CEPED - Um debate que dura há quase meio século

AutorGabriel Lacerda
Páginas6-76
CEPED −
UM DEBATE QUE DURA
HÁ QUASE MEIO SÉCULO
GABRIEL LACERDA
CEPED − UM DEBATE QUE DURA HÁ QUASE MEIO SÉCULO 7
I – INTRODUÇÃO: AS ORIGENS DO CEPED
Este artigo é um relatório crítico da pesquisa conduzida entre 2009 e 2011 pelo
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC) e
pela Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV Direito Rio), ambos da Fun-
dação Getulio Vargas, sobre a história do Centro de Estudos e Pesquisas no
Ensino do Direito (CEPED), entidade criada em 1966, na então Universidade
do Estado da Guanabara, em convênio com a Fundação Getulio Vargas.
A pesquisa utilizou predominantemente a metodologia de história oral,
entrevistando as pessoas que trabalharam na entidade pesquisada. Foram
colhidos também depoimentos escritos de ex-alunos do CEPED. Foram, ain-
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publicados a respeito da matéria pesquisada.1
Escolheu-se para este relatório um estilo discursivo, no curso do qual são vei-
culados os dados objetivos levantados pela pesquisa. A documentação da pes-
quisa está disponível aos pesquisadores que a solicitarem à FGV Direito Rio.
A análise dos dados, por sua vez, foi focada em torno da discussão crítica
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A história do CEPED começa quando David Trubek,2 um jovem advogado
americano, trabalhando no escritório de ajuda da embaixada dos Estados
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va sempre que precisava negociar contratos de empréstimo com advogados
brasileiros. Achava-os formalísticos, rígidos, antiquados.
Ou, nas próprias palavras de Trubek, em sua entrevista:3
… os advogados do Ministério da Fazenda, do Banco Central, e alguns ou-
tros advogados, advogados do governo, com os quais lidávamos – e minha
impressão era que a percepção deles sobre o próprio papel era muito uma
espécie de papel passivo, e que eles eram chamados para determinar qual
1 O Anexo I a este trabalho apresenta uma relação dos textos e livros disponíveis nos arquivos da pesquisa para consulta.
2 O Anexo II apresenta a relação dos entrevistados em um quadro comparativo com sua posição à época no CEPED e sua atuação nos dias de hoje.
3 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro em 15.12.2009 via Skype, transcrita em 14.07.2010 e disponível no CPDOC
para consulta.
8 • AventurA e LegAdo no ensino jurídico
era a lei, e eles tinham um modo muito formalístico de pensar a respeito do
direito. Assim, eles não levavam em conta o propósito da lei, os objetivos
das pessoas a quem serviam. Viam-se a si mesmos apenas como sentinelas,
guardando algum segredo a que tinham tido acesso, e não pensando em si
mesmos como sócios em uma empresa produtiva.4
Ao mesmo tempo sonhador e prático, ocorreu a Trubek que, preparando
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E logo imaginou um projeto que, com a ajuda dos Estados Unidos, reformas-
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e discutir complexos contratos internacionais e, ao mesmo tempo, com infor-
mação e ânimo para reformular as instituições nacionais.
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militar. Operavam-se grandes transformações na economia, a Guerra Fria
estava no auge, o ordenamento jurídico era completamente refeito.
Como diz um dos integrantes da equipe que originalmente assumiu a parte
da economia no CEPED, Luiz Fernando da Silva Pinto, em sua entrevista:5
O que existia era algo que era uma febre, quer dizer, que era um desejo louco
deles de modernizar o país, e que essa modernização iria precisar de talen-
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Trubek procurou, então, um diplomata que já conhecia e que seria mais tarde
embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Marcílio Marques Moreira, então
servindo ao governo do Estado da Guanabara na Companhia Progresso do Esta-
do da Guanabara, entidade criada para fomentar o desenvolvimento no estado.
É curioso observar que, como revela Marcílio Marques Moreira em sua
entrevista:6
…dessas conversas nasceram dois projetos: o CEPED e o projeto de urbaniza-
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Marcílio situa também a ideia de Trubek dentro de um contexto maior,
mostrando que o projeto era coerente com o programa Aliança para o Pro-
gresso, instituído pelo presidente Kennedy. Diz ele:
Qual era a ideia da Aliança para o Progresso? Era a reforma institucional,
a importância das instituições, sendo o direito uma instituição, compreen-
deu? Então, eles estavam procurando exatamente reforçar a instituição do
direito no Brasil.7
4 O texto original em inglês é: “… the lawyers with the ministry of f‌inance the lawyers with the Central Bank, some of the other lawyers, government lawyers
that we dealt with − and my impression was that their view of their role was very much a kind of passive role where they were called upon to determine
what the law was, they had a rather formalistic way of thinking about law. So, they didn’t take into account law’s purpose, the goals of the people they serve.
They saw themselves just kind of gatekeepers, guarding some secret that they had accessed to, rather than thinking themselves as partners in a productive
enterprise.”
5 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro em 27.10.2009, transcrita em 13.05.2010 e disponível no CPDOC para consulta.
6 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro em 01.10.2009, transcrita em 22.03.2010 e disponível no CPDOC para consulta.
7 Entrevista concedida à Fundação Getulio Vargas na cidade do Rio de Janeiro em 01.10.2009, transcrita em 22.03.2010 e disponível no CPDOC para consulta.

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