Do mandato

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24. 1 Conceito e generalidades

Não devemos confundir a palavra mandato com mandado. Mandado é uma ordem do juiz que deve ser cumprida. O juiz, ao desejar dar uma ordem, expede um mandado. Quando o juiz quer determinar prisão de uma pessoa, expede o mandado de prisão. Mandato "é contrato através do qual alguém (mandatário, ou procurador) recebe poderes de outra pessoa (mandante) para, em seu nome, executar atos de efeitos jurídicos ou administrar interesses".230Vale dizer, o mandatário atua no interesse do mandante, agindo em nome deste. Aliás, o próprio Código Civil, no seu art. 653, apresenta a definição de mandato ao estabelecer que: "Opera-se o mandato, quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato". Por conseguinte, o mandatário age em nome do mandante, em seu nome praticando atos ou administrando interesses.

Digna de menção é a lembrança de Arnoldo Wald de que "o mandato só é admissível para os atos que não têm natureza personalíssima, não se podendo, por

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exemplo, conceder mandato para fazer testamento, embora se admita o mandato para o mandante casar com pessoa determinada. "O casamento pode celebrar-se mediante procuração, por instrumento público, com poderes especiais" (art. 1.542 do CC). Colhe-se, também, a lição sempre proverbial de Luiz Roldão de Freitas Gomes: "O mandato só é conferido para a prática de atos jurídicos que não exijam a intervenção pessoal do mandante. Não pode ser concedido para a celebração de testamento, para o exercício de cargo público, do serviço militar e outros". Continua: "A jurisprudência não o permite para ser recebida indenização acidentária. As leis previdenciárias também o vedam para a percepção de certos benefícios".231Quem confere os poderes para a prática dos atos tem o nome de mandante; aquele, a quem os poderes são conferidos, chama-se mandatário ou procurador. Procurador, porque este se utiliza da procuração, que é o instrumento representativo do mandato, onde estão os poderes que lhe foram conferidos para poder agir segundo a vontade do mandante.

De logo fica fácil concluir que o mandato e a procuração não se confundem. Mandato é contrato "que designa duas vontades, uma dando a outra uma incumbência; outra a recebendo e a aceitando, para que realize ou execute o desejo da outra".232

Enfim, pelo mandato, uma pessoa outorga poderes a outra para que pratique ou execute atos ou negócios jurídicos em seu nome, e esta se compromete a executá-los. Na procuração estão os poderes conferidos, sendo, portanto, o instrumento por escrito do mandato. É através da procuração que se outorga o mandato.

24. 2 Caracterização do mandato

O traço característico do mandato é a representação. Vale dizer, alguém, não podendo ou não querendo realizar determinado negócio jurídico, outorga poderes a outra pessoa para representá-lo, juridicamente. O mandatário passa a ter o poder de agir em nome do mandante, praticando todos os atos como se este último estivesse atuando em pessoa. A consequência maior desse ato é que o mandatário obriga o próprio mandante diretamente em relação ao terceiro e este, também, diretamente em relação ao mandante, sem obrigar-se, ele próprio, pela operação realizada. Nessas condições, o mandatário pratica o ato, mas é o próprio mandante quem se obriga, respondendo por todos os atos daquele.

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24. 3 Classificação do mandato

O contrato de mandato inicia-se com um ato unilateral de vontade do man-dante, só se aperfeiçoando com a aceitação do mandatário. Depende, pois, da conjugação das vontades do mandante e do mandatário para se formar, não exigindo nenhuma materialização. Por isso, é contrato consensual.

No momento em que se forma, gera obrigações apenas para o mandatário, podendo tornar-se contrato bilateral, desde o momento da sua formação, se houver cláusula expressa referente ao ônus ou aos atos a serem praticados pelo mandatário, se tiverem que ser próprios de sua profissão. É o que se extrai da dicção textual do parágrafo único do art. 658 do CC, in verbis: "O mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa".

A regra é a gratuidade, salvo se se estipulou remuneração ou se o objeto do mandato pertencer ao ofício ou à profissão do mandatário, quando a remuneração verifica-se de pleno direito. Por conseguinte, o mandato, no campo do direito civil, pode ser gratuito ou oneroso. "Se o mandato for oneroso, caberá ao mandatário a retribuição prevista em lei ou no contrato. Sendo estes omissos, será ela deter-minada pelos usos do lugar, ou, na falta destes, por arbitramento" (par. ún. do art. 658).

