Em diversas cores, em vários sabores, a cultura está na mesa

AutorFernando Floriani Petry
CargoBolsista CAPES - Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas83-98
http://dx.doi.org/10.5007/1984-784X.2012v12n18p83
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E
M DIVERSAS CORES
,
EM VÁRIOS SABORES
,
A CULTURA ESTÁ NA MESA
1
Fernando Floriani Petry
Bolsista CAPES - doutorado
Universidade Federal de Santa Catarina
ferpetry@gmail.com
Resumo: Cultura é sabor. Cultura é cultura. Cultura é comida. Nesse artigo, apresento
algumas discussões em torno do que é cultura, ou melhor, Cultura, na e para a Revista do
Livro, publicada pelo Instituto Nacional do Livro, entre os anos de 1956 e 1970. O projeto
político-literário da Revista envolve conceitos centrais para se pensar a época, desde o
Nacionalismo Cultural até a popularização da cultura.
Palavras-Chave: Revista do Livro; Cultura; Nacional; Nacionalismo.
Abstract: Culture is flavor. Culture is culture. Culture is food. In this article, I present
some discussions about what is culture, or rather, Culture, in and for the Revista do Livro,
published by Instituto Nacional do Livro, between 1956 and 1970. The political-literary project
involves concepts central to think about, like Cultural Nationalism until the popularization
of the culture.
Keywords: Revista do Livro; Culture; National; Nationalism.
SOS
tem gente morrendo de medo
tem gente morrendo de esquistossomose
tem gente morrendo de hepatite meningite sifilite
tem gente morrendo de fome
tem gente morrendo por muitas coisas
nós, que não somos médicos, psiquiatras,
nem ao menos bons cristãos,
nos dedicamos a salvar pessoas
que, como nós,
sofrem de um mal misterioso:
o sufoco.
Chacal, América, 1975.
1
Tom Zé. “Sab or de burrice”: veja que beleza / em diversas cores / veja que beleza / em vários sabores / a
burrice está na mesa. In: Grande Liquidação, 1968. Lado B.
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Cultura é ação, processo ou efeito de cultivar a terra. Cultura é civilização. Cultura é
não cuspir no chão, nem para cima. cultura é esquistossomose. Cultura é uma palavra de
origem complexa, passível de ser distinguida em três sentidos modernos principais, com
base em suas raízes etimológicas, sendo o primeiro algo ligado à civilidade; o segundo, à
civilização; e o terceiro, ao refinamento intelectual.
2
cultura é massa, Cultura é de massas.
Cultura é de esquerda, direita, de centro. Cultura letrada. Cultura é um conjunto de práticas,
de técnicas, de símbolos e de valores que são transmitidos geracionalmente a fim de
garantir a perpetuação de um estado de coexistência social.
3
Cultura analfabeta cultura é
contra. Cultura é tudo. É nome de revista, de livro, de música. Cultura é nada. cultura é um
belvedere. Um troço. Um míssil. Um fóssil. cultura é o preço da passagem. cultura é
paupéria. Cultura é geleia. Geral. cultura é medula e osso. Ou seja, cultura é sufoco.
E nós, que não somos médicos, antropólogos, nem ao menos bons cristãos, “eu sou
como sou / pronome / pessoal intransferível / do homem que iniciei / na medida do
impossível”
4
, não nos deixei cair na tentação de tentar definir cultura.
Aqui se ensaia uma ideia de cultura. Ou melhor, aqui se ensaia que não se pode
definir precisamente o que é cultura, ou Cultura, não ao menos sem ter um paradigma de
sustentação, uma estrutura de análise. Na antropologia, o estudo da cultura está
intimamente ligado ao estudo da civilização (leia-se: conjunto de aspectos peculiares à vida
intelectual, artística, moral e material de uma época, região, país ou de uma sociedade). Já
para o mercado, cultura é produto, finito, valorizável (principalmente se vier rotulado e
com selo do Inmetro...).
Tomo, portanto, a cultura como uma forma de compreender como a cultura pode
ser uma ferramenta de leitura dos diferentes movimentos e propostas na literatura e na vida
(cultural) brasileira através da Revista do Livro. A proposta não é tentar definir o que é
cultura, ou o que pode ser entendido por cultura. O desejo é ver como isso que é cultura
auxilia na compreensão das disputas, das escolhas, das produções do período. Ou seja, o
movimento é inverso, é compreender como atua isso que a revista chama de cultura.
Como recorte do vasto campo que se abre, optei por analisar alguns editoriais da
Revista do Livro, analisar a proposta de cultura da revista como um contraponto a outras
produções da época, através da leitura de poemas de Chacal, Waly Salomão, Torquato
2
Eagleton. A ideia de cultura, p. 19.
3
Bosi. Dialética da colonização, p. 16.
4
Neto. “Cogito”, Últimos dias de paupéria. (Org. Waly Salomão), p. 23.

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