Conflitos, Formas de Solução e Efetividade dos Direitos Social e Processual do Trabalho: Acesso à Justiça

AutorAdriana Goulart de Sena Orsini
Páginas457-471

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Introdução

O presente artigo aborda a solução de conflitos trabalhistas e a efetividade dos direitos social e processual do trabalho, em uma perspectiva de se pensar o tratamento de tais conflitos de forma adequada para se alcançar efetividade e, via de consequência, acesso à Justiça em sua compreensão ampliada. Acesso à ordem jurídica justa que implica em se garantir acesso a direitos sociais constitucionalmente garantidos. Assim, amplia-se o olhar sobre o tema para abordar formas que não são usualmente tratadas na temática, como por exemplo, a prevenção dos conflitos. Trabalha-se com as possibilidades de solução e tratamento dos conflitos de interesses, levando em consideração a atuação institucional da Justiça do Trabalho e dos atores institucionais e sociais imprescindíveis a tal atuação, a saber, Ministério Público do Trabalho e Advogados, firme na compreensão de que solucionar conflitos trabalhistas há de se garantir o respeito e cumprimento dos direitos sociais e processual do trabalho.

1. Acesso à justiça - poder judiciário, ministério público do trabalho e advocacia: atuação social e a efetividade dos direitos

O Poder Judiciário, um dos três poderes do Estado, vem tendo uma função fundamental na efetivação do Estado Democrático de Direito. É o guardião da Constituição, cuja finalidade, basicamente, repousa na preservação dos valores e princípios que a fundamentam - cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político (art. 1º, CF/88).

No Poder judiciário estão inúmeros espaços, sejam físicos, sejam materiais, sejam itinerantes, sejam virtuais, onde o acesso à Justiça se efetiva diuturnamente em nosso País. Aliás, na visão clássica a simples garantia de acesso a tal Poder já configuraria acesso à Justiça. Entretanto, na visão contemporânea, acesso a Justiça é isso, mas também muito mais do que isso. Veja-se que a Resolução n. 125 do CNJ (29.11.2010), que instituiu a Política Judiciária de Tratamento Adequado de Conflitos de Interesses no âmbito do Judiciário expressamente, em seu preâmbulo, diz que o acesso à Justiça previsto no art. 5º, XXV, da Constituição Federal implica acesso à ordem jurídica justa, além da vertente formal perante os órgãos judiciários.

É fundante e deve ser reconhecido que a Política Judiciária instituída pelo Conselho Nacional de Justiça em 2010 através da Resolução mencionada trouxe para todo o Poder Judiciário, em todos os ramos de Justiça, novidades funcionais e especialmente de atendimento ao cidadão, em uma concepção humana de atendimento e de serviço público que é prestado. Ao estatuir que cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos

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conflitos de interesses, que ocorram em larga e crescente escala na sociedade, de modo a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação, a Resolução do CNJ indica, em claro aspecto de planejamento estratégico de atuação jurisdicional do Poder Judiciário, que, não apenas a solução adjudicada, deve ser ofertada ao cidadão que acessa tal Poder, mas outras formas, especialmente consensuais. Uma politica Judiciária para um Judiciário de novos tempos1.

Rodolfo Camargo Mancuso acresce mais alguns outros pontos para a reflexão:

Na experiência brasileira contemporânea, pese a garantia de acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV) - para nós, em verdade, uma cláusula de reserva - não há negar que o próprio ordenamento positivo vai, gradualmente, buscando alterar a cultura judiciarista, ao disponibilizar outros meios compositivos (CF, art. 98, I, Justiça de Paz; CF art. 217, § 1º Justiça Desportiva; Lei n. 11.441/2007 - atribuições aos tabeliães parra realizarem, mediante escritura pública, separações e divórcios consensuais e inventários com herdeiros maiores e sem litígio - v. Res. n. 35/CNJ); de outra parte, vão frutificando as modalidades dos meios auto e heterocompositivos (v. g. mediação mesclada com arbitragem), ao tempo em que vai se firmando, na população, a credibilidade nesses equivalentes jurisdicionais. (omissis) ... embora a função precípua do Judiciário seja, naturalmente, a de proferir julgamentos (com ou sem resolução do mérito), excepcionalmente pode exercer uma sorte de ius respondendi, aclarando situações e ocorrências que lhe são submetidas, como o fazem: (i) o TSE, ao responder ‘consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político (inciso XII do art. 23 da Lei n. 4.737/65 - Código Eleitoral); (ii) o STF, na arguição por descumprimento de preceito fundamental (CF, § 1º do art. 102), na qual define o alcance de certos direitos e situações decorrentes da CF (v. § 2º do art. 5º ), ou seja, situados na chamada zona de penumbra (penumbra rights, diz-se no constitucionalismo norte-americano) ou nos desvãos do texto constitucional positivado.2

