Dom - uma contribuição à teoria dos contratos - Gift - a contribution to the theory of contracts

AutorOlney Queiroz Assis - Vitor Frederico Kümpel
CargoAdvogado, Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) - Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP)
Páginas263-293
Dom – uma contribuição à teoria dos contratos
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 4, p. 263-293, 2008 263
DOM – UMA CONTRIBUIÇÃO À TEORIA DOS CONTRATOS
GIFT – A CONTRIBUTION TO THE THEORY OF CONTRACTS
Olney Queiroz Assis*
Vitor Frederico Kümpel**
Resumo: este artigo enfoca as formas de circulação de bens
(trocas e doações) expostas por Marcel Mauss em seu
Ensaio Sobre o
Dom
, dando ênfase aos princípios de solidariedade, reciprocidade e
rivalidade e suas conexões com as obrigações de dar, de receber e de
restituir. Mostra a penetração da economia e da moral do dom nas
sociedades contemporâneas, especialmente nos grandes sistemas de
doações e de empréstimos que estão sendo criados para organizar e
atender às demandas sociais. Conclui que os princípios do dom não
foram suprimidos pela dinâmica do mercado, motivo pelo qual devem
ser considerados pela tecnologia jurídica na elaboração da teoria dos
contratos.
Palavras-chave: Dom. Dádiva. Doação. Empréstimo.
Kula
.
Potlatch
.
Abstract: this article focuses on the forms of assets circulation
(exchange/trade and donation) exposed by Marcel Mauss in his
masterpiece "The Gift", emphasizing the principles of solidarity,
reciprocity and rivalry and their connections whit the obligations to
give, receive and return. It shows the infiltration of the economy and
the gift's moral in the contemporary societies, especially in large
systems of donations and loans that are being created to organize and
to attend social demands. It concludes that the principals of the gift
were not suppressed by the dynamics of the market and so would be
considered by the legal technology in developing the theory of
contracts.
Keywords: Gift. Donation. Loan.
Kula
.
Potlatch
.
* Advogado, Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo ( PUC/SP), Professor na FDDJ e no Complexo Jurídico Damásio de
Jesus (CJDJ).
** Juiz de Direito, Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo ( USP),
Professor na FDDJ, no CJDJ e no Curso de Mestrado e Doutorado em Direito
da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).
Olney Queiroz Assis e Vitor Frederico Kümpel
Revista Jurídica Logos, São Paulo, n. 4, p. 263-293, 2008 264
1. TEORIA DO FATO SOCIAL TOTAL
Marcel Mauss, no
Ensaio Sobre o Dom
ou
Ensaio Sobre a Dádiva
,
examina as formas de circulação de bens em diferentes sociedades
sob o enfoque de uma teoria que ficou conhecida como
teoria do fato
social total
. De acordo com essa teoria, o social só é real integrado em
sistema, motivo pelo qual, para compreender um fenômeno social, é
preciso apreendê-lo totalmente, ou seja, os fatos sociais não podem
ser redutíveis a fragmentos esparsos.
A teoria do fato social total postula, portanto, a integração dos
diferentes aspectos (jurídico, econômico, histórico, religioso, estético)
constitutivos de uma dada realidade social que convém apreender em
sua integralidade. Essa totalidade não suprime o caráter específico dos
fenômenos, que permanecem ao mesmo tempo jurídicos, econômicos,
religiosos e até mesmo estéticos e morfológicos. A totalidade consiste,
assim, num sistema ou rede de inter-relações funcionais entre todos
esses planos, que possibilita apreender as condutas humanas em todas
as suas dimensões. Isso significa que, ao enxergar o fenômeno social na
sua totalidade, o investigador (jurista, antropólogo, sociólogo) estabe-
lece uma exigência epistemológica de caráter interdisciplinar.
Mauss acredita que as trocas (dons e contra-dons) constituem o
núcleo comum de um grande número de atividades sociais aparente-
mente heterogêneas; percebe, desse modo, a importância do regime
dos contratos no funcionamento e evolução das sociedades, motivo
pelo qual procura apreendê-lo como um fenômeno social total.
Começa por investigar o caráter livre e gratuito, mas, ao mesmo
tempo, obrigatório e interessado, das obrigações de dar, de receber e
de restituir que vigem nas sociedades ditas primitivas. Na seqüência,
procura demonstrar que o encadeamento dessas prestações envolve
uma multiplicidade de fenômenos (jurídicos, morais, políticos,
econômicos, religiosos etc.) ligados aos sistemas de trocas (dons e
contra-dons). A circulação de dons e contra-dons, assim, corresponde
a um fato social total porque engloba e entrelaça os diversos domínios
da vida coletiva.
Sinteticamente, pode-se estabelecer que no
regime do dom
: a)
tem-se um
sistema de prestações totais
porque abrange dons
antagonistas e não-antagonistas envoltos em ciclos de solidariedade,
reciprocidade e rivalidade, cujo funcionamento pode ser perfeitamente
conhecido; b) as prestações são totais porque englobam, ao mesmo
tempo, diversos tipos de fenômenos (jurídicos, religiosos, econômicos,
morais etc.), que supõem a intervenção dos diversos grupos que dão

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