Competência central e lógica dominante: contribuições à análise de processos de fusão e aquisição

AutorMarcelo Pereira Binder, Emerson Antonio Maccari, Luiz Felipe Nasser-Carvalho
CargoDoutor pela EAESP/FGV e Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade Nove de Julho - UNINOVE. - Doutor pela Universidade de São Paulo - USP - Doutorando pela University of Warwick . Mestre pela Fundação Getúlio Vargas - EAESP/FGV.
Páginas83-104

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Marcelo Pereira Binder 1

Emerson Antonio Maccari 2

Luiz Felipe NasserCarvalho 3

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1 Introdução

Neste artigo, pretendese contribuir com uma nova visão às pesquisas em fusões e aquisições agregando a perspectiva da lógica dominante (PRAHALAD; BETTIS, 1985) e da competência central (PRAHALAD; HAMEL, 1990).

Diversos pesquisadores procuram identificar por que e como as fusões acontecem, quais são os fatores que impulsionam os processos de fusão, quais são os pontos de atrito no processo de integração, e também por que alguns processos de fusão falham. No entanto, como veremos em nossa revisão de literatura, nos estudos empíricos de diversas perspectivas teóricas sobre fusões e aquisições, os aspectos organizacionais não mensuráveis são deixadas de lado. Devido a esses estudos, há algumas evidencias de que olhar somente para os fatores objetivos dentro de um processo de fusão (business case financeiro, fusão de processos, sistemas e políticas, reavaliação do portfólio de produtos e serviços, etc.) pode não ser suficiente para prever e explicar o fracasso ou o sucesso. A análise da lógica dominante (PRAHALAD; BETTIS, 1985) e da competência central (PRAHALAD; HAMEL, 1990) das empresas envolvidas nesses processos surge, então, como um elemento, fértil para a compreensão dos aspectos mais subjetivos dos fatores de sucesso e fracasso de uma fusão ou aquisição.

O artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente, foi realizada uma revisão da literatura. Em seguida, descrevese a metodologia e o processo de fusão das áreas de consultoria da Coopers&Lybrand Brasil e da Arthur Andersen Brasil. Então, verificase como a lógica dominante (PRAHALAD; BETTIS, 1985) e a competência central (PRAHALAD; HAMEL, 1990) de cada uma dessas firmas se comportam no caso de fusão analisada. A partir disso, são apresentadas a análise e a discussão. Finalmente, há as conclusões que apontam para a necessidade do entendimento lógico dominante e da competência central dentro da dinâmica do processo de fusão com base nos problemas organizacionais decorrentes da análise do processo como um todo.

2 Revisão da Literatura

As fusões e as aquisições figuram entre as mais importantes decisões estratégicas que uma empresa pode tomar, e isso gerou uma série de pesqui-

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sas a respeito do assunto. Na perspectiva teórica de Financial Economics, pesquisas empíricas têm demonstrado resultados desapontadores dos processos de fusão sob as perspectivas econômica e financeira (FOWLER; SMITH, 1988). No mesmo sentido, levantamentos como os da revista americana Business Week (1999) mostram que mais de 50% das empresas que passaram por processos de fusão reduziram seu valor no mercado acionário. Outro estudo da empresa de consultoria McKinsey (1994) mostrou que 61% das empresas que passaram por processo de fusão obtiveram retornos inferiores ao custo de capital.

Com relação aos resultados das fusões, alguns autores argumentam que se a fusão ocorre entre empresas com atividades de negócios relacionadas, haverá maior chance do processo alcançar resultados positivos (DATTA, 1991). Outros autores não encontraram nenhum tipo de relação consistente entre essas variáveis (FOWLER; SMITH, 1988; HUNT, 1990; LUBATKIN, 1987; MONTGOMERY; WILSON, 1986).

Em um processo de fusão e aquisição, a organização deve considerar os limites da racionalidade e a maneira como o processo pode ser afetado por esses limites (MARCH; SIMON, 1958). Tais limites de racionalidade podem inibir a consideração de alternativas de ação, que, de outro modo, seriam relevantes. As organizações podem melhorar seu desempenho em processo de fusão e aquisição, na medida em que se tornam mais conscientes dos limites da racionalidade, possibilitando com isso uma redução no tempo de integração entre empresas. Ainda que definido na década de 1950, a noção de racionalidade limitada se tornou um modelo muito influente na teoria, gerando diversas aplicações, entre as quais encontramse mais recentemente as noções de Lógica Dominante (PRAHALAD; BETTIS, 1986; BETTIS; PRAHALAD 1995) que por sua vez influencia a definição de Competência Central (HAMEL; PRAHALAD, 1990). Essas noções baseiamse na ideia de que por não ser apto a lidar com toda a complexidade do ambiente extra e intraorganizacional, administradores, individual e coletivamente, desenvolvem visões especificas da realidade. Essas visões que podem ser do ambiente, da organização e das relações entre ambos passam a balizar o entendimento do passado, as ações presentes e as perspectivas futuras.