No que tange ao Poder Judiciário Trabalhista (art. 111 da CF/88) aplicar o direito com independência, impondo a sua observância indistinta com vista ao desenvolvimento de uma cultura voltada à paz social e efetividade dos direitos social e processual do trabalho, é uma das precípuas missões que assentam a sua existência. Assim, é de se reconhecer que as garantias que foram atribuídas ao Magistrado3, na realidade foram outorgadas como prerrogativas para o imparcial (não neutro, ressalte-se), independente e seguro cumprimento de seu mister constitucional. Um Juiz independente representa garantia do povo e da democracia4.

Assim, é importante, ampliando o olhar para o tema formação de magistrados e assim sendo, trazer reflexão feita pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos e que, de certa ou total medida, dizem respeito a Acesso à Justiça:

[...] A formação da faculdade é uma formação genérica, deve ser complementada com formações especializadas. Por exemplo, o combate à criminalidade complexa ou os contratos internacionais exigem conhecimentos contabilísticos, conhecimentos econômicos extremamente complicados que não são adquiridos nas faculdades de direito. Esses conhecimentos exigem uma formação de outra natureza ... (omissis) ... A interdisciplinaridade é importante para que o juiz possa decidir adequadamente as novas questões complexas, que exigem mais conhecimentos de outras áreas do que jurídicos. ... (omissis) ... A questão da adequação do sistema de recrutamento e formação às mutações socioeconômicas e ao novo contexto de exercício de funções do poder judicial também se coloca ao modelo adotado no Brasil.5

A necessidade de introdução de reformas no sistema de formação de magistrados foi concretizada, em certa medida, com a consagração da Emenda Constitucional n. 45/2004. Nessa linha de raciocínio e, compreendendo que a Formação de Magistrados do Trabalho é missão constitucional atribuída às Escolas de Magistratura e que existem importantes saberes a serem apreendidos pelo Magistrado do Trabalho para melhor exercer o seu mister, a Enamat - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho - realiza cursos de Formação Inicial, Formação Complementar, Formação de Formadores, dentre outras inúmeras atividades, tanto na forma presencial, como em EAD. Uma das competências a serem adquiridas e desenvolvidas pelo Magistrado do Trabalho, conforme se depreende da Resolução n. 7/2010, Anexo 1 e seu subeixo "jurisdicional-trabalhista", é a de "realizar

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com ética e eficiência a solução de conflitos individuais e coletivos por conciliação". Na descrição, dimensões e âmbito de tal competência, temos: "conhecer métodos de solução de conflitos", "conhecer as dimensões jurídica, econômica, social e psicológica do conflito", "conhecer as técnicas de conciliação judicial trabalhista", "reconhecer os conflitos reais e aparentes", "tratar as pessoas com equilíbrio e sensibilidade", "conduzir a conciliação de forma pacificadora e justa", "redigir a ata de homologação de acordo com termos claros, objetivos e precisos", "respeitar as expectativas dos envolvidos no conflito", "participar do diálogo do conflito", "esclarecer aos envolvidos os limites e resultados possíveis da solução do conflito", "organizar pautas de audiências adequadas para conciliação em conhecimento e execução", "adaptar o tempo e o espaço disponíveis para práticas conciliatórias eficientes e eficazes"6.

O Ministério Público7 é uma instituição permanente e essencial a função jurisdicional do Estado, possui independência institucional e tem sua residência constitucional nos arts. 127 e seguintes do Capítulo IV, do Título IV, "Da Organização dos Poderes".

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público assumiu uma nova configuração, passou a ser órgão constitucional extrapoderes, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, gozando de plena autonomia funcional, administrativa e financeira.

O Ministério Público do Trabalho é órgão especializado do Ministério Público da União e atua perante a Justiça do Trabalho com realizando todos os misteres retromencionados. O órgão tem na Lei Complementar n. 75, de 1993, a chamada Lei Orgânica do Ministério Público, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.

Do olhar atento sobre o planejamento estratégico do Ministério Público do Trabalho destaca-se a sua imprescindível missão:

Defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses...

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