Combatente inimigo não detém garantias legais do direito

No que se refere ao terrorismo e a guerra ao terror, o estabelecimento do que seria lícito ou ilícito parece cada vez mais fluido, sendo os conceitos redesenhados a partir dos interesses políticos envolvidos.

Um dos conceitos mais interessantes, desenvolvido pelo Governo Bush e supostamente abandonado pelo Governo Obama[1], é o chamado combatente inimigo. Para se ter uma ideia da importância desse conceito e da sua disseminação no cotidiano norte-americano, basta dizer que ele foi utilizado no primeiro episódio da terceira temporada de Homeland, uma série que tem o terrorismo como contexto para o desenvolvimento de várias histórias de investigação e traição embricadas na denominada luta contra o terror.

Na citada série, o então Diretor da CIA, Saul Bereson (interpretado por Mandy Patikin), é chamado ao Congresso Nacional para explicar uma operação secreta que teria resultado na morte de seis suspeitos de comandar uma extensa rede terrorista responsável por um ataque desta rede à sede da CIA. Ao ser questionado se o departarmento de inteligência teria determinado o assassinato de seis civis, o diretor se restringe a responder: “o termo legal é combatente inimigo”.

Vamos, então, retomar e esclarecer o que foi dito: a CIA determinou o assassinato de seis civis, sendo que durante a operação foram assassinadas inúmeras outras pessoas e inclusive uma criança, pertencentes a diversas nacionalidades, sob a única justificativa de que tais pessoas, por estarem supostamente envolvidas em atos terroristas, poderiam ser enquadradas no conceito de combatente inimigo.

A pergunta a que se propõe é a seguinte: pode a CIA simplesmente assassinar civis suspeitos de envolvimento em atos terroristas? A resposta a tal pergunta passa exatamente pelo entendimento do que seja um combatente inimigo e quais pessoas poderiam ser enquadrados nesse conceito.

O conceito de combatente inimigo começou a ser delineado no julgamento do caso ex parte Milligan, durante a Guerra Civil, quando a Suprema Corte norte-americana entendeu que um cidadão civil não poderia ser considerado um inimigo nem, portanto, estar sujeito à jurisdição militar[2].

Contudo, tal paradigma foi drasticamente alterado quando, ao julgar o caso Quirin, a Suprema Corte afirmou que a escolha da jurisdição a ser aplicada (se regular ou militar) não dependeria da nacionalidade do indivíduo, mas sim se o ato por ele cometido se enquadraria ou não como violação ao direito de guerra[3]. Cria-se, assim, a possibilidade de que um cidadão norte-americano seja declarado um inimigo dos Estados Unidos[4].

Em 2002, a administração Bush anunciou que os prisioneiros pertencentes ao grupo Al Qaeda e, posteriormente os demais suspeitos de terrorismo, não estariam abarcados pela Convenção de Genebra, nem se qualificariam como prisioneiros de guerra[5], classificando-os, afinal, como combatentes inimigos, o que permitiu fossem tais indivíduos detidos preventivamente, sem qualquer formalidade processual prévia. Tal designação foi traçada essencialmente para distinguir essa nova categoria dos denominados prisioneiros de guerra (protegidos por tal convenção), afastando assim a incidência das garantias jurídicas internas ou internacionais.

Em 2004, a Suprema Corte norte-americana iniciaria sua intervenção na denominada guerra ao terror, ao julgar as petições de habeas corpus impetradas por detidos em Guantánamo sob a classificação de combatentes inimigos[6].

No julgamento Hamdi v. Rumsfeld, a Suprema Corte confirmou a legalidade de prisões de indivíduos classificados como combatente inimigo[7], ao afirmar, por maioria de votos[8], que Constituição permitiria a detenção dos inimigos combatentes por parte do Poder Executivo sem a necessária observância do procedimento penal ordinário. Por outro lado, visando manter parte dos poderes excepcionais do Executivo, a Suprema Corte concluiu pela possibilidade de utilização de simples evidências testemunhais secundárias (hearsay) e que uma evidencia plausível do status de inimigo combatente poderia estabelecer a presunção daquela qualificação[9].

Posteriormente, quando a Suprema Corte, ao julgar o caso Rasul v. Bush, reconheceu pela primeira vez sua jurisdição sobre os habeas corpus impetrados em favor daqueles detidos na Baía de Guantánamo[10], a administração Bush apressou-se em apresentar duas soluções para o problema: (1) a criação de Tribunais de Revisão do Status de Combatente, que tinham por função analisar quais detidos estariam inseridos na condição de combatente inimigo[11] e; (2) a aprovação pelo Congresso da Lei de Tratamento dos Presos, que retirava dos tribunais federais a jurisdição sobre os habeas corpus impetrados em favor dos detidos em Guantánamo[12].

A constitucionalidade de tais atos foi posta em julgamento no caso Hamdan v. Rumsfeld, quando a Suprema Corte norte-americana afastou sua retroatividade da Lei de Tratamento de Presos[13], ressaltando, entretanto, que a jurisdição constitucional apenas seria mantida...

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