Dentro dessa perspectiva, em um processo de fusão haverá diferentes percepções das ameaças e oportunidades no ambiente externo e da forma de responder a elas. Portanto, ignorar tais variáveis (per se mais subjetivas) é ignorar um elemento crucial do processo decisório e da ação gerencial.

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Prahalad (1976) em Strategic choices in diversified MNCs, publicado na HBR, aponta o papel do gerenciamento de uma empresa multinacional que deve basearse no gerenciamento do poder relativo gerado da disputa de uma parte em relação à outra, dentro da matriz global.

Cabe à alta gerência deslocar “poder relativo” ao “lócus” que se julgue mais apropriado para a estratégia global da empresa. Para fazer isso eficientemente, é necessário entender os conflitos de necessidades e interesses dentro da matriz global de organização da empresa, grande parte da discussão gira em torno de conflitos sobre orientações globais e regionais, linhas de produtos e subordinações, graus de liberdade e controle levando à interrelação entre diversidade e interdependência (PRAHALAD, 1976, p. 78).

O autor analisa uma empresa global que denominase Beta, interpretando modelos de escolha estratégica em seis diferentes áreas: investimento, sistemas de controle, jointventure, mobilidade e desenvolvimento gerencial, fusões e aquisições e finanças. No desenvolvimento gerencial, podese encontrar os primeiros traços do que mais tarde virá a ser Lógica Dominante e depois se desenvolve gerando o conceito de competência central

[...] os executivos mais e mais compartilham uma identidade comum, experiências comuns e conhecimento baseado em uma contínua interação uns com os outros (PRAHALAD, 1976, p. 73).

Doz e Prahalad (1981) procuram desenvolver um framework mostrando como a matriz de uma MNCs pode ganhar controle sobre suas subsidiárias por meio do uso de uma série de mecanismos administrativos. Os três conjuntos de mecanismos administrativos são: (1) gerenciamento de dados; (2) gerenciamento dos gerentes e; (3) resoluções de conflito. Esses mecanismos devem ser usados para mudar a orientação cognitiva e a estratégica dos gerentes das subsidiárias, para os autores essa mudança na orientação “cognitiva” e estratégica é a chave para se ter controle sobre as unidades. Interpretase isso como o desenvolvimento inicial da ideia de competência central em uma organização. Os autores terminam concluindo que é insuficiente dividir a estratégia entre formulação e implementação, mas sim desen-

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volver mecanismos gerenciais que mudem os relacionamentos de poder dentro da companhia. A metodologia que os autores empregaram foi o estudo de caso que durante seis anos foi realizado por eles e com alguns alunos de doutorado nas seguintes empresas: Ericsson, Brown Boveri, GTE, GM, Ford, Corning Glass Works, Iveco e Alcan.

Prahalad e Bettis (1986) constroem o conceito da lógica dominante a partir da problemática do gerenciamento de unidades de negócio diversificadas, agregando aspectos da psicologia cognitiva e utilizando as noções de “esquemas” mentais. Ou seja, a unidade central ou corporativa por meio de seus sistemas de conhecimentos e crenças individuais toma decisões na alocação de recursos nas unidades de negócios. Nesse sentido, os autores definem a lógica dominante como:

A dominant general logic is the way which managers conceptualize the business and made critical resource allocation decisions, be it in technologies, product development, distribution, advertising, or in human resource management. (PRAHALAD; BETTIS,1986,

A questão central colocada pelos autores é a de que algumas empresas conseguem boa performance em suas unidades de negócio diversificadas e outras não. A resposta sugerida é a de que a performance pode ser explicada pela forma que os gestores do negócio central definem como os recursos devem ser alocados. Segundo essa argumentação, o gestor de uma organização possui uma forma de ver o funcionamento (esquemas mentais) do mundo e propor ações apropriadas para as demandas que ele encontra e interpreta. Esses esquemas mentais não são expressos de forma consciente, pois são desenvolvidos de acordo com a experiência do indivíduo, ou seja, a forma com que ele aprende a lidar com as situações às quais é exposto. O esquema mental compartilhado pela organização é a base da lógica dominante. Prahalad e Bettis (1986) argumentam que a lógica dominante aprendida no negócio central pode ser muito apropriada a esse negócio, mas, quando a organização diversifica seus negócios, essa lógica pode não ser a mais adequada para a nova unidade de negócio, e o time gerencial da unidade central deverá modificar a antiga lógica dominante ou aprender uma nova lógica para que a unidade de negócios obtenha boa performance. Essa

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performance tem relação com a capacidade do time gerencial adquirir as competências requeridas pelas...

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