A (in) constitucionalidade da súmula vinculante nº 5

AutorDaniel Henrique Rennó Kisteumacher
CargoMestrando e graduado em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas292-311

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1. Introdução

Dentro da atual racionalidade democrática, com contornos específicos delimitados pela Constituição da República de 1988, a existência do advogado como um dos pilares do Estado Democrático tem sido cada vez mais solidificada, impondo sua participação em qualquer tipo de processo pretensamente constitucional. O papel do advogado tornou-se, então, ao lado do contraditório, isonomia e ampla defesa, um dos alicerces de qualquer tipo de processo que busque ser constitucional, seja judicial ou administrativo.

No âmbito do processo administrativo disciplinar, a presença obrigatória do advogado como pressuposto de um processo legítimo, sempre suscitou calorosos debates doutrinários e jurisprudenciais, pois muito se discutia sobre a capacidade do acusado se defender por conta própria, tendo acesso aos autos, às provas, presenciado depoimentos, acompanhando diligências etc., sem a necessidade de um advogado para tanto.

Discutia-se, destarte, se a extensão da garantia do contraditório aos processos administrativos disciplinares não exigia a participação ativa e indispensável do advogado, tal como ocorre nos procedimentos judiciais.

A fim de sedimentar a discussão que abarrotava o judiciário de processos exatamente sobre esse mister, o STJ sumulou o entendimento de que os princípios da ampla defesa e contraditório no processo administrativo se materializam não apenas com a oportunização ao sujeito de fazer-se representar por advogado, mas sim efetivamente fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo. Assim, o STJ editou o verbete de n°. 343 de 2007, o qual dispôs ser obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Porém, quando toda a discussão parecia ter sido encerrada e o papel fundamental do advogado legitimado também nos processos de caráter administrativo disciplinar, foi publicada no DJE de 16/05/2008 a

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Súmula Vinculante n°. 05 do STF, a qual dispôs que a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.

Assim, em sentido claramente oposto ao posicionamento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal editou súmula vinculante que dispensa a participação ativa de advogado nos processos administrativos disciplinares, legitimando os procedimentos à luz da Constituição mesmo que o advogado não faça parte dele. Com isso, milhares de decisões proferidas em processos administrativos foram mantidas e, consequentemente, milhares de sanções impostas aos sujeitos acusados em cada um deles.

Desta forma, o presente artigo visa analisar não só a constitu-cionalidade da Súmula Vinculante n°. 5 do STF, mas principalmente o papel do advogado dentro de qualquer procedimento administrativo de caráter disciplinar, analisando se realmente existe ampla defesa e opor-tunização do contraditório sem a participação de um advogado, bem como os aspectos positivos e negativos do novo posicionamento adota-do pelo Tribunal Constitucional.

2. Processo administrativo disciplinar - PAD

O chamado processo administrativo está intimamente conectado com o desiderato da Administração em coordenar atos que observem determinadas formas a fim de atender os interesses dos cidadãos ou punir aqueles que tenham violado o regramento em determinados aspectos. Há, pois, segundo posicionamento da doutrina nacional, dois tipos de processo: o gracioso e o contencioso.

Segundo Maria Zanella Di Pietro, "No processo gracioso, os próprios órgãos da administração são encarregados de fazer atuar a vontade concreta da lei, com vistas à consecução dos fins estatais que lhe estão confiados e que nem sempre envolve decisão sobre pretensão do particular" (Dl PIETRO, 1997, p. 395).

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Assim, no chamado processo administrativo gracioso, a Administração está diante de interesses dos administrados, utilizando-se da discricionariedade para resolver a questão (CATÃO, 2003).

Já o processo administrativo contencioso presta-se a resolver um verdadeiro conflito entre Administração e Administrado, no qual este último sujeito praticou atos que feriram o regramento vigente e a Administração deve influir em sua esfera jurídica para buscar sua responsabilização.

Nesse ínterim, existe um contencioso administrativo para cada aérea de atuação do Estado. Na seara dos recursos humanos, há o processo administrativo disciplinar. Em relação à arrecadação de receitas, o processo administrativo tributário, em relação à fiscalização de ativida-des, há, por exemplo, o processo administrativo de trânsito etc. (MEZZOMO, 2005).

Quanto ao processo administrativo disciplinar, objeto de análise do presente artigo, sua conceituação é muito bem formulada por Léo da Silva Alves (1999, p. 51), que dispõe "processo administrativo disciplinar é o instrumento utilizado na regra como próprio para viabilizar a aplicação de sanções disciplinares no âmbito da Administração Pública direta, autárquica, ou no seio das fundações públicas".

Já nas palavras de Antônio Carlos Palhares Moreira Reis (1999, p. 100), processo administrativo disciplinar pode ser conceituado como:

"(...) mecanismo estabelecido na lei para o controle das atividades dos servidores, no que concerne ao descumprimento de suas obrigações, ao desrespeito às proibições e à realização de fatos capituláveis como crimes ou contravenções, pela legislação penal ou por leis especiais, com reflexo no âmbito administrativo".

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A própria Lei n°. 8.112 de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, conceitua claramente em seu artigo 148 o que seria processo disciplinar, regendo que o processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Desta forma, o processo administrativo disciplinar encontra-se dentro do campo de responsabilidade administrativa dos servidores públicos, servindo-se como meio de apuração de ilícitos cometidos pelos mesmos quando em atribuições do cargo em que se encontre investido.

Trata-se de procedimento com premissas diferenciadas dependendo de cada esfera administrativa, que possui sua legislação particular. No âmbito Federal, por exemplo, existe lei específica que regula a matéria, estabelecendo uma procedimentalidade diferenciada para tanto.

Mas, embora haja premissas diferenciadas dependendo de cada esfera administrativa e sem entrar na discussão sobre as fases peculiares do processo administrativo disciplinar, o mais importante a ser destacado é a presença obrigatória dos princípios fundamentais da ampla defesa e contraditório, que são pontos nodais e impositivos, de observância obrigatória em todo e qualquer processo administrativo disciplinar.

É exatamente dentro dessa ótica que a presença do advogado é questionada. Afinal, a ampla defesa e o contraditório somente existem se o servidor representar-se por advogado? A legitimidade do procedimento à luz da Constituição da República de 1988, bem como da eventual sanção que poderá ser imposta, somente será auferível mediante a presença do advogado?

3. Surgimento da súmula n° 343 do STJ

A doutrina e jurisprudência nacional não discutem a necessidade de observância do devido processo legal, consubstanciado na mais

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ampla defesa e oportunização de um contraditório dinâmico, no âmbito do processo administrativo disciplinar. Trata-se de questão incontroversa que há muito, dentro da racionalidade pós-moderna, foi sedimentada não só pela jurisprudência1, mas também pela totalidade da doutrina.

Nesse sentido, o professor Hely Lopes Meirelles (2003, p. 660) reforça a necessidade...

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