Os desafios à superação das insuficiências do acesso à justiça e questões polêmicas sobre a arbitragem

Páginas93-144
Alfredo Bochi Brum
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CAPÍTULO III OS DESAFIOS À SUPERAÇÃO
DAS INSUFICIÊNCIAS DO ACESSO À JUSTIÇA
E QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A
ARBITRAGEM
Nos primeiros tópicos do capítulo anterior, já se pôde
observar o quão complexo é sugerir uma mudança de (pre) conceito
que possa atender às exigências de um novo século.
O presente capítulo tem por fito efetivar também uma
análise do poder judiciário nesta virada de século e demonstrar que
uma inegável crise que acaba por refletir na vida dos
jurisdicionados que buscam (e muitos preferem relegá-lo), através
do referido poder, ter seus conflitos pacificados.
Deve ser antecipado que a crise de acesso à justiça é mais
ampla que a crise do acesso ao judiciário.
É importante frisar que a referida crise não necessariamente
seja oriunda da falibilidade ou carência dos julgadores
248 (muitos
verdadeiros heróis) mas, fundamentalmente, na falta de estrutura e
recursos que, somados à geométrica progressão do número de
demandas, tendem a se distanciar de uma solução rápida e efetiva à
pacificação. E é justamente a ausência de mecanismos estatais
capazes de minimizar sensivelmente essa distância um dos motivos
que acabam por ratificar a referida crise.
Por fim, ainda dentro desse cenário de crise, far-se-á a
apreciação dos aspectos mais polêmicos (hoje já nem tanto) da
arbitragem, que ainda é vista, não raras vezes, como ameaça ao
próprio Poder Judiciário, o que merece ser reparado.
248 “No se trata unicamente de sustituir la persona del juez por la de um particular. Si
creyéramos que con el solo cambio del jusgador se subsanaria el problema, pareciera que
el juez es quien lo causa, cuando sabemos a ciência cierta que es solo uno de los
engranajes de uma enorme maquinaria y que muchas veces él también resulta victima del
sistema”. (CAIVANO. Roque. Arbitrage. Su eficácia como sistema alternativo de
resolución de conflictos. Ad Hoc S. R. L. Buenos Aires, República Argentina, p. 40).
A Arbitragem na Seara dos Conflitos Coletivos e
Individuais de Trabalho
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Para isso, será preciso definir que a arbitragem e o Judi-
ciário nunca foram excludentes um do outro
249 e é nesse impulso
conjunto de forças que devem remar (ainda que contra a corrente:
estrutural numa e cultural noutra) em direção à pacificação.
Portanto, o desafio à superação das insuficiências do acesso à
justiça deve ser conjunto e não excludente, rogando pela melhoria e
manutenção da opção: seja pelo sistema jurisdicional tradicional,
seja pela arbitragem.
1. Crise de acesso à justiça e arbitragem
Diante de um cenário de crise já adiantado na parte intro-
dutória do presente capítulo, este tópico visa asseverar que uma das
maiores garantias fundamentais dos jurisdicionados é o acesso à
justiça, garantia que dá alicerce ao Estado Democrático de Direito.
Todavia, em que pese tal assertiva, não se pode concluir que o
acesso à justiça seja, necessariamente, acesso ao judiciário.
No momento em que o Estado-Juiz não detém um aparato
(recursos e infra-estrutura) capaz de alcançar uma solução rápida e
eficiente aos jurisdicionados está o mesmo, de certo modo,
ceifando esse direito basilar do cidadão.
Não se pode ficar com a ideia de que o acesso à justiça seja
somente a possibilidade de fazer movimentar a “máquina” do poder
judiciário. Deve-se buscar alternativas para garantir a efetivação dos
direitos, não bastando somente a garantia de propositura de
demandas uma vez que isso só não implica, necessariamente, o
acesso à justiça250. Desse modo, o acesso à justiça é algo mais
249 O que já houve referência na parte inicial e histórica deste estudo e que ainda h averá
mais oportunidades para repetir.
250 “A inefetividade das instituições judiciais diante desses conflitos vem abrindo caminh o
para uma crise de legitimidade de todo o Judiciário, decorrente tanto de fatores internos,
como o anacronismo de sua estrutura organiz acional e o esclerosamento da maioria de
seus ritos processuais, quanto de fatores externos, em face da insegurança de muitos
Alfredo Bochi Brum
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complexo e deve ir além de simplesmente assegurar a distribuição
do feito
251.
A pluralidade de modos de se ter acesso à justiça deve ser
fomentada não só pelo uso exclusivo do poder judiciário, mas
através da utilização dos diversos meios de pacificação dos conflitos
também existentes: mediação, conciliação e arbitragem. Foi feito
destaque à arbitragem, por estar a mesma assumindo hoje um papel
que dantes não lhe era totalmente alcançado, ou seja, de definir, sem
necessidade de qualquer ratificação do judiciário, um conflito com
vistas à sua melhor pacificação.
Por óbvio que, quando se desrespeitarem princípios também
basilares do Estado Democrático de Direito, como a imparcialidade,
a ampla defesa, o contraditório e a fundamentação das decisões,
deverá haver um “policiamento” por parte do Poder Judiciário, o
que, se deseja, não venha a ser a regra. Esse policiamento deve estar
mais afeto à forma que, necessariamente, ao conteúdo.
Prega-se uma mudança cultural que passa não só pelos
julgadores estatais e do próprio poder que representam, como das
partes, dos árbitros e de todos os próprios profissionais do Direito,
especialmente dos advogados252.
A Sociologia nos dá conta da existência de quatro conflitos
básicos: guerras, lutas de facções, conflitos de ideais pessoais e
litígios, dos quais esses estariam relacionados com a sua forma
judicial253. É claro que, no presente estudo, não se pode ter a petu-
lância de enfrentar cada um desses conflitos.
segmentos sociais com relação à aplicação de certas leis, em detrimento de outras”.
(FARIA, José Eduardo. Os novos desafios da justiça do trabalho. São Paulo: LTr, 1995,
p. 143).
251 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro.
São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 29.
252 Nesse sentido: BASSO, Maristela. Revista dos Tribunais, n. 733, novembro/96, 85º ano,
p. 15-16.
253 GIGLIO, Wagner Drdla. Os conflitos coletivos, a arbitragem e a Justiça do Trabalho .
Rev. LTr, vol. 47, n. 3, mai./1983, pág. 271.

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