A interpretação das imunidades tributárias

AutorAllan Moraes
CargoMestrando em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogado
Páginas107-114

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1. Introdução

O estudo das imunidades tributárias tem sido alvo de inúmeras manifestações da doutrina ora definindo-as como normas de isenção ou não incidência constitucionalmente qualificadas ora como limitação constitucional ao poder de tributar.

Essa visão, entretanto, pressupõe uma cronologia de incidência de normas que não se coaduna com a noção de sistema.

O detalhamento deste objeto mediante critério científico, por outro lado, permite uma análise mais aprofundada do tema à luz das noções propagadas pela escola do constructivismo lógico-semântico.

A construção do sentido a partir do texto jurídico em suas nuances de enunciação e enunciado, fornece dados contextuais imprescindíveis à inteligência do objeto e, ao mesmo tempo, critério seguro para o labor exegético.

O contexto e a noção de sistema permitem, ademais, a amplitude necessária ao rompimento do isolacionismo e observação do fenômeno nas relações próprias do caráter dinâmico do sistema normativo.

Não pretendemos analisar ou relacionar de forma pormenorizada todas as hipóteses de imunidade previstas na legislação, com exceção de algumas que serão mencionadas como suporte à demonstração de nossas assertivas.

Mais do que conhecer a estrutura e as particularidades das normas que veiculam a incompetência das pessoas jurídicas de direito público, buscamos responder à pergunta: como devem ser interpretadas as imunidades tributárias?

2. Direito, linguagem e sistema

Segundo Roman Jackobson,1"(...) a linguagem é de fato o próprio fundamento

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da cultura. Em relação à linguagem todos os outros sistemas de símbolos são acessórios ou derivados. O instrumento principal da comunicação informativa é a linguagem".

Podemos afirmar, portanto, que o direito é, enquanto objeto cultural, um sistema comunicacional destinado a regular as condutas humanas intersubjetivas.

A unidade desse sistema são as normas jurídicas, mensagens proferidas a partir dos enunciados linguísticos que lhe servem de suporte.

Numa concepção semiótica o signo (enunciado) é um primeiro que substitui um segundo (dado social) de modo a gerar um terceiro (norma jurídica).

Fabiana Del Padre Tomé2esclarece que "Direito é linguagem, pois é a linguagem que constitui as normas jurídicas. Essas normas jurídicas, por sua vez, nada mais são do que resultados de atos de fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veículos introdutores, apresentando as três dimensões sígnicas: suporte físico, significado e significação".

A norma jurídica, assim, é a interpretação do texto da lei (lato sensu) realizada pelo intérprete e decorrente de um processo comunicação linguística, que envolve, necessariamente, uma mensagem, e os elementos que lhe são conexos: o emissor, o receptor, o código, o canal e o contexto.

O contexto, segundo Roti Nielba Turin3

"(...) é o conjunto de significados que gravitam em torno da mensagem". Ele assume papel de destaque no processo de interpretação e positivação ao proporcionar uma visão sistemática direito. Conforme já se disse algures, não existe texto sem contexto.

José Luiz Fiorin4relata que "(...) tendo fracassado o ambicioso projeto da Semântica

Estrutural, os linguistas voltaram-se para a análise de unidades maiores do que a palavra. Ducrot, por exemplo, debruça-se sobre os enunciados. Greimas toma o texto como unidade de análise".

Conforme Paulo de Barros Carvalho,5 a impossibilidade de interpretação com base exclusivamente nas estruturas gramaticais "(...) compele o intérprete a sair da significação de base (que toda palavra tem), em busca da amplitude do discurso, onde encontrará a significação contextual, determinada por uma séria de fatores, entre eles e, principalmente, pelos propósitos do emissor da mensagem".

A concepção de linguagem que interessa ao nosso estudo é aquela que a encara "(...) como atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos, levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes".6Essa visão da linguagem deriva de duas teorias: a teoria da enunciação e a teoria dos atos de fala.

Segundo a teoria da enunciação, a aná-lise do conteúdo semântico do enunciado deve levar em consideração o evento de sua produção porquanto as condições desta ação (tempo, lugar, características dos interlocutores, relações sociais, objetivo da comunicação etc.) são constitutivas do sentido do enunciado.

A teoria dos atos da fala, por seu turno, trata das ações que se realizam por meio da linguagem, classificadas, segundo J. L. Austin em atos locucionários (emissão do enunciado), ilocucionários (intenção da emissão do enunciado) ou perlocucionário (efeitos da emissão do enunciado).

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A teoria dos atos de fala, entretanto, por colocar uma ênfase quase exclusiva no locutor e levar em consideração basicamente enunciados isolados, tem sido alvo de críticas e reformulações.

Ingedore G. Villaça Koch7anota que "(...) Van Dijk, linguista holandês, um dos mais destacados no estudo do texto/discurso (cf. Cognição, Discurso e Interação, Editora Contexto, 1992), chama a atenção para o fato de que, em um texto, apesar de se realizarem diversos tipos de atos, há sempre um objetivo principal a ser atingido, para o qual concorrem todos os demais. Propõe, então, a noção de macroato, isto é, o ato global que se pretende realizar".

Com base nessas lições podemos afirmar, em apertada síntese, que o conteúdo semântico de qualquer norma jurídica somente pode ser revelado à luz do contexto, seja da enunciação, seja do enunciado (sistema no qual o enunciado encontra-se inserido).

3. Normas de comportamento e normas de estrutura

As proposições normativas, mensagens destinadas a regular as condutas humanas, cumprem tal desiderato por meio dos opera-dores deônticos (i) obrigatório, (ii) permitido e (iii) proibido.

Na lição de Lourival Vilanova,8o dever-ser é constitutivo da estrutura formal da proposição normativa e "operador específico que conduz à proposição deôntica".

Como bem elucida Paulo de Barros Carvalho:9"É propriedade das normas em geral e das proposições jurídico-normativas em geral expressarem-se por meio do conectivo dever-ser, o que nos leva a denominar deôntico o sistema do direito positivo. Umas como outras, portanto, exibem o dever-ser modalizado em permitido, obrigatório ou proibido, com o que se exaure a possibilidade normativa da conduta. Qualquer comportamento caberá sempre num dos três modais deônticos, não havendo lugar para uma quarta alternativa (lei deôntica do quarto excluído)" (destaques do original).

Mas "(...) o ordenamento jurídico, além de regular o comportamento das pessoas, regula também o modo pelo qual se devem produzir as regras".10Deriva daí a classificação das normas em

(i) normas de comportamento e (ii) normas de estrutura (norma normarum). Enquanto estas destinam-se a regular a produção normativa, aquelas voltam-se ao comportamento das pessoas.

Nas palavras de Kelsen,11"(...) o direito regula sua própria criação, na medida em que uma norma jurídica determina o modo em que outra norma é criada e também, até certo ponto, o conteúdo desta norma".

Note-se que apesar de as denominadas normas de estrutura também se destinarem a regular a conduta de pessoas (legislador), a conduta por elas visada é tão somente a produção...

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