O dilema do Campo de Santana

Decadente há meio século, o cenário da Proclamação da República reflete até hoje as mudanças na História da cidade; agora, entre o ocaso e as mutações do Rio, aguarda seu destinoFlávio Tabakflavio.tabak@oglobo.com.brGuito MoretoDiariamente, às 17h, um funcionário da prefeitura surge com seu apito prateado, a bordo de um carro elétrico, e avisa os passantes: o tempo acabou. Alguns resistem, querem permanecer nos confortáveis bancos de madeira, mas o Campo de Santana, a partir daquele momento, será só dos animais. A outra fauna, a humana, tão complexa e diversificada quanto, só poderá voltar às 7h do dia seguinte ao oásis verde que respira em pleno Centro do Rio. Mas estará obrigada a dividir espaço, nem sempre em harmonia, com cutias, pavões, gatos, gansos, patos, irerês e até uma solitária galinha d'angola.Há 123 anos, porém, não havia harmonia alguma entre os militares rebelados e D. Pedro II. Naquele 15 de novembro de 1889, o bem frequentado Campo de Santana pertencia ao marechal Deodoro da Fonseca, montado em seu cavalo. Doente e com um revólver no bolso, sob aplausos e vivas, o militar espantou a monarquia e liderou, com Benjamin Constant, o processo de ideias positivistas que culminou na proclamação da República.De lá para cá, o regime manteve-se - mesmo com revezamentos entre ditadores e democratas -, e os jardins do Campo de Santana, projetados pelo paisagista e botânico francês Auguste Glaziou, testemunharam inúmeras mutações da cidade, refletidas em conversas e hábitos de seus frequentadores. Hoje, depois de pelo menos meio século de decadência, o lugar enfrenta um dilema: embarca nas profundas mudanças da cidade, impulsionadas pelo atual desenvolvimento econômico, ou permanece como lembrança viva de um passado recente e inconveniente.Entre árvores como baobás e figueiras, algumas originárias da Índia, um homem tira um chinelo branco do pé direito e aponta para um dos oito pavões do parque; tenta hipnotizá-lo. Prestes a bater na ave símbolo da vaidade, percebe a movimentação ao redor e desiste. A cena ocorreu na manhã da última quarta-feira e é um exemplo de que o clima anda tenso entre os pavões. Semana retrasada, um homem arrancou pelo menos cinco longas penas da cauda de um deles. Ensanguentado, o animal foi socorrido, e, apanhado por um guarda, o agressor foi despachado para a delegacia.Entre os que cruzam o Campo de Santana, as queixas são semelhantes. Apesar de apreciarem o bucolismo local, não ficam à vontade para caminhar calmamente...

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