Consumo de animais: o despertar da consciência

AutorCarolina Corrêa Lougon Moulin
CargoGraduada em Direito pela Faculdade Milton Campos, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Advogada, Estudante de Pós-Graduação em Direito Ambiental pelo CAD
Páginas203-234

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1. Introdução

"Os animais não existem em função do homem... eles possuem uma existência e um valor próprios.

Uma moral que não incorpore esta verdade é vazia. Um sistema jurídico que a exclua é cego."

Tom Regan1

O consumo de animais na alimentação traz conseqüências sérias para o meio ambiente e para a saúde do ser humano, além de acarretar dor e sofrimento a esses animais que não têm direito a uma vida digna, sendo explorados e mortos para satisfazer o "sofisticado" paladar humano.

Uma alimentação baseada em animais contribui para a fome mundial, para o aquecimento global, desflorestamento, poluição dos recursos hídricos, desertificação do solo e perda da biodiversidade, como será visto no decorrer do artigo.

O aumento do rebanho bovino brasileiro na Amazônia, estimado em 74 milhões de animais2, e o aumento da procura de produtos proveniente de animais alertam para a realidade mun-dial: é preciso mudar.

A alternativa para a mudança é formar uma consciência ambiental ética, que inverta a compreensão de que os animais são apenas um meio e a satisfação humana é o único fim. Apenas uma nova cultura ambiental poderá proibir a repetição de práticas lesivas, disseminadas e toleradas.

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O primeiro passo para a mudança é também um desafio: sensibilizar consciências. Atentar todos sobre as conseqüências de seus atos, pois somente pessoas conscientes disso fazem a diferença em relação ao ambiente e aos animais.

Este artigo tentará despertar consciências da seguinte forma: informar as pessoas sobre como o ato corriqueiro e aparentemente inocente de comer carne3influencia na fome mundial e discorrer sobre os impactos ambientais causados pela pecuária extensiva, dando especial ênfase ao direito desses animais. Logo após, será analisado o direito à informação, garantia fundamental do indivíduo, e o direito à educação ambiental e humanitária. Por fim, o vegetarianismo será analisado com uma das soluções possíveis para esta situação.

2. Consumo de animais e fome no mundo

De acordo com o Instituto "Bread for the World", cerca de 862 milhões de pessoas em todo o mundo passam fome. Diariamente, 16 mil crianças morrem de problemas relacionados à falta de alimentação, ou seja, uma criança a cada 5 segundos4.

Em 1992, cerca de 20 mil pessoas morreram como resultado da desnutrição e fome.

Um quarto da população do continente africano é subnutrido. No Pacífico e na Ásia, 28% da população passa fome. Na América Latina, em cada oito pessoas uma não tem o que comer. Analisando a estatística brasileira, mais 30 milhões de pessoas são classificadas como indigentes, e em 1980 cerca de 44% da população vivia em situação de pobreza absoluta5.

Infelizmente, esta triste realidade está ligada a uma política mundial que exclui boa parte da população do acesso aos bens básicos que uma vida digna exige.

Analisando os nossos hábitos alimentares percebemos que o ato de comer carne está intimamente ligado à atual situação de miséria, fome, desnutrição acima exposto, ou seja, o consumo

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de animais está diretamente ligada à fome no mundo, como será analisado a seguir.

2.1. Consumo de animais e distribuição de grãos

Atualmente existe terra, água e energia suficientes para alimentar quase o dobro da população humana, contudo, enquanto milhões de pessoas passam fome no mundo, metade dos grãos produzidos é destinado aos animais de consumo.

De acordo com dados da FAO, um quarto dos grãos produzidos no mundo serve de alimentação para o gado.

Examinando a situação dos Estados Unidos temos que 90% da soja e 70 % dos grãos cultivados no país são consumidos pelo gado. A pecuária neste país consume dez vezes mais grãos que à população norte-americana, ou seja, 72 % dos grãos cultivados são para a alimentação animal e não humana6.

Analisando a situação brasileira, 44% dos grãos produzidos e 90 % do milho cultivado são destinados a alimentação dos animais, os quais, ao serem transformados em alimentos são aces-síveis a uma pequena parcela da população, tendo em vista que a grande maioria não tem poder aquisitivo para comprar carne. Esta carne é acessível a menos de 15% dos seres humanos7.

Comparando a quantidade de grãos utilizados na alimentação desses animais, temos que para se produzir 1 quilo de carne bovina são necessários 7,2 quilos de grãos de soja, 2,7 para 1 quilo de carne de porco e 1,3 para frango ou ovo8. Estima-se que 40 pessoas poderiam ser alimentadas com os cereais usados para gerar 225 g de carne bovina.

A criação de animais para a engorda é um método que desperdiça recursos, ou seja, consome mais energia e proteína durante toda a sua vida do que retorna em forma de carne para o ser humano. Em média, são gastos 22 quilos de grãos para produzir 1 quilo de carne9e cerca de 11 a 17 calorias de proteínas de grãos para criar uma única caloria de carne bovina. Ou seja,

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90% das proteínas, 99 % dos carboidratos e 100% das fibras são desperdiçados ao reciclar grão e soja através do gado.

Dessa forma, podemos afirmar que os grãos, ao serem consumidos diretamente pelos humanos, são mais eficientes, uma vez que a dieta vegetariana elimina um intermediário da cadeia alimentar.

Percebe-se que o consumo de carne acarreta um mau uso do grão, uma vez que usado diretamente para o consumo humano é melhor aproveitado.

2.2. Consumo de animais e utilização da terra

A criação de gado necessita de grandes quantidades de terra, seja para a pastagem seja para a sua alimentação, obtida na colheita de grãos.

No sistema extensivo da pecuária, uma cabeça de gado precisa de 1 a 4 hectares de pasto para engordar. O rebanho brasileiro contabiliza 200 milhões de cabeças, ocupando mais de 250 milhões de hectares, quase um terço do território nacional.

De acordo com a FAO, as pastagens para o gado ocupam dois terços da superfície agriculturável do planeta; isto representa um terço da superfície total do planeta.

Nos Estados Unidos, 64% das terras próprias para o plantio são utilizadas para produzir alimento para o gado, e apenas 2% destinado à produção de frutas e vegetais10.

Os dados da FAO revelam que plantando batata em um hectare de terra durante um ano, 22 pessoas são alimentadas, 19 pessoas se for cultivado o arroz e apenas 1 pessoa para a criação de gado ou duas para a de carneiro11.

Comparando a quantidade de cereais produzidos em um hectare de terra, vemos que podem ser cultivados 11.200 quilos de feijão, 22.400 quilos de maçã, 34.900 de cenoura, 44.800 de batata, 56.000 de tomate e apenas 280 quilos de carne12.

Relacionando a quantidade de pessoas que podem ser sustentadas por um hectare de determinada cultura no período de um

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ano temos que 25,90 pessoas podem ser alimentadas plantandose milho em 1 hectare de terra durante 1 ano, 11,01 plantando-se soja, 23,11 plantando-se mandioca e apenas 0,08 criando gado e consumindo sua carne13.

Atualmente, se toda a população mundial, aproximadamente 6,5 bilhões de pessoas, se alimentassem de carne, seriam necessários mais dois planetas como a Terra para pastagens e produção de grãos14.

O relatório da FAO afirma que a degradação das terras cultiváveis é um problema mundial que tem implicações na agricultura e no meio ambiente, afetando também a segurança alimentar e a qualidade de vida15.

Assim, percebe-se que o consumo de animais é uma atividade consume uma grande quantidade de grãos.

2.3. Consumo de animais, utilização de recursos e consumo de energia

Os animais usados na alimentação consomem muita energia como será tratado a seguir.

De acordo com o Worldwatch Institute: "O óleo é usado na indústria da carne como combustível para transporte e tratores, nos fertilizantes químicos e nos pesticidas de uma maneira tal que os produtos animais podem ser considerados subprodutos do petróleo"16.

Examinando o consumo de calorias percebe-se que, mais uma vez, que é maior para se produzir carne, vejamos: Enquanto é necessário 78 calorias de combustível fóssil para se produzir 1 caloria de carne, são gastos apenas 2 calorias deste combustível para produzir 1 caloria de soja17.

A maioria dos animais usados para o consumo são alimentados com ração cuja produção utiliza bastante energia. O produtor deve bombear a água, cultivar e fertilizar a terra, colher e transportar as colheitas. Após isso, vendem a colheita para indústrias que transformam este produto em carne, o que requer

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um consumo de energia ainda maior. A energia utilizada para produzir um quilo de carne de gado alimentado com ração é equivalente a 1,7 litros de gasolina.

Analisando a situação dos Estados Unidos, temos que mais de um terço de toda energia consumida no país e metade da energia gasta na agricultura é destinada à criação de gado18. E a quantidade de combustível fóssil necessária para produzir proteína animal é oito vezes maior que a necessária para gerar proteína vegetal19.

Se os norte-americanos reduzissem o seu consumo de carne em 10%, estima-se que aproximadamente de 100 milhões de pessoas poderiam ser nutridas usando a terra, a água e a energia usada na criação e no...

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