Depois do homem

Foucault discute origens de seu método, fala sobre mecanismos de controle Na sociedade e critica ideal de humanismo fundado em 'poder normalizador'Claudio Bojungae Reinaldo LoboFoucault. Em entrevista durante passagem pelo Brasil, em 1975, filósofo francês apresentou reflexões sobre tortura e críticas à psicanáliseDivulgaçãoA visão de Um dos grandes pensadores Do século xxSeus trabalhos gravitam em torno de universos fechados, circulares, concentracionários. Eles colocam o problema do hospital, da prisão. Por que essa seleção de temas?Tenho a impressão de que, no século XIX, e ainda no século XX, o problema do poder político se colocava em termos do Estado. Afinal, foi no século XIX que se constituíram os grandes aparelhos de Estado. Eles ainda eram algo novo, visível, importante, pesando sobre as pessoas - e as pessoas o combatiam. Mais tarde, através de duas grandes experiências - a do fascismo e a do stalinismo - percebeu-se que sob os grandes aparelhos de Estado, e até certo ponto independente deles, em outro nível, existia toda uma mecânica do poder que se exercia de maneira constante, permanente, violenta e que permitia a manutenção, a estabilidade e a rigidez do corpo social, pelo menos tanto quanto os grandes aparelhos do Estado, como a Justiça e o Exército. Passei então a me interessar pela análise desses poderes implícitos, desses poderes invisíveis, desses poderes ligados a instituições de saber, de saúde etc. O que existe em termos de mecânica de poder na Educação, na Medicina, na Psiquiatria? E não acho que sou o único a me interessar por isso. Os grandes movimentos, em torno de 1968, foram dirigidos contra esse tipo de poder.A prioridade atribuída pelos países do Terceiro Mundo a tarefas mais urgentes - luta pela independência nacional, contra o subdesenvolvimento - não tendem a sufocar as lutas contra os "pequenos poderes" (a escola, o asilo, a prisão) e contra outras formas difusas de dominação (do branco sobre o negro; dos homens sobre as mulheres)? Essas lutas podem ser simultâneas?É um problema no qual nos debatemos. Será possível estabelecer uma hierarquia de importância entre esses diferentes tipos de luta? Uma cronologia? Caímos num círculo: privilegiar a luta no nível do "tecido" do corpo social às expensas das grandes lutas tradicionais pela independência nacional, contra a opressão, não seria manobra diversionista? Não colocar esses problemas não equivalerá a reconduzir no interior mesmo dos grupos mais avançados, os mesmos tipos de hierarquia, de autoridade, de dependência, de dominação? É o problema de nossa geração.O jornalista Maurice Clavel, em sua confissão pessoal - "No que creio" - disse que Foucault o fez sair da esquerda, mas lamenta que Foucault continue na esquerda, não tenha dado o passo de ruptura...Será que a pergunta está bem colocada? Não seria melhor perguntar: por que, de repente, a esquerda começou a se interessar por assuntos que me preocupavam há muito tempo? Quando comecei a me interessar pela loucura, pelo encarceramento, mais tarde pela medicina, pelas estruturas econômicas e políticas que subentendiam essas instituições, o que me espantou foi que os membros da esquerda tradicional não atribuíam a menor importância a essas questões. Nenhum relatório, estudo ou revista de esquerda falou sobre ou criticou meus pontos de vista por essa época. Essas questões não existiam para eles. Por uma série de razões: uma delas devido ao fato de que eu não apresentava os signos tradicionais de um pensamento de esquerda -não havia notas ao pé da página dizendo "como disse Karl Marx", "como disse Engels", "como disse o genial Stalin". E, na França, para se reconhecer um pensamento de esquerda, as pessoas olham logo as notas de rodapé. Mais grave era que a esquerda francesa não considerava esses problemas dignos de análise política. Para eles, a leitura dos textos de Marx ou a teoria da alienação é que eram trabalhos políticos. De forma alguma se colocavam problemas psiquiátricos. Foi apenas após 1968, no curso desse processo que não constituiu exatamente o triunfo do pensamento marxista, que esses problemas passaram a ocupar a reflexão política. Pessoas que não se interessavam pelo que eu fazia passaram de repente a me estudar. Eu me vi implicado com elas sem ter sido obrigado a deslocar meu centro de interesse. Os problemas que me preocupavam não eram pertinentes para uma política de esquerda antes de 1968.Na sua arqueologia do saber ocidental, Marx ocupa um lugar modesto, comparado com David Ricardo. Segundo seu livro "As palavras e as coisas", "no nível profundo do saber ocidental, o marxismo não operou nenhuma...

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