Face ao exposto, o mandato é consensual e unilateral, podendo ser bilateral, gratuito ou remunerado em casos especiais ou expressos.

24. 4 Espécies de mandato

O mandato comporta vinculação expressa ou tácita, verbal ou escrita. É o que se extrai da dicção textual do art. 656 do CC, in verbis: "O mandato pode ser expresso ou tácito, verbal ou escrito".

1) Expresso - quando por escrito, a procuração é o instrumento do mandato. Assim, o mandato é a outorga a outrem de poderes gerais ou especiais, através dos quais fica o mandatário autorizado a praticar, em nome do mandante, os atos previstos no seu instrumento. Aliás, para os atos que exigem instrumento escrito, não se admite mandato verbal (CC, art. 657, segunda parte).

Exemplificando: o mandato outorgado por um analfabeto só pode ser feito por instrumento público, ou seja, a lei não admite o mandato verbal, nesse caso. O público é o lavrado no livro de notas do tabelião.

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2) Tácito - Tácito, "quando a sua existência pode ser deduzida de circunstâncias de direito ou de fato, que o tornem certo para a prática de determinados atos pelo mandatário"233. Por exemplo, a administração pelo condômino da coisa em comunhão, sem oposição dos demais condôminos (art. 1.324 do Código Civil); o caso do endosso-mandato, ocasião em que o endossante investe, tacitamente, de poderes de cobrador, para a devida cobrança.

Verbal, será quando o mandato é outorgado oralmente, na presença do mandatário. De qualquer maneira, para os atos que exigem instrumento escrito, não se admite a procuração verbal" (CC, art. 657).

Por conseguinte, é de corriqueira sabença que o mandato pode ser feito por instrumento particular ou passado pelos tabeliães (instrumento público). Este, por sua vez, só é exigido se a lei assim o determinar. Melhor dizendo, se o ato exige instrumento público, somente por instrumento público pode ser outorgada a procuração. Por exemplo, o mandatário, para representar o mandante na venda de um imóvel à vista (venda de imóvel acima da taxa legal), deve estar munido de procuração pública, porque o ato assim o exige; se por instrumento particular, deve este conter certos requisitos, ficando inserido neste o nome do outorgante, a individuação de quem seja o outorgado, o objetivo da outorga, a natureza, a designação e extensão dos poderes conferidos, e, especialmente, o reconhecimento da firma do mandante (CC, art. 654, § 2º), sob pena de não ter eficácia. A propósito, interessante questão foi julgada pelo TASP, que anulou uma assembléia geral de condôminos, por falta de quorum. É que comparecera um mandatário representando diversos condôminos, através de procuração que não continha a firma reconhecida dos mandantes e, por isso, além dos votos destes não terem sido considerados válidos, não houve um número suficiente para a realização da assembléia (in RT 492/153). "O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida (CC, art. 654, § 2º).

24. 5 Quem pode outorgar procuração

"A exigência de procuração por instrumento público em relação a menor, contida no art. 1.289 (novo, art. 654) do CC, restringe-se ao mandato para atos negociais, pelo que se afigura válida em tal caso a procuração para postular em juízo, outorgada por instrumento particular, por menor assistido pelo representante legal" (in RT 696/170).

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Qualquer pessoa natural capaz e as pessoas jurídicas, podem outorgar procuração mediante instrumento particular. É o que se extrai do conteúdo textual do art. 654 do CC, in verbis: "Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante".

Isto significa que as pessoas absolutamente incapazes (menores de 16 anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade) não podem constituir pessoalmente procurador, porque é sabido que o mandatário obriga o mandante, diretamente, para com terceiros, e os absolutamente incapazes não têm discernimento suficiente para se obrigar. Se o recém-nascido desejar saber quem é o seu pai, terá que propor ação de investigação de paternidade. Para agir em juízo, além de necessitar contratar um advogado, terá que outorgar procuração e, quem o faz em seu nome é o seu representante legal, geralmente a mãe. Já os relativamente incapazes podem passar procuração, desde que assistidos pelos seus representantes legais e através de instrumento público; por instrumento particular, só os capazes têm esse direito. Analise o art. 654 do CC, transcrito acima.

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