A argüição de descumprimento de preceito fundamental

AutorProf. Carlos Mário Velloso
CargoEx-Presidente do Supremo Tribunal Federal. Professor Emérito da PUC-MG e da Universidade de Brasília, UNB.
Páginas1-8

Page 1

I Introdução: a jurisdição constitucional: a contribuição de Hans Kelsen

Em seguida à conferência de Hans Kelsen, proferida há mais de setenta anos, em que o jurista notável propugnou pela criação de Tribunais Constitucionais, a fim de realizar a jurisdição constitucional, tendo em vista que o ordenamento jurídico configura-se "como uma pirâmide hierárquica de normas, garantido-se a hierarquia normativa pelo controle da conformidade de normas de grau inferior com as determinantes normativas de grau superior", seguiu-se, em 1929, o famoso debate que Kelsen travou com Carl Schmitt, em que Kelsen sustentou que a guarda da Constituição deveria ser deferida a um Tribunal Constitucional, que apreciaria as questões jurídico-constitucionais, realizando a supremacia da Constituição.1É que esta é pressuposto de validade e de eficácia de toda a ordem normativa instituída pelo Estado e "uma Constituição, na qual não existia a garantia de anulabilidade dos atos inconstitucionais não é plenamente obrigatória em sentido técnico. Carl Page 2 Schmitt, a seu turno, recusava a idéia da instituição de uma jurisdição constitucional, porque a decisão que resolve a questão de constitucionalidade teria natureza política. Não caberia, então, a um Tribunal "fazer política", na defesa da constituição. Essa caberia, sim, a um órgão político. Essas duas posições exprimem, leciona Cardoso da Costa, "duas concepções diferentes de Constituição, ou do seu momento essencial e verdadeiramente radical (a uma concepção `normativista` de Constituição, como era a de Kelsen, contrapunhase uma sua concepção `decisionista-unitária`, como era de Schmitt), e, conseqüentemente, do que deva ser a sua `defesa` ou a sua `guarda`; como nela se exprimem, também, entendimentos diversos acerca da natureza da `justiça` ou da função jusrisdicional".

Do debate, saiu vitorioso Hans Kelsen. Pode-se afirmar, aliás, que Kelsen iniciou e pôs fim à polêmica. Sua conferência representou, felizmente, o alfa e o ômega da questão.

II O florescimento da jurisdição constitucional

A partir daí, e após a 2ª Guerra, foi notável o florescimento da jurisdição constitucional no velho mundo, registra Mauro Cappelletti, com a consolidação e alargamento do controle de constitucionalidade e sua introdução onde ainda não existia. As causas desse florescimento da jurisdição constitucional foram mesmo estas: o renascimento do constitucionalismo após a 2ª Guerra, a redescoberta da idéia de constituição e a necessidade de protegê-lá".

III A criação de cortes constitucionais européias

A Constituição da Áustria de 1920, sob a inspiração de Kelsen, criou a Corte Constitucional austríaca, aperfeiçoada com a reforma constitucional de 1929, também inspirada por Kelsen, e suprimida em 1938 com a ocupação alemã. A Tchecoslováquia e a Espanha, em 1921 e 1931, respectivamente, criaram as suas Cortes Constitucionais, as quais tiveram, entretanto, duração efêmera. Após a 2ª Guerra é que se deu o florescimento da jurisdição constitucional: a Corte Constitucional da Áustria foi reaberta em 1945. A Constituição italiana, de 1947, com vigência a partir de 1º de janeiro de 1948, criou a Corte Constitucional da Itália. O mesmo ocorreu com a Alemanha Federal, com a Lei Fundamental de Bonn, de 1949. Seguiu-se a instituição de Cortes Constitucionais no Chipre em 1960; na Turquia, em 1961; na Iugoslávia, de 1963 a 1974; na Tchecoslováquia, em 1968; na Grécia, em 1975; em Portugal, na primeira reforma da Constituição de 1976, ocorrida em 1982; na Espanha, em 1978 e na Polônia, em 1986. Page 3

IV A jurisdição constitucional no Brasil

No Brasil, a jurisdição constitucional - a jurisdição constitucional propriamente dita, o controle de constitucionalidade e a jurisdição constitucional das Liberdades, na classificação de Capelletti - tem sido ampliada, significativamente.

A Constituição do Império, de 1824, consagrava o controle político. Com a República, adotamos o controle jurisdicional, segundo o modelo norteamericano, controle difuso, portanto. Este foi o modelo consagrado na Constituição Republicana de 1891. A Constituição de 1934 "introduz a `ação direta interventiva`, modalidade de controle de constitucionalidade que se aproxima do modelo concentrado, vez que o único foro competente para julgála era o Supremo Tribunal Federal", cuja decisão representava um prius para a intervenção federal do Estado-membro. E mais: estabeleceu a Constituição de 1934 que a decisão de inconstitucionalidade somente seria tomada pelo voto da maioria absoluta dos membros dos Tribunais e atribuiu ao Senado competência para suspender a execução de lei declarada...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT