Do Processo Criminal

Autorde Araujo Lima Filho, Altamiro
Páginas290-378

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DO PROCESSO CRIMINAL

Art. 2º O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações:

Dentre as garantias asseguradas aos cidadãos pela Lei Maior encontramos a do devido processo legal,305princípio democrático de ampla abrangência e impeditivo, assim, de qualquer possibilidade de apuração criminal sem que exista previamente as correspondentes fórmulas e, simultaneamente, obrigando à estrita observância desses mesmos preceitos processuais e proteções constitucionais. Abordando tal temática, o Professor Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, preleciona que “o devido processo legal vai impor obediência estrita das normas processuais, de forma que o processo penal traduza iguais oportunidades das partes no plano processual, a ampla defesa com todos os recursos inerentes, o contraditório, as demais garantias de juiz natural, publicidade e motivação dos atos judiciais. Siqueira Castro (O devido processo legal e a razoabili-dade das leis na nova Constituição do Brasil, 2ª edição, Ed. Forense) aponta, ainda, como consectários da cláusula a presunção da inocência, a suficiência da identificação civil, simetria entre imputação e condenação, a proibição das provas ilícitas, dever de o defensor dativo recorrer, presença do réu preso aos atos instrutórios e rapidez processual.”306O presente artigo 2º remete a apuração dos crimes de responsabili-dade às regras estabelecidas nos artigos 498 a 502 do Código de Processo Penal, adaptando-as, contudo, às demais solenidades já estipuladas no mesmo mandamento.307A competência para o processo e julgamento dos Prefeitos, em crimes comuns e de responsabilidade, atualmente, é exclusiva do Tribunal

305. Inciso LIV, do artigo 5º.
306. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, O Processo Penal em Face da Constituição, Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 49.

307. Por decorrência, o início da instrução seguirá o preceituado nos artigo 394 a

405 do mesmo Codex.

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de Justiça do Estado a que pertença o Município, ex-vi do disposto no inciso X, do artigo 29, da Constituição Federal,308fato este que leva à observância, também, da Lei nº 8.038, de 1990, com alterações produzidas

308. Tratando dos crimes de responsabilidade e repreendendo o Legislador constitucional, o douto municipalista Petrônio Braz assenta que “Não cuidou, na disposição contida no art. 29, VII, a Carta Federal dos crimes de responsabilidade, nem das infrações político-administrativas.” E procurando justificar o deslocamento da competência do julgamento dos Prefeitos, por crimes de responsabilidade e infrações político-administrativas para as Câmaras Municipais, argumenta, verbis: “O Presidente da República, nos crimes de responsabilidade e nas infrações político-administrativas é processado e julgado pelo Senado Federal (art. 52, da CF). Os Governadores dos Estados, pelas mesmas ilicitudes, como dispõem as Constituições dos Estados, são processados e julgados pelas Assembléias Legislativas. Daí se extrai que os Prefeitos Municipais, nos crimes de responsabilidade e nas infrações políticoadministrativas devessem ser processados e julgados pelas Câmaras Municipais. Algumas Constituições Estaduais, contudo, entre elas a de Minas Gerais, atribuíram, por errônea interpretação do art. 29, VIII, da Carta Federal, aos Tribunais de Justiça dos Estados o processo e julgamento dos Prefeitos nos crimes comuns e também nos de responsabilidade.”

Em que pese o brilhantismo e logicidade do raciocínio apresentado para justificação do deslocamento de foro, julgamos, data maxima venia, não assistir razão ao arguto doutrinador. Isto pelo seguinte. Primeiro, o nosso ordenamento jurídico Maior, por ocasião do artigo 29, caput, reza, cristalinamente, que os Municípios e os Estados-membros obedecerão aos preceitos estabelecidos nos incisos I usque XIV, dentre os quais se encontra o X (antigo VIII, cuja renumeração verificou-se por força da Emenda Constitucional nº 1, de 31 de março de 1992), estabelecendo o “julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça”. Ao assim se referir genericamente, sem qualquer adjetivação, quis o Legislador constitucional englobar todos os crimes, onde, à evidência, inscrevem-se os de responsabilidade que têm sua definição em legislação infraconstitucional. Por Segundo, a Constituição Federal, recepcionou o Decreto-Lei nº 201, de 27 e fevereiro de 1967, no que respeita aos chamados crimes de responsabilidade, os quais, em verdade, apresentam-se-nos como crimes assemelhados aos comuns cometidos por funcionários públicos e previstos no Código Penal, distinguindo-os, em essência, o fato de somente poderem ser atribuíveis a funcionário específico: o Burgomestre. Ao terceiro, Cartas Políticas, como a de Pernambuco, a exemplo de muitas outras, estatuem que “São crimes de responsabilidade do Prefeito os definidos em Lei Federal” (artigo 92). Por quarto, a instrução e julgamento dos Prefeitos implica em legislação própria, de cunho processual, cuja edição é da competência exclusiva da União, a teor do artigo 22, inciso I, vedando-se, por decorrência, tal mister aos Estado federados e aos Municípios. Em quinto, atribuir-se ao Legislativo Municipal a competência para julgamento criminal, implicaria, não apenas em verdadeira inversão de valores, mas, sobretudo, em usurpação de poder próprio e inerente apenas ao Judiciário. Por último, e sexto, é de observar-se que o julgamento previsto na parte final do artigo 86, da Constituição Federal, é caso excepcional e do qual participa o Supremo Tribunal Federal. Ademais, a natureza dos delitos previstos para tal julgamento é verdadeiramente político-administrativa (artigo 85 da Lex Fundamentalis).

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pela de nº 8.658, de 26 de maio de 1993.309Ressalva-se, do julgamento ante o Tribunal de Justiça comum dos Estados federados, os crimes da competência exclusiva das Justiças especiais, tais como a Federal comum, se envolve a União;310e a Eleitoral, quando se trata de crimes desta natureza específica. O estabelecimento do foro privilegiado encontra-se devidamente resguardado também nas Constituições dos Estados-Membros, a exemplo da pernambucana311e da tocantinense.312Outro não é o entendimento doutrinário313e o emanado dos Sodalícios nacionais ao reconhecerem ex abundantia tal competência, a exemplo do Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ementando: “Competência criminal – Prefeito municipal
– Foro privilegiado – Prerrogativa de função – Competência do Tribunal de

309 Importante anotar a observação de Rui Stoco acerca da Lei referida, in verbis: “Não se desconhece a existência da Lei 8.658, de 26.5.93, cujo art. 1º dispõe que ‘as normas dos arts. 1º a 12, inclusive, da Lei 8.038, de 28.5.90, aplicam-se às ações penais de competência dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, e dos Tribunais Regionais Federais’. Contudo, lamentável dizer, referida lei é flagrantemente inconstitucional e fruto de equívoco palmar da incapacidade legiferante de nosso Poder Legislativo. Essa lei está em antinomia com o art. 96 da Magna Carta que preceitua competir privativamente aos Tribunais ‘elaborar seus regimentos internos ... dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos’.” — Rui Stoco, O Recebimento da Denúncia e o Julgamento dos Prefeitos Compete ao Tribunal Pleno ou ao Órgão Fracionário do Tribunal de Justiça?, Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 2, nº 6, abr-jun/94, São Paulo, RT, pp. 201-202.

310. Artigo 109, incisos I, II e IV, da Lei Maior.
311. “Art. 61. Compete ao Tribunal de Justiça: I – processar e julgar originariamente:
a) o Vice-Governador, os Secretários de Estado, os Prefeitos, os Juizes Estaduais e os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça da União;” (grifamos).

312. “Art. 48 (...) § 1º Compete ao Tribunal de Justiça, além de outras atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar, originariamente: (...) VI – os Prefeitos Municipais;” (destacamos).

313. Como ensina o Mestre Rui Stoco, abordando o tema da competência dos Pretórios estaduais para o julgamento dos Prefeitos, “Trata-se de foro privilegiado por prerrogativa de função, fixada pela lei fundamental e suprema. ‘Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere fundamento e só ela confere competências’, como enfatiza José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, Ed. RT, 1976, vol. 1º/17). Bem por isso o clássico Pimenta Bueno pontificava em seus Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro (5ª ed., p. 86): ‘que os privilégios do foro: especial não são estabelecidos por amor dos indivíduos, sim do caráter, cargo ou funções que exercem’. Sem dúvida a razão determinante do foro especial é a necessidade e a conveniência de melhor amparar o exercício de certas funções públicas e é este efetivo exercício que cria a jurisdição excepcional do Tribunal. Ora, tendo em consideração o texto expresso na nova Constituição da República, no inc. VIII (atual X, observação nossa) do seu art. 29, patenteia-se que o

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Justiça – Auto-aplicabilidade do art. 29, VIII,314da Constituição da República de 1988 – Ordem concedida. A Comissão nomeada pelo eminente Presidente desta Casa chegou à conclusão inequívoca, por parte de todos os seus membros, que o artigo em causa é auto-aplicável, sem necessitar de qualquer outra lei que lhe empreste validade e exeqüibilidade.”315Culminando essa orientação, o Augusto Supremo Tribunal Federal insculpiu que “Compete, desde logo, originariamente, ao Tribunal de Justiça do Estado, nos termos do art. 29, VIII,316...

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