Silêncios, diálogos e os Monólogos da vagina: instantes dos feminismos (Brasil, 1970-1990)

AutorSuely Gomes Costa
CargoUniversidade Federal Fluminense
Páginas35-56
SILÊNCIOS, DIÁLOGOS E SILÊNCIOS, DIÁLOGOS E
SILÊNCIOS, DIÁLOGOS E SILÊNCIOS, DIÁLOGOS E
SILÊNCIOS, DIÁLOGOS E
OS MOLOGOS DA VOS MOLOGOS DA V
OS MOLOGOS DA VOS MOLOGOS DA V
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INSTANTES DOS FEMINISMOS (BRASILANTES DOS FEMINISMOS (BRASIL
ANTES DOS FEMINISMOS (BRASILANTES DOS FEMINISMOS (BRASIL
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Suely Gomes Costa
suelygom@oi.com.br
Universidade Federal Fluminense
Resumo
Estranhamentos diante da versão brasileira de Os monólogos da vagina, peça
teatral da norte-americana Eve Ensler, sugerem a reavaliação de referências
historiográficas sobre feminismos no Brasil, entre os anos 1970 a 1990.
Palavras-chave: feminismos, práticas políticas, experimentos da sexualidade,
associativismos, linhas da vida.
Abstract
Surprises brought up by the brazilian version of The vagina monologues, play
written by the North American Eve Ensler, may suggest a revaluation of
historiographical references on feminisms in Brazil, between the 1970s and the
1990s.
Key words: feminisms, political practices, experiments on sexuality,
associativisms, life lines.
Em 2000, “zapeando” na TV a cabo, retenho instantes finais de um docu-
mentário norte-americano sobre uma peça de teatro que vincula o processo de
criação, a autora, o enorme sucesso nos EUA e noutras partes do mundo a movi-
mentos de mulheres norte-americanas, remetendo a silêncios, diálogos e monólo-
gos de mulheres sobre sua sexualidade. A peça em questão é Os monólogos da
vagina, que teve sua adaptação brasileira estreada no Rio de Janeiro naquele
mesmo ano. Num teatro do Shopping da Gávea, diante do enorme cartaz com os
créditos do espetáculo, logo na entrada, sinto um indefinível mal-estar: no alto, o
nome do diretor Miguel Falabella, em letras garrafais, como que a soterrar o de
Eve Ensler, autora do texto, bem abaixo do dele, em letras minúsculas, difíceis de
distinguir.
No prefácio ao livro que dá origem à peça, Gloria Steinem, feminista norte-
americana das mais atuantes dos anos 1960, registra a mesma sensação que eu
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no seu primeiro contato com a peça: “Eu já conheço isso. É a viagem da verdade,
dizendo o que fizemos nas últimas três décadas”2. Após o espetáculo, eu esque-
cera as cenas da peça, mas transportada para tempos e lugares de minha partici-
pação em movimentos de mulheres do Rio de Janeiro, em meados dos anos 80,
revivo, então, instantes de lutas por direitos reprodutivos. Grupos de mulheres –
de reflexão e ação –, modos novos de fazer política de que Gloria se ocupa no
prefácio, através de uma metodologia centrada na sexualidade feminina, a linha
da vida, associam mulheres diferentes em rede.3 Neles, depoimentos feitos em
grupos de mais ou menos dez mulheres, mais curtos ou mais longos, cercados de
sofrimentos e de prazer, engrossam histórias de corpos femininos em seus expe-
rimentos de sexualidade e oferecem orientações de lutas por direitos, em especi-
al dos reprodutivos e sexuais, e busca de políticas centradas em vidas de mulhe-
res. Essa metodologia está em todo o mundo.4 Abrem-se nela “campos de expe-
riência” e “horizontes de expectativas”.5 Hoje, essa experiência, vista a distân-
cia, parece revelar a persistência do paradoxo observado por Scott nas lutas do
passado, quando feministas “exigiam com insistência ou igualdade ou diferença,
e que qualquer desses enfoques seria (e ainda é) uma estratégia bem-sucedida
quanto à outra”6. A peça me conduz à trama que tece esse campo de experiênci-
as aberto a mulheres tão diversas, um lugar de lutas específicas, no qual se rea-
firmam diferenças, mas contra as desigualdades. Há por conhecer trajetórias de
feministas plurais nessa afirmação de diferença e que oferecem instantes de
tomada de consciência das desigualdades sociais. É tempo de examinar suges-
tões de Scott sobre o paradoxo observado nas experiências de feministas france-
sas do século XIX estendidas às de hoje:
Na era das revoluções democráticas, “mulheres” tornavam-se
excluídas políticas por artes de um discurso baseado em dife-
rença sexual. O feminismo era um protesto contra a exclusão
política da mulher: seu objetivo era eliminar as “diferenças
sexuais” na política, mas a reivindicação tinha de ser feita em
nome das “mulheres” (um produto do próprio discurso da
“diferença sexual” que procurava eliminar. Esse paradoxo – a
necessidade de a um só tempo, aceitar e recusar a “diferença
sexual” – permeou o feminismo como movimento político por
toda a sua longa história7.
A necessidade de invocar o termo “mulheres” – diante das questões da
cidadania universal – recomporia, a seu ver, a exclusão com base na diferença
biológica entre homem e mulher, pois as lutas sexistas acabariam concebendo a
diferença sexual não apenas como um “ato natural”, mas também “como uma
justificativa ontológica para um tratamento diferenciado no campo do político e
social”, com repercussões sobre a universalidade de direitos.8 Há muito, porém,

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