem e à sociedade.

A América Latina é palco de um grande fator que enseja a criminalidade generalizada: a desigualdade social.

Grande parte da sociedade está nos níveis mais baixos de instrução, educação e desenvolvimento social. Há um grande apartheidentre ricos e pobres. Não há dúvidas que a pobreza e exclusão social latino-americana são frutos de governos pouco eficientes no que diz respeito ao desenvolvimento social. Assim, surgem relações sociais assimétricas, favorecendo a inclusão do pobre no mundo do crime.

Além disso, os regimes ditatórios latinos muito favoreceram a perpetuação da situação de violência nesses países. Por muitos anos, muitos latino-americanos viveram na linha da pobreza e em situação constante de violência, principalmente a prática de tortura.

Outro fator que coloca a América Latina no rol dos lugares mais violentos do mundo é a intensificação de crimes de grande escalão, como o crime organizado, o tráfico de entorpecentes e a lavagem de dinheiro.

Os jovens, por sua vez, estão entre as vítimas mais comuns desse tipo de crime. Muitos não concluem, sequer, o ensino fundamental nas escolas, migrando para o mundo do crime que, de certa forma, garante o sustento de sua família.

A atuação da polícia, em tais países, também é muito criticada. Investigações feitas sem qualquer zelo e presteza, tortura, massacres em presídios, prisão de inocentes, fugas de criminosos, todas essas ações são fruto de uma atuação policial latina despreparada. Para tanto, apresenta-se na pesquisa a instituição do Ministério Público, presente em quase a totalidade dos países Latino-Americanos, como instituição eficaz no combate à violência.

A instituição ministerial é quem representa o povo; é a guardiã dos preceitos constitucionais. Por isso, o Ministério Público se apresenta como instituição capaz de defender a sociedade dessa situação de violência, fazendo valer os seus direitos e zelando pela ordem constitucional.

Apresenta-se, pois, a investigação criminal do Ministério Público como medida eficaz e necessária ao restabelecimento da paz em toda América Latina. Apesar de no Brasil ainda existir discussões acerca da constitucionalidade da investigação ministerial, nos outros países democráticos latinos este órgão realiza, conjuntamente com a polícia, ou dispondo diretamente dela, tal função. A prática desta ação, atualmente, tem apontado para um resultado satisfatório na realização de investigações, zelando pelo seu bom cumprimento e respeitando os direitos das partes envolvidas.

Identificam-se as funções do Ministério Público brasileiro e dos principais Ministérios Públicos latinos, levando à compreensão de que não se pode descartar a investigação ministerial como meio necessário à proteção dos direitos humanos e à redução dos níveis de violência.

2 Uma breve análise sobre a democracia e a compreensão de seus ideais na América Latina

A palavra democracia deriva do termo grego "demos" e "kratein" que significam, respectivamente, povo e governar. Ou seja, democracia, etimologicamente falando, designa o poder do povo. (GOYARD-FABRE, 2003, p.276). Mas de fato, o que mais interessa quando se fala em democracia é a constatação de que a este mesmo instituto pertencem benefícios e malefícios.

Desde o mundo antigo, as discussões sobre as questões democráticas levavam os estudiosos a crer que a própria democracia era geradora de ameaças e, ao mesmo tempo, de esperança a toda a sociedade. O instituto democrático era, desde cedo, um antro de ambiguidades. E, por este fato, não pode ser considerado um esquema puramente simples.

É preciso convir que, por um lado, a democracia não pode ser reduzida a um esquema simples e unitário; por outro lado, marcada pela essencial ambiguidade da natureza humana, elaPage 281 mesmo fabrica, em meio às suas conquistas, as armadilhas nas quais se enreda. (GOYARD-FABRE, 2003, p.276).

É preciso abrir mão de conhecimentos históricos para se saber que desde a antiguidade a democracia foi alvo de muitas críticas. Ora, a própria democracia ateniense era imperial e, por isso, fortemente criticada por grandes filósofos, entre eles, Platão.

Platão, por diversas vezes, afirmou que a democracia só perdia para a tirania, posto que a considerava como o governo dos fracos. Compreendia que não podia haver grandes homens de Estado em um sistema democrático, pois o governo não era dirigido por quem tivesse aptidão filosófica, e sim, por todo o povo.

Já Aristóteles, em discurso menos agressivo que o platônico, não considerava a democracia como o melhor dos governos, mas chegou a afirmar que uma legislação era admitida como válida quando fosse fruto de uma decisão democrática. O próprio Platão em "As leis", admite que uma democracia só é possível quando há o respeito das regras da Cidade-Estado, quando estas sejam produto da decisão política da massa. Assim como informa Simone Goyard-Fabre (2003, p.56): "É pela lei que vive e deve viver o cidadão na democracia tal como ela deva ser."

Caminhando um pouco mais na história, no século XIX, na Europa Ocidental, as monarquias mais poderosas já haviam diminuído o poder dos reis, passando uma parte desse poder ao povo. Em algumas dessas monarquias foram criados corpos legislativos representativos, em semelhança ao modelo do parlamento britânico. Por esse mesmo motivo, muitos historiadores costumam definir a política britânica como a maior influência na universalização da democracia, assim como foi a Revolução Francesa e, mais tarde, idéias democráticas norte-americanas.

Diante desse contingente histórico, pode-se concluir, hoje, que os princípios democráticos são caracterizados pela constitucionalidade, cidadania e legalidade.

Nas democracias modernas o poder supremo é exercido por representantes escolhidos pelo sufrágio popular, atendendo ao princípio da soberania nacional. Suas principais características se perfazem na possibilidade do cidadão possuir sua liberdade individual, além do sufrágio universal e da igualdade perante toda sociedade e a lei.

Levando em consideração que uma democracia direta seria inviável no mundo moderno por correr sérios riscos de se transformar em uma anarquia, a representação foi um sábio caminho a ser tomado nas democracias modernas. Como o representante fala em nome do povo, cabe a ele falar e agir em nome deste, nunca esquecendo do princípio fundamental da soberania popular.

A teoria democrática ocidental se funda em critérios que ao mesmo tempo a viabilizam e a fundamentam. São eles: a igualdade de condições entre os cidadãos, a soberania do povo e o reino da opinião popular.

É sempre bom lembrar que essas condições nem sempre existiram. Um exemplo, foram as primeiras democracias européias que não pressupunham a igualdade entre os indivíduos, pois os escravos e as mulheres não possuíam direitos políticos, portanto, suas opiniões não eram levadas em conta, muito menos eram representados na política. Condições que só foram propagadas a todo indivíduo após o renascimento.

A discussão acerca do instituto democrático, por sua vez, não foi esgotado com a adoção, na maioria dos países ocidentais, do regime democrático. Quase todos os países ocidentais independentes adotam o sistema democrático, mas há grandes embates filosóficos acerca do tema. O primeiro deles decorre da legitimidade do poder (teria o povo dado legitimidade ao poder exercido pelos representantes?), o segundo, da problematicidade dos direitos humanos (estes estão sendo respeitados em sua totalidade?) e o terceiro, da ligação entre o campo público e o privado.

A América Latina, por sua vez, tem o nascimento de seus valores democráticos, ligado com o processo de independência de seus países, o qual deflagrou uma onda de regimes constitucionalistas. No entanto, as mudanças políticas constantes nessa região e a imposição de grupos dominantes impediram a estabilização desses regimes constitucionalistas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT