Os desafios da gestão democrática da cidade na garantia de um município ambientalmente sustentável: Apontamentos sobre a Audiência Pública e os Conselhos de Desenvolvimento Urbano

AutorFabio Scopel Vanin
CargoAdvogado e Professor de Graduação
Páginas125-142

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Introdução

A crise ambiental configura-se como um dos principais problemas contemporâneos. O aquecimento global, o desmatamento, a diminuição dos recursos hídricos, o consumo, lixo e a ocupação desordenada dos centros urbanos são ameaças para as atuais e para as futuras gerações. Esta crise tem efeitos globais e as condutas, os modelos de produção e consumo superam as distâncias e as barreiras territoriais, sendo necessária uma mudança nos paradigmas de utilização de recursos naturais em todo o planeta, pois, do contrário, não será efetiva a busca pela preservação do Meio Ambiente.

Embora esta problemática socioambiental represente uma preocupação global, se pode dizer que é nos Municípios que são originados grande parte destes problemas, bem como é neles que são observados muitos de seus impactos. Os grandes aglomerados urbanos são o principal habitat dos seres humanos na atualidade, e a condição socioambiental das cidades é fator fundamental na garantia do bem-estar da população.

Os inúmeros estudos desenvolvidos apontam os graves problemas urbanos e indicam algumas alternativas para solucioná-los, nesse sentido, os governos têm positivado algumas orientações teóricas, formulando normas que visem garantir a sustentabilidade urbana. Assim, surge a como alternativa nessa construção, a ideia de um Município ambientalmente sustentável.

A busca de um significado para o termo passa pelo enfrentamento de duas questões: uma justificativa teórica e uma fundamentação jurídica. A primeira será construída a partir do estudo dos conceitos desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, com enfoque especial, aos desdobramentos no âmbito urbano. Para isso, buscar-se-á desenvolver um apanhado teórico tendo como base, fundamentalmente, os autores Sachs, Acselrad, BorjaeCastells.

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A fundamentação jurídica será buscada nos objetivos da política urbana, previstos na Constituição Federal e nas suas diretrizes, que estão dispostas no Estatuto da Cidade, analisando-se inclusive, se elas vinculam a atuação local ou são opções a serem observadas ou não, com base na autonomia municipal.

Explicadas as justificativas teóricas e os fundamentos de Município ambientalmente sustentável é necessário demonstrar como a gestão democrática da cidade pode garantira sua efetividade. Para esta análise serão verificados dois dos instrumentos previstos, a audiência pública, que ocorre no processo legislativo do plano diretor e os conselhos de desenvolvimento urbano, que representam um debate permanente acerca da política urbana local, relacionando-os com as matrizes agregativa e deliberativa de participação.

Nesse contexto, será verificado como gestão democrática interage com os demais instrumentos de planejamento municipal e quais as potencialidades e problemas apresentados pelos mecanismos de participação, para que se explique ao final, de que forma eles garantirão um Município ambientalmente sustentável.

Para a construção deste artigo, adotou-se como método de abordagem o dialético, tendo em vista que o trabalho penetra o mundo dos fenômenos por meio de sua ação recíproca. Além disso, como método procedimental, optou-se pelo estruturalista, que parte da análise de um fenômeno concreto para, em seguida, transpô-lo ao nível abstrato e vice-versa, vendo a realidade concreta do ponto de vista interno dos diversos fenômenos.

I Município ambientalmente sustentável: justificativas teóricas

Conforme leciona Sachs (2002, p. 50-55), o desenvolvimento sustentável surge a partir de duas posições opostas sobre o futuro da humanidade, que foram debatidas durante as preparações para a Conferência de Estolcomo. Uma considerava que "as preocupações com o meio ambiente eram descabidas" e impediriam o crescimento de países em desenvolvimento; a outra apontava para o apocalipse, no caso de não haver uma estagnação no crescimento demográfico e econômico, principalmente do consumo. Estas duas posições extremas foram descartadas e emergiu uma alternativa média, que objetivava o estabelecimento de um aproveitamento racional na natureza, com vista ao desenvolvimento socioeconômico, denominado desenvolvimento sustentável, que engloba os aspectos e a harmonização de objetivos sociais, ambientais e econômicos.

O desenvolvimento sustentável indica uma utilização racional dos recursos naturais, que defina padrões qualitativos da produção e do consumo, garantindo a existência digna das atuais e futuras gerações, muito embora, na prática, esta definição acabe não se materializando, uma vez que o termo foi interpretado de diferentes formas. O significado passou a variar e se dar a partir de concepções ou ecológicas, ou sociopolíticas ou econômicas, o que tem prejudicado o seu correto entendimento.

Consoante dispõe Acselrad, (2009, p. 43) "diversas matrizes discursivas têm sido associadas à noção de sustentabilidade", apontando que, entre elas, podem se destacadas quatro: a matriz da eficiência, que pressupõe o combate ao desperdício, estendendo a eficiência econômica para relações não mercantis; a de escala sugere

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um limite quantitativo ao crescimento econômico; a da equidade, "articula analiticamente os princípios de justiça e ecologia"; a matriz da autossuficiência aponta para a desvinculação de economias nacionais e das sociedades tradicionais no mercado global; e a da ética, traz um debate de valores, evidenciando como ocorre "a interação da base material do desenvolvimento com as condições de continuidade da vida no planeta". O elaborado do autor demonstra a complexidade da temática, ficando evidente que não existe um entendimento unânime acerca do tema, o que possibilita diversas formas de abordagem, mas que, a abordagem econômica do termo, acaba ocupando um espaço maior que as demais (ACSELARAD,1999, p. 80): a suposta imprecisão do termo sustentabilidade sugere que não há ainda hegemonia estabelecida entre os diferentes discursos. Os ecólogos parecem mal posicionados para a disputa em um terreno enraizado pelos valores do produtivismo fordista e do progresso material. A visão sociopolítica tem se restringido ao esforço de ONGs, mais especificamente na atribuição de precedência ao discurso da equidade, com ênfase ao âmbito das relações internacionais. O discurso econômico foi o que, sem dúvida, melhor se apropriou da noção até aqui, até mesmo por considerar sua preexistência na teoria do capital e da renda de Hicks.

Neste mesmo sentido de abordagem multidisciplinar, Sachs (1994, p. 23) dispõe que a sustentabilidade deve contemplar os aspectos sociais, culturais, econômicos, ecológicos e espaciais. A social refere-se distribuição de renda e bens, a fim de reduzir as diferenças entre as pessoas. A econômica verifica a eficiência em termos de retornos sociais e não somente pelo critério da rentabilidade empresarial. A ecológica, deve intensificar o uso potencial de recursos dos diversos ecossistemas com um mínimo de danos aos sistemas de sustentação de vida. A sustentabilidade espacial trata de uma configuração urbana-rural equilibrada e uma distribuição territorial justa. A cultural, refere-se ao respeito a cultura da comunidade envolvida, buscando soluções específicas para o local e sua história.

Para este estudo é importante destacar como o desenvolvimento sustentável e a sustentabilidade, são vistos no âmbito do meio ambiente urbano, onde os significados também podem ser abordados de diversas formas. O conceito trazido por Castells e Borja (1997, p. 195) aponta para um entendimento adequado do assunto:

El desarrolo sostenible presenta distintas dimensiones que deben ser tenidas em cuenta en el diseño de las estratégias de desararrollo urbano. El concepto "desarrollo sostenible" debe enfatizar el desarrollo como incremento de riqueza material, como aumento de la calidad de vida - de definición variable, según la cultura - y la reprodución de las condiciones sociales, materiales e institucionales para seguir adelante con esre desarrollo. Por tanto, la sostenibilidad no tiene una única dimenssión ambiental, sino que incluye una visión integral del desarrollo urbano.

Rech (2010, p. 48-49), seguindo a mesma linha, afirma que "o conceito de sustentabilidade ainda em construção é científico, epistêmico e vai sendo definido ao longo das diferentes abordagens [...]" indicando que, em nível de planejamento urbano, devem ser observadas "a ocupação adequada, mediante zoneamento ambiental, zoneamentos de ocupação sustentável, tanto na área urbana quanto rural", além disso,

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é importante que se tenha atenção "com vias de escoamento do trânsito, sistema de transporte, áreas de lazer, atividades econômicas geradoras de emprego" com a correta "distribuição de equipamentos institucionais, como hospitais, escolas, serviços públicos, etc." segundo o autor, essas seriam "providências mínimas para garantir a sustentabilidade".

Neste sentido, são três as matrizes discursivas da sustentabilidade urbana, apontadas por Acselrad (1999, 84-85), que podem justificar teoricamente o termo Município ambientalmente sustentável. Uma delas é a cidade como espaço de "qualidade de vida". Nela está presente o respeito às questões históricas e culturais locais, aliadas a uma ideia de auto-suficiência e de um significado para a cidade, sendo defendidas estruturas que favoreçam o dialogo e a construção de ideias. A ocupação urbana nestes moldes deverá "mesclar zonas de trabalho, moradia, lazer, reduzindo distância e 'pedestrizando'...

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