A desproporcionalidade da pena mínima cominada ao atentado violento ao pudor face à amplitude de condutas abrangidas pelo tipo

AutorDomingos Barroso da Costa. Fábio Rocha de Oliveira
CargoBacharel em Direito pela UFMG. Advogado/MG
Páginas8-

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Desde a promulgação da Lei nº 8.072, em 25 de julho de 1990, doutrina e jurisprudência pátrias vêm se mostrando, de um modo geral, omissas no que tange a uma questão extremamente relevante: a elevação promovida pelo legislador na pena fixada em abstrato para o delito de atentado violento ao pudor em sua modalidade simples, equiparando-a à sanção imposta ao crime de estupro, qual seja, seis a dez anos de reclusão.

A importância da questio iuris se avulta pelas suas implicações práticas no julgamento dos acusados pela imputação do art. 214 do Código Penal, colocando o magistrado em situação delicada ao reconhecer a existência do injusto penal e sua autoria, pois poderia se ver obrigado a aplicar reprimenda desarrazoada às especificidades do caso concreto1 . Assim, o debate aqui proposto nos parece significativamente pertinente aos operadores do Direito na seara penal, merecendo uma detida ponderação de seus aspectos centrais.

Para melhor compreender tal problema, insta salientar que o Estatuto Penal Substantivo, balizado por critérios que hoje se mostram ultrapassados e visando coibir a prática forçada de atos libidinosos, previu, em seu art. 213, a conduta do estupro, que se restringe ao ato de constranger mulher, mediante violência ou grave ameaça, à prática do coito vaginal. Já no art. 214, numa espécie de prescrição residual, definiu como penalmente relevante a conduta de "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal".

Conforme se verifica, tal divisão traz consigo algumas circunstâncias peculiares e complicadoras. Primeiramente, trata-se de diferenciação desnecessária, vez que o coito vaginal também é ato libidinoso. Logo, bastaria a menção a uma norma incriminadora única, com limites sancionatórios mais elásticos, na qual se prescrevesse a proibição do constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática de ato libidinoso.

Em segundo lugar, observa-se, ao lado de um tipo totalmente restritivo (art. 213), a existência de outro demasiadamente "aberto" (art. 214), na medida em que dá ampla discricionariedade a promotores e magistrados, os quais não encontram limites jurídicos definidos para classificar como "ato libidinoso" uma conduta qualquer, o que acaba por direcionar as diversas interpretações de um contexto fático com lastro em conceitos eminentemente morais.

Todavia, este nem seria o maior problema, não fosse o elevado patamar em que foi estabelecida a pena mínima cominada ao delito de atentado violento ao pudor. A ampla possibilidade de condutas passíveis de subsunção ao modelo previsto no tipo traz à tona a desproporcionalidade da sanção mínima fixada aos condenados pela prática em comento, engessando juízes e tribunais no que concerne à individualização da reprimenda a partir da lesividade da ação apurada. Assim, abre-se espaço para construções jurídicas teratológicas, em que se iguala um indivíduo que constrangeu outrem à prática de coito anal àquele que deu um beijo considerado lascivo na boca de uma criança, podendo este, inclusive, receber uma apenação maior que o primeiro.

Já no século XVIII, o precursor dos princípios que regem o Direito Penal Moderno, Marquês de Beccaria, chamava a atenção para a necessidade de se observar a proporcionalidade entre a pena a ser aplicada e o grau de lesividade da conduta perpetrada. Neste sentido, formulou a seguinte assertiva:

"A fim de que o castigo surta o efeito que se deve esperar dele, basta que o mal causado vá além do bem que o culpado...

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