Doping no Processo Penal ou Complexo de Lance Armstrong

Na Europa, o ciclismo movimenta as massas e o Tour de France é acompanhado ao vivo pela mídia. De 1999 em diante, Lance Armstrong sagrou-se campeão por sete vezes — por equipe e no individual. Estava lançada a sorte — e a marca — de um grande desportista, não fossem as vitórias maculadas pela utilização de eritropoietina — EPO —, droga que aumenta a produção de eritrócitos (glóbulos vermelhos do sangue) e melhora a eficiência aeróbica. Armstrong ganhou várias competições até 2012. E a casa caiu.

O processo penal como jogo

Entender o processo penal como jogo não é novidade. Embora o processo penal exija racionalidade dos jogadores, o exercício do jogo mostra que as decisões são tomadas para além da racionalidade. Daí que a metáfora da Teoria dos Jogos pode ser invocada para modelar, de alguma maneira, a matriz teórica de como as decisões podem ser tomadas, partindo-se do estudo dos comportamentos dos jogadores, julgadores, estratégias, táticas e recompensas. Em coluna anterior falei do tema e também que iria explicitar a noção de doping processual (clique aqui para ver).

Na linha do que venho pesquisando, especialmente sobre a aplicação da Teoria dos Jogos no Processo Penal[1], cabe expor algumas linhas sobre a noção de doping aplicada ao Processo Penal. A pretensão é a de promover nova compreensão do fair play e da teoria das nulidades, em trabalho futuro.

Para uma noção de doping processual

Grosso modo, doping é fraude, jogo sujo! Surgido no âmbito dos esportes, o doping se constitui como problema privado e público[2], especialmente nas competições, tanto assim que o Comitê Olímpico Internacional criou uma entidade para “combater” o fenômeno, a World Anti-Doping Agency — WADA. A função básica seria a prevenção e repressão da fraude e da trapaça nas disputas, garantindo-se o fair play (jogo limpo) e protegendo tanto os atletas como o próprio jogo.

No campo do processo penal entendido como jogo, pode-se invocar, quem sabe, a noção de doping processual para superar a teoria das nulidades. No Brasil, a teoria das nulidades do processo penal, com origem civilista, é caótica. Prevalece a discussão entre ausência de prejuízo, malversação das normas procedimentais, enfim, dilemas ideológicos travestidos de questões processuais, cuja superação é necessária.

A legitimidade do provimento judicial dependerá do desenrolar correto dos atos e posições subjetivas previstos em lei, do fair play. E a perfeita observância dos atos e posições subjetivas dos atos antecedentes (sub-jogos) é condição de possibilidade à validade dos subsequentes. Logo, a mácula procedimental ocorrida no início do processo — partida — contamina os demais, os quais para sua validade precisam guardar referência com os anteriores. O ato praticado em desconformidade com a estrutura do procedimento é inservível à finalidade a que se destina. A decisão final, preparada pelo procedimento, também se constitui como parte desse, ou melhor, sua parte final, o julgamento do jogo processual.

A doutrina diferencia a “mera irregularidade” (sem violação do conteúdo do ato), da “inexistência” (por ausência de requisito de sua validade — alegações finais por não advogado ou sentença por não juiz), “nulidade relativa” e “nulidade absoluta”. Em relação a essa distinção, também com Lopes Jr, pode-se afirmar a insuficiência das categorias e, a partir do processo como procedimento em contraditório, bem assim da reserva de jurisdição, só há nulidade por decisão judicial. Entretanto, o regime de nulidades do Código de Processo Penal (arts. 563-573), além de ultrapassado, é confuso[3]. Adota a compreensão mitológica da verdade substancial (CPP, art. 566), possui dispositivos revogados noutros...

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