Direito e Fraternidade: Fórmula para o Bem Comum

AutorAnelícia Verônica Bombana Consoli
CargoMestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí. Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Associação dos
Páginas36-39

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O direito não é um produto arbitrário da vontade do legislador, mas uma criação que se lastreia no querer social. É a sociedade, como centro de relações da vida, como sede de acontecimentos que envolvem o homem, quem fornece ao legislador os elementos necessários à formação dos estatutos jurídicos.

A sociedade humana é o meio em que o direito surge e se desenvolve. Para Munir Cury "o direito não existiria sem a sociedade, da qual surge e para a qual se destina, e a sua ideia não poderia nascer na consciência individual se o homem não vivesse em sociedade com outros homens"1, pois, segundo o autor, a vivência em sociedade é o fato que inspira a consciência humana para a necessidade do direito, ela provém "da experiência social que vivem na interação com seus semelhantes"2

A doutrina jusnaturalista já inspirava a produção de um direito natural, universalmente válido, em que os costumes possuíam força expressiva na conduta dos cidadãos, e esse uso continuado tradicionalmente aplicado ao longo do tempo tinha o poder de consolidar valores e formar princípios socialmente desejáveis.

Fala-se em justiça como algo socialmente desejável, e mais, busca-se a justiça como uma fórmula técnica de solução aos problemas sociais. Não passa de sonho utópico.

Para Gianni Caso, a finalidade da justiça é "de assegurar o bem comum e de tutelar a dignidade da pessoa, de cada mulher e de cada homem e que o direito tem a função de ajudar a construir os relacionamentos sociais"3.

O estado da arte está em encontrar um modo de se fazer justiça através do respeito e harmonia entre os seres, independente de quem se trate; o que realmente importa é a forma como devem se portar uns com os outros.

Deve-se deixar de lado a cultura egoísta que foi absorvida do sistema capitalista em que a regra subentendida na consciência de todos dita um "dever" - obter lucro sem limites -, independente do modo como isso é feito, ou independente de quantos seres serão prejudicados.

Uma sociedade pautada no des-valor egoísmo terá profundas dificuldades de tornar-se uma sociedade justa, em razão de que, como ensina Munir Cury, "a justiça se opõe a essa tendência, exigindo que se respeitem os direitos e as pretensões dos demais membros da sociedade"4.

A sociedade precisa adotar a va-loração do bem comum, em que não apenas o bem individual seja valorado, ao contrário, vivendo em coletividade deve-se buscar a solidariedade com o outro, respeitando a vida em comunidade.

Direito e fraternidade: busca pelo bem comum

A justiça, segundo Munir Cury5, assim como o direito, não é simples técnica de igualdade na ordem social, é virtude de convivência humana, que tem por objetivo e significação o respeito à dignidade de todos os seres humanos.

O ordenamento jurídico, por ser produto de diversas vertentes de fontes, pode se constituir de normas jus-

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tas e injustas; isso deve ser medido ao passo que essa normativa promove o bem comum ou o compromete.

No entanto, não se faz suficiente uma lei formalmente e materialmente justa, mais que isso, é necessária uma justa interpretação e aplicação da lei e isto depende do modo valorativo em que as relações sociais se desenvolvem.

Atualmente a fraternidade está sendo redescoberta como verdadeira categoria jurídica, para Munir e Afife Cury6, tem se mostrado como importante elemento para a compreensão dos problemas de forma a implementar uma mudança radical nas relações da busca do bem comum.

Jacy de Souza Mendonça7 ensina que o bem do homem só se realiza com o bem do outro, e neste modo plural de participação no bonum, nesta inter-relação humana, nesta busca em comum do bem comum, que está o justo, que se resume em "um modo de o ser humano buscar sua perfeição, realizar-se, ser bom".

Para Rudolf Von Ihering8 o fenômeno jurídico é sobretudo uma criação cultural e orgânica do povo e não apenas do legislador. Para o autor, "o direito é um trabalho sem tréguas, não só do Poder Público, mas de toda a população. Avida do direito nos oferece, num simples relance de olhos, o espetá-culo de um esforço e de uma luta incessante, como o despendido na produção econômica e espiritual. Qualquer pessoa que se veja na contingência de ter de sustentar seu direito participa dessa tarefa de âmbito nacional e contribui para a realização da ideia do direito."

Para que se possa chegar ao estado da arte mencionado nas considerações iniciais desse trabalho, é necessário que se parta do princípio básico que vislumbra a justiça como a única relação inteiramente determinada pela coexistência humana e que se exaure de homem para homem e que, segundo Munir Cury, "provém da consciência das relações entre os indivíduos, da fatalidade social dessas relações e da necessidade, experimentalmente verificada, de as disciplinar"9.

Os fundamentos de justiça vão além da natureza ético-psicológica e a materializam em reivindicações e protestos, que traduzem em manifestações os desejos que causam inquietações à alma humana.

A justiça idealizada e buscada para a vida em sociedade se aplica aos princípios da ordem social, porque esta será justa na medida em que assegurar a cada um o seu de direito. No entanto, segundo Munir Cury10, "o condicionamento social, relacionando os homens de modo diferente e até antagônico, os conduz a terem da justiça imagens também diferentes a antagônicas."

Erich Fromm11 afirma que "a nossa civilização raramente procura aprender a arte de amar e, inobstan-te a desesperada procura pelo amor, revela-se como mais importante o sucesso, o prestígio, o dinheiro, o poder".

Nesse sentido é necessário que o ordenamento jurídico esteja sempre deliberando por normas a atender melhor as necessidades do bem comum, e mais necessária é a aplicação das diretrizes há muito já consolidadas mas que se mostram esquecidas, assim como o princípio da fraternidade.

Como lembra Munir Cury12, a Constituição...

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