Da obrigação de não fazer

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas98-105

Page 98

7. 1 Apresentação e conceito

A lei prevê o repouso humano noturno, que começa às 22 horas. Suponhamos que uma sociedade instale alto-falante em zona mista e promova bailes caracterizados por algazarras e que continuem após as 22 horas, perturbando o sossego dos vizinhos.

A lei proíbe as pessoas de utilizarem seus imóveis segundo suas conveniências, se prejudicam a segurança, o sossego e a saúde dos que ocupam os prédios vizinhos. "O proprietário ou o possuidor de um prédio - diz o art. 1.277 do CC - tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha".

Tratando-se, portanto, de imputação de mau uso da propriedade, o vizinho-vítima terá o direito subjetivo de propor ação de conhecimento, visando obter uma obrigação de não fazer, uma abstenção, ou seja, visando à

Page 99

obtenção de um comportamento que consista num fazer negativo, sob cominação: multa diária (ação de preceito cominatório).

Essa pena é uma forma indireta de coagir o réu a prestar um fato negativo. "Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ou entregar coisa, - dispõe o art. 287 do CPC - poderá requerer cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipada de tutela (arts. 461, § 4.º, e 461-A )".

A obrigação de não fazer, portanto, consiste num comportamento omissivo por parte do devedor. Este compromete-se a uma abstenção, denominada obrigação negativa, diferente da obrigação de fazer, em que o devedor se compromete a realizar algo, uma obrigação chamada positiva.

Em conclusão, o cumprimento da obrigação de não fazer está na promessa de uma abstenção, num comportamento omissivo. Em nosso exemplo, em que a lei procura proteger a saúde, o sossego e a segurança dos que habitam o local atingido por emissões sonoras, que nele repercutem de modo intolerável e fora do período permitido, o juiz imporá ao réu a prestação de um fato negativo, uma obrigação de não fazer, ou seja, deixar de fazer alguma coisa, impedindo o mau uso da propriedade.

O nosso Código de Processo Civil, art. 642, foi explícito ao dizer que o devedor está obrigado à abstenção por lei ou por contrato. Ei-lo: "Se o devedor praticou o ato, a cuja abstenção estava obrigado pela lei ou pelo contrato, o credor requererá ao juiz que lhe assine prazo para desfazê-lo".

A lei pode ser fonte do direito no sentido de, também, prever hipóteses em que um vínculo obrigacional possa surgir, como mostramos através de nossa motivação, porque uma sociedade instalou alto-falante perturbando o sossego dos vizinhos.

A obrigação de não fazer, assumida contratualmente, encontra-se constantemente no cotidiano. A hipótese mais comum é a do empresário que aliena o seu estabelecimento, e se compromete a não se estabelecer com outro do mesmo gênero no mesmo bairro. "Na venda de estabelecimento é válida a obrigação de o vendedor não se estabelecer no mesmo distrito" (in RT 492/134). "Na cessão e transferência de empresas ou de quotas sociais, é lícita a proibição de os cedentes, durante prazo determinado, se estabelecerem, em nome próprio ou de terceiros, com o mesmo ramo que exerciam, a fim de evitar concorrência" (in RT 702/88). O art. 1.147 do CC que segue, coroa bem essa exposição: "Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência".

Page 100

7. 2 Do descumprimento das obrigações de não fazer

Nas obrigações de dar e fazer, o devedor compromete-se a realizar algo, enquanto que nas de não fazer o devedor compromete-se a uma omissão.

Tratando-se de obrigação de não fazer, se o devedor pratica o ato, surge o inadimplemento.

O descumprimento da obrigação de não fazer pode-se dar por duas razões:

1) A PRESTAÇÃO NEGATIVA SE TORNOU IMPOSSÍVEL SEM CULPA DO DEVEDOR;

2) O DEVEDOR PRATICOU O ATO QUE SE OBRIGOU DE ABSTER-SE POR NEGLIGÊNCIA OU POR INTERESSE.

7.2. 1 A prestação negativa se tornou impossível sem culpa do devedor

O exemplo fornecido pela maioria dos civilistas é esclarecedor: Uma pessoa se compromete a não levantar muro em seu terreno para não impedir a visão do vizinho. Posteriormente, uma lei municipal impõe a construção de tal obra. A obrigação negativa torna-se, portanto, impossível em conseqüência de um caso de força maior. "Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, - diz o art. 250 do CC - se lhe torne impossível absterse do ato, que se obrigou a não praticar".

Realmente, o devedor só pode abster-se de um fato prometido ou exigido por lei, com o advento de caso fortuito ou de força maior, que resulte em...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT