Ditadura militar e resistência operária: O movimento sindical brasileiro do golpe à transição democrática

AutorMarco Aurélio Santana
CargoDoutor em Sociologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Páginas279-309
Dossiê
* Doutor em Sociologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia
e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Publicou, entre
outros, Homens partidos: comunistas e sindicatos no Brasil (São Paulo, Boitempo,
2001); tendo organizado também Trabalho e tradição sindical no Rio de Janeiro: a
experiência dos metalúrgicos (Rio de Janeiro, Editora DP&A, 2001) e Além da fábrica:
trabalhadores, sindicatos e a nova questão social (São Paulo, Boitempo, 2003), com
José Ricardo Ramalho. Endereço eletrônico: msantana@bridge.com.br.
Ditadura Militar e resistência operária:
O movimento sindical brasileiro
do golpe à transição democrática
Marco Aurélio Santana*
1. Introdução
Os anos de 1950 marcam um período de extrema importância
para os trabalhadores brasileiros. O movimento sindical, lide-
rado pela aliança das militâncias comunista e trabalhista, conseguiu
grande avanço organizativo e mobilizatório, o que resultou em
uma forte participação dos trabalhadores no seio da sociedade e
na vida política nacional.
Após mais de uma década desse intenso crescimento e ativi-
dade, toda a estrutura organizacional dos trabalhadores brasileiros,
na base e na cúpula, foi duramente atingida pelo golpe civil-militar
de 1964, o qual tinha como uma das suas justificativas exatamente
impedir a implantação de uma “república sindicalista” no país. A
prisão de lideranças, a perseguição de militantes, bem como a deses-
truturação do trabalho nos sindicatos e nas fábricas, desbarataram
atividades que levariam bastante tempo para serem recompostas.
Em termos do movimento operário, o que restou, como tradicio-
nalmente restava em períodos como esse, foi o trabalho pequeno e
silencioso no chão de fábrica. Era preciso recompor forças e somar
esforços para enfrentar a ditadura.
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Nº 13 – outubro de 2008
O problema maior é que a implantação do regime militar
abriu, no seio da esquerda em geral, e no interior do até então
partido hegemônico da esquerda em particular, o Partido Comu-
nista Brasileiro (PCB), um duro e sério debate acerca dos caminhos
percorridos antes e depois do golpe. Da crítica e autocrítica resul-
tou uma série de outros grupos e concepções dos novos rumos a
serem trilhados. O PCB, diante das posturas assumidas pré e pós
golpe (com sua política de alianças e frente pela democracia), era
responsabilizado e colocado em uma posição como que à margem
do processo de luta das esquerdas. Enquanto o partido clamava pela
organização de base e pela via pacífica de luta contra a ditadura e
pela democracia, entrava em voga a via da luta armada como opção
única de oposição ao regime. Um dado importante é que, contra-
balançando a opção quase geral dos grupos de esquerda pela luta
armada, o PCB optou por uma tentativa de penetrar na estrutura
sindical da qual havia sido banido.
Ao longo desse período vão radicalizar-se algumas tendências
em termos da economia que produzirão uma intensa transformação
na face do país como um todo, e principalmente de sua classe ope-
rária. A intensificação da introdução de plantas industriais modernas
e sua concentração geográfica (processo que se inicia em fins dos
anos 50) vão possibilitar o surgimento do que se convencionou
chamar de “nova classe operária”. Ainda que não exclusivamente,
serão esses os atores que despontarão mais tarde auxiliando na
crise final da ditadura militar.
Esse artigo analisa a trajetória do movimento sindical bra-
sileiro no período, dando ênfase aos fatores internos à vida desse
movimento, entre os quais figuram as suas forças constitutivas e
as disputas internas existentes em seu seio, as orientações polí-
tico-ideológicas e suas influências na organização e nas práticas
do mesmo, bem como as formas de luta empreendidas. Estarão
em tela, também os fatores condicionantes externos, tais como
as conjunturas políticas e econômicas, que servem de cenário
para a ação do ator sindical, ao mesmo tempo modificando e
sendo por esse modificado.
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Marco Aurélio Santana
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O movimento sindical brasileiro do golpe à transição democrática
Dossiê
2. A ditadura militar e as novas tarefas sindicais
Após o golpe civil-militar, a extensão das intervenções perpe-
tradas pelo governo do general Castelo Branco (1964-1967), teve um
alcance bastante grande, podendo ser sentida em todas as esferas
da vida sindical, principalmente naqueles setores liderados pelos
sindicalistas progressistas1.
Além de trabalhar nesse ataque direto às entidades, cas-
trando-as de forma imediata, a ditadura vai também buscar atacar
em termos do longo prazo, atuando sobre a legislação (ALMEIDA,
1975). O governo passa, por meio de uma série de medidas, a refor-
çar o caráter de controle sobre o movimento sindical, já presente
previamente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim,
estabelecem-se regras estritas para a ocupação do espaço sindical,
com candidatos sujeitos à avaliação pelo Ministério do Trabalho e
pela polícia política, e restringe-se o uso e o acesso aos recursos dos
institutos de previdência, agora centralizados no Instituto Nacional
da Previdência Social (INPS), cuja direção não se faria mais parcial-
mente sob o controle dos trabalhadores, como nos antigos institutos
de pensão, e sim com a indicação direta pelo governo. No que diz
respeito às mobilizações, apesar de uma suposta regulamentação e
garantia do direito de greve, o que se deu de fato, foi a proibição do
que seriam greves políticas e de solidariedade, quase que limitando
a possibilidade de greves à cobrança de salários atrasados.
O primeiro governo militar vai implantar o Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS). Esse dispositivo, que punha fim a es-
tabilidade no emprego, incentivava diretamente a alta rotatividade
de mão-de-obra por parte dos patrões e, correlatamente, dificultava
uma ação sindical mais combativa a partir dos locais de trabalho.
1 “De fato, o governo interveio em 67% das confederações, em 42% das federações
e em apenas 19% dos sindicatos. Organizações sindicais de bancários e trabalha-
dores em transportes figuraram de modo proeminente nas greves políticas, entre
1960 e 1964, e foram atingidas com maior intensidade, proporcionalmente, que
os outros setores. E significativamente, os grandes sindicatos sofreram mais que
os pequenos: o Ministério interveio em 70% dos sindicatos com mais de 5.000
membros; em 38% dos com 1.000 a 5.000 membros; e em apenas 19% daqueles
com menos de 1.000 membros. O governo militar simplesmente decapitou o
movimento trabalhista radical” (ERICKSON, 1979, 209).